O início do governo ultramarino do príncipe João e a carta de
Toscanelli
«(…) Afigura-se-nos natural que João
questionasse sobre essa matéria os poucos homens cultos e interessados em
questões de cosmografia que então havia em Portugal, entre os quais se contava
Fernando Martins. Este, por sua vez, lembrou-se da conversação que tivera em
Florença em 1459 com Toscanelli
sobre questões geográficas em torno de um mapa, pelo que, sendo este um dos mais
reputados especialistas em assuntos de cosmografia, achou por bem solicitar-lhe
um parecer sobre as matérias que então estavam de novo a ser discutidas em
Portugal. A formulação deste pedido neste contexto está subjacente à resposta
que então Toscanelli lhe enviou, pois só assim ganha sentido ter sido emitido
precisamente neste período de 1474
em que a nova administração das explorações ultramarinas desejava dar continuidade
ao progresso dos Descobrimentos no sentido de atingir terras onde havia especiarias.
É ainda de observar neste contexto que desde 1473 o príncipe João tinha
ao seu serviço como escrivão da puridade, chanceler-mor e vedor da fazenda um
letrado eminente como era o doutor João Fernandes Silveira, que seria o
primeiro barão do Alvito desde 27 de Abril de 1475, que, como já vimos, enquanto embaixador de Afonso V na Itália
fora o responsável em 1456 pela
encomenda do mapa-mundo a Fra Mauro feita em Veneza.
Para enquadrar e iluminar a razão de ser da troca de correspondência
entre o cónego de Lisboa e o sábio florentino é necessário insistir no facto de
tal realização se situar na conjuntura que foi marcada pela nomeação do príncipe
João para uma tão grande responsabilidade como era a de continuar os
descobrimentos portugueses. Nessa altura tinham terminado as explorações sob a
alçada do contrato de Fernão Gomes, tendo os seus navegadores chegado ao cabo
de Santa Catarina um pouco ao sul do equador, tendo assim ficado descoberto
todo o golfo da Guiné. Perante estes dados e na iminência de começar uma nova
fase na História dos Descobrimentos compreende-se o sentido da
interrogação dirigida por Fernando Martins a Toscanelli e da proposta que este
avançou aos portugueses sobre a melhor forma de chegar aos lugares da especiaria.
Toda esta problemática é suscetível de ser equacionada graças ao acto de
Colombo que ao contactar com a carta e o mapa de Toscanelli os copiou e assumiu
a vontade de querer concretizar a aliciante proposta neles contida, sendo
aparentemente simples de realizar, apesar de os portugueses não a rerem
seguido. Nas fontes portuguesas este debate apenas ficou assinalado na
referência feita por Duarte Pacheco Pereira no texto de 1505 que atrás assinalámos.
A busca de ilhas perdidas e o mapa perdido de Toscanelli
Toscanelli, ao indicar a rota que os portugueses deveriam seguir para
ocidente e no sentido de os entusiasmar e facilitar a viagem a realizar, aludiu
à importância que nela poderia ser a ilha denominada Antilia, sugerindo mesmo
que por eles era conhecida e se situava no caminho para a ilha Cipango (Japão) mencionada
por Marco Polo. É um facto que os portugueses acreditavam na possibilidade da
existência dessa Antilia ou ilha das Sete Cidades, como lhe chamavam, mas
a verdade também é que não a conseguiram localizar.
A Antilia, que desde a década de 40 do século XV foi procurada
pelos portugueses no Atlântico, nunca chegou a ser reconhecida porque estes não
ousaram avançar o suficiente para ocidente de forma a conseguir encontrá-la.
Algumas das pesquisas que desde 1474
se tentaram realizar para a identificar poderão estar relacionadas com o
parecer de Toscanelli, apesar de este nunca ter sido evocado.
As lendas medievais sobre a existência de ilhas atlânticas suscitaram
projectos de exploração de portugueses e outros europeus que se lhes associaram
no sentido de descobrir tais ilhas, mas todas as intenções de as descobrir
vieram a frustrar-se, até que Colombo em 1492
conseguiu descobrir um arquipélago que ficaria conhecido por Antilhas,
nome que já está assinalado no chamado mapa
de Cantino, de 1502, dando assim
corpo à mítica Antilia e desmentindo a chegada à sua ansiada Cipango.
A partir de 1462 foram
passados numerosos documentos em Portugal com promessas de doações de ilhas,
sendo dois deles datados deste ano, num dos quais se referiam expressamente
mapas com ilhas míticas. No reinado de Afonso V conhecem-se outras cartas reveladoras
do interesse em encontrar ilhas atlânticas no período de 1473 a 1475, sendo do primeiro
destes anos a promessa de doação de ilhas a descobrir feitas em 1473 respectivamente aos filhos de D.
Beatriz (12 de Janeiro) e a Rui Gonçalves Câmara (21 de Junho),
enquanto nos anos seguintes o foram a Fernão Teles (1474 e 1475). Esta
última personalidade recebeu a 28 de Janeiro de 1474 a doação das ilhas que descobrisse no mar oceano, na mesma data em que foi nomeado para as funções de governador
da casa da infanta D. Joana, filha do monarca». In José Manuel Garcia, D. João II
vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012,
Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
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