A “Sempre-Noiva”. Política matrimonial e Diplomacia paralela
«(…) O bispo foi recebido pouco tempo depois na corre por
João III, a quem entregou duas cartas, uma de cada um dos seus soberanos. Vai
depois à presença da rainha D. Catarina, que estava acompanhada da Infanta e da
filha homónima, bem como de várias damas da corte. Entrega outra carta da
rainha de França a D. Catarina e fala com a Infanta. Carlos V é prontamente
avisado pelo seu embaixador e, também, pela carta da irmã. Manda que o primeiro,
que encarrega Francisco de Gusmão, dado ser-lhe impossível ir ao Paço de D.
Maria sem que os espiões do rei soubessem, entregue à Infanta instruções nas quais
a adverte do perigo que constitui o Frances,
esclarecendo-a de que a sua ida para a corte dos Valois não servia para mais do
que financiar a guerra contra os Habsburgo e que a razão apresentada por Francisco
I, satisfazer um desejo de D. Leonor, não podia estar mais longe da realidade
em vista da maneira pouco cortês com que a tratava, deixando-a só longas
temporadas enquanto se divertia com os seus cortesãos e cortesãs em um qualquer
outro palácio. Através de outra carta, o imperador convence a irmã das
desvantagens de chamar a si a Infanta sem estar casada, pois, assim, Francisco
I poderia casá-la com quem bem entendesse, despojando-a dos bens e obrigando-a
a viver em solo inimigo, à semelhança da vida que ela, rainha, enfrentava todos
os dias.
Carlos V compõe o ardil com o objectivo de dilatar as
negociações, até encontrar a resolução que mais lhe conviesse. Francisco I era
ludibriado, já que para ele a rainha insistia em que a filha saísse de Portugal
solteira e acompanhada de toda a sua fazenda
a infanta D. Maria optava por obedecer ao tio ao evitar sair de Portugal sem
noivo escolhido, permitindo-lhe assim controlar o seu dote; e D. Leonor contrariava,
de maneira não oficial e sempre usando o nome de D. Maria, as ordens que o
bispo de Ade recebera para que, e só em último caso, a Infanta pudesse sair do
país com a promessa de que a sua fortuna seria paga com o rendimento obtido nas
feiras anuais.
O segredo e a desconfiança em torno dos criados de origem
portuguesa que serviam a Infanta fazem crer que João III não foi consultado sobre
o negocio da Infanta. Todavia, os
propósitos de Carlos V, ainda que por motivos diversos, coincidiam com os seus:
João III não queria deixar sair a Infanta, e tentou, mesmo, dissuadi-la numa
conversa que tiveram nos seus paços e que foi relatada por Francisco de Gusmão
a Luís Sarmiento, que a descreve a Carlos V:
Não deixa de ser curioso verificar a proximidade das datas e
a rapidez com que as perguntas e as respostas chegavam aos interlocutores,
quando os assuntos anteriores foram tratados com o vagar diplomático que as
razões de Estado ditavam. É, de novo, o que se passa com e resposta de João III
sobre a única interrogação que importava responder: qual era, afinal, o
valor da fortuna da Infanta? Foi esta a maneira que o rei encontrou de
contrariar os propósitos da irmã que insistia em não partir sem os seus cabedaes.
As cláusulas do Tratado de Saragoça estipulavam que:
- ao filho primogénito dar-se-iam 800 mil dobras de ouro, ou ao segundogénito, caso o primeiro falecesse;
- não ficando filho varão e havendo crianças do sexo feminino, dar-se-iam 400 mil dobras;
- não havendo nascido filho varão ficaria a mais velha das filhas com 200 mil dobras de ouro.
D. Maria tinha direito ao cumprimento da segunda cláusula,
uma vez que tivera um irmão de nome Carlos que morrera com cerca de 18 meses.
Mas João III contrapunha que nascer e morrer logo em seguida era o mesmo que
nunca ter nascido, pelo que a Infanta teria direito às dobras expressas na
terceira cláusula. O conselho que mandara reunir para analisar o caso dá-lhe
obviamente razão. Cados V ordenara também a reunião de alguns membros do seu
conselho para deliberar sobre as palavras do contrato, concluindo exactamente o
contrário dos juízes de João III, e argumentando que qualquer ambiguidade do
texto se devia ao próprio rei Manuel I, que o mantivera tendo presenciado a morte
do filho e o nascimento posterior de D. Maria.
A acrescentar às 400 mil dobras de ouro, havia os interesses
acumulados nos 21 anos da Infanta: o valor em dinheiro dos lugares e cidades
(como Torres Vedras e Viseu) que possuía em Portugal e as jóias, importando
tudo em cerca de um milhão de dobras de ouro. O que criava um problema grave a
João III pois o bispo de Ade não estava disposto a partir e o rei não tinha
como pagar o dote».
In Carla Alferes Pinto, A
Infanta Dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista,
Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.
Cortesia
da Fundação Oriente/JDACT