Iniji
[…]
tão esmagadores bárbaros, tão vociferantes,
e nós tão nenúfar
tão espiga ao vento
tão longe do cortejo
tão mal na cerimónia
tão pouco da nossa idade e tanto a passear
tão farinha
tão peneirada
e sempre na peneira
asas de morcego
batendo sempre contra a cara
Quem agora há-de aportar à ilha?
As formas fogem em farrapos
mergulham, alongam-se, deformam-se
luas nos bordos de uma nuvem negra.
Tiram-se as luvas cheias de sangue
tira-se a camisa cheia de sangue
Silêncio
silêncio
Deixai-me nadar pelas paredes fora
Ouço murmúrios que me chamam
Éele. É o momento.
Enfim!
Espelhos recolhem-nos
Espelhos trocam-nos
a perdida deste mundo, a morte do outro mundo
Deixai-nos
um rosto de têmporas raiadas de veias
Outrora,
outrora
o rio de júbilo não tinha o leito ressequido
Iniji não vivia ainda atrás das portas de chumbo
Não acontecera ainda.
Estes esgares à minha roda
sempre sempre
que desejam eles?
Papéis sempre sempre redistribuídos
perdizes, folhas, loucas
Vapor
apenas vapor
pode acaso o vapor voltar a ser migração?
o fio passa
repassa
fio sem fim a fiar-se
casulo que me enclausura
Ah! O Juízo
sofrida sentença semelhante à síncope
vagas fustigantes
dedos aduncos
tudo são tormentos para a órfã
Iniji hóspeda efemera das covas,
pais, pinças, palavras
Eis a estrada longínqua que não vem de volta.
Dorme o seio de onde jorrou o leite.
Apagou-se o contorno... e a opala...
Ficou a sombra só o suspiro dos lábios
Vem, vem, vento de Aúrraú
tu, vem!
Poema de Henri Michaux
In As Magias, Herberto Helder, Poemas mudados para
Português, Assírio & Alvim, edição 0257, 2010, ISBN 978-972-37-0086-2.
Cortesia de Assírio e Alvim/JDACT