Neto de Maria Stuart. Decapitado pelo Parlamento inglês
«A História revela-nos, por vezes, nas suas páginas, as mais estranhas
e desconcertantes surpresas. No que se refere, por exemplo, à Inglaterra, não é
curioso que, após a luta de morte travada entre as duas mulheres reinantes de
dois países vizinhos, a Tudor, Isabel I, e a Stuart,
a desventurada Maria da Escócia, tenha sido o filho da decapitada quem
veio a herdar o trono da matadora de
sua mãe? De facto, com Jaime I (IV, da Escócia) rebento
do trágico enlace de Maria Stuart e Darnley, iniciou-se a curta dinastia dos Stuarts
no trono inglês, com a coroa da Escócia apendiculada. Por falecimento deste, em
1625, subiu ao poder seu filho,
Carlos I, o Rei-Mártir, como foi
cognominado.
Carlos I, nascido em Dunfermline (Escócia) em 1600, foi, prodigamente, pela natureza, com notáveis encantos
físicos, graça, sedução, galhardia e majestade, que fizeram dele um belo
exemplar de homem muito admirado das damas. Juntamente com a coroa, o novo
monarca da Inglaterra recebera, como herança, a colaboração do versátil George
Villiers a quem o rei Jaime agraciara com o título de duque de Buckingham, cuja
política tortuosa não agradava à maioria da nação por se dirigir, certas vezes,
contra os próprios sentimentos populares.
Com o fim de pacificar a Europa, Buckingham não pensou em outro meio
senão o do casamento do jovem príncipe Carlos, herdeiro de um reino fanatizado
pela Reforma, com uma infanta católica de Espanha. A reacção nacional obrigou-o
a abandonar o arriscado projecto. Espanha e Catolicismo eram inimigos da
Inglaterra, e os ingleses não desejavam que no seu trono fosse afrontosamente
colocado, alguma vez, um príncipe da nação que era a sua principal inimiga no
campo internacional. Afinal, Carlos I veio a casar, em 1625, com outra zelosa católica, a duquesa de Borgonha, Henriqueta Maria
da França, filha de Henrique IV e de Maria de Médicis, nascida em Paris, em 1606.
Apesar de vivaz, encantadora, adorável, tendo aquele espírito feminino
francês inconfundível, de grande beleza, que despertava a admiração dos cortesãos
e conquistava a corte, ela não deixou de causar algumas perturbações ao país
protestante puritano e inflexível. Não obstante, Carlos I, de personalidade vincada,
soube sempre defender-se, ferozmente, da entourage
da mulher.
A política anti-isabelina de Jaime I havia perigosamente desprezado o
poder naval da Inglaterra, que a tinha levado a grande predominância, e a inevitável
consequência disso foi, no reinado de Carlos I, uma série de desastres para as
armas inglesas e o respectivo aumento de impostos. Tais factores, juntos a outros,
tornaram-se motivo irredutível do grave conflito que surgiu entre a Câmara dos Comuns
e a Coroa. O Parlamento em Inglaterra não era uma corte de bonifrates, como em outros países, e aspirava a exercer, de facto,
o Poder, opondo-se às vincadas tendências absolutistas do monarca.
As relações entre os dois poderes, logo de início tensas, não
caminhavam bem e produziram mal-estar na nação, quando o assassínio de
Buckingham, perpetrado por um fanático, acto que o povo, aliás, recebeu com
visível satisfação, acabou por agravar tal estado de coisas. O panorama inglês
dessa época pode resumir-se assim: o rei enfrentava a oposição feita pelo Parlamento,
que o odiava, a todas as medidas que tentava pôr em prática, e tinha contra si
o povo, entregue este, cada vez mais, à sua irredutibilidade religiosa.
O assassínio do ministro exaltou a cólera do rei e levou-o a abandonar
o belicismo em que Buckingham havia lançado o reino, para se devotar inteiramente
às questões internas do governo. Mas o Parlamento sentia-se afrontado por se
ver excluído, sistematicamente, de modo ostensivo, da acção governativa. Tal
luta atingia a sua maior culminância em 1629,
com um acro drástico, antipolítico e anticonstitucional do soberano. Carlos I,
numa fria e corajosa deliberação e postergando os privilégios parlamentares,
manda prender os três leaders que
mais o contrariavam: John Eliot, Valentine e Strode. O primeiro destes homens terminaria os seus
dias cativo na sinistra Torre de Londres, aureolado pelas palmas de mártir da
causa do Direito e da Liberdade.
In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria
Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.
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