«(…) Adverte Hessel, ao
contrário: o inimigo pode estar invisível, dissolvido na grande borra da
realidade tecnológica, rede mundial de computadores, redes de TV dedicadas à
informação instantânea, nas quais o inimigo, como um diabo traiçoeiro, a cada
minuto muda de face, quotidiano, veloz e sem pausas. Não lidamos mais com uma pequena elite cujas acções entendemos
claramente. Nem por isso, Hessel
argumenta, os motivos para a indignação desapareceram. O século XXI tem uma
aparência sombria e disforme, a globalização reduziu o planeta a uma sala, mas,
diz Hessel, em nosso mundo continuam
a existir coisas insuportáveis. Alerta:
Para vê-las, é preciso olhar bastante,
procurar. Digo aos jovens: procurem um pouco, vocês vão encontrar. A pior das
atitudes é a indiferença.
Infelizmente, ele lamenta, muitos jovens, cada vez mais, preferem drogar-se,
entregar-se ao tédio, não pensar. A vida individual, com suas inevitáveis
exigências, lhes serve de bom argumento. Os jovens dizem: Não posso fazer nada, estou me virando. Diante disso, em vez
de enfurecer-se, em vez de exasperar-se, Stéphane
Hessel, dorme em sua vida de nonagenário, prefere esperar. Esperar não por
indolência ou por preguiça, mas para pensar, procurar e chegar a ver. Numa palavra:
para indignar-se. In José Castello, Crónica publicada pelo jornal Valor Económico, em 2011.
Indignai-vos!
Noventa e três anos. Pode-se falar em etapa final. O fim não está longe.
Que sorte poder aproveitar para lembrar o que serviu de base ao meu engajamento
político: os anos de resistência e o programa elaborado há 66 anos pelo Conselho
Nacional da Resistência! Devemos a Jean Moulin, no âmbito desse Conselho, a
reunião de todos os componentes da França ocupada, os movimentos, os partidos,
os sindicatos, para proclamarem sua adesão à França combatente e ao único chefe
que ela reconhecia: o general De Gaulle. De Londres, onde me juntara a De
Gaulle em Março de 1941, soube que
esse Conselho havia organizado um programa e que o tinha adoptado em 15 de Março
de 1944, propondo para a França
libertada um conjunto de princípios e de valores sobre os quais se apoiaria a
moderna democracia de nosso país. Mais do que nunca, hoje temos necessidade
desses princípios e valores. Precisamos nos manter vigilantes, todos juntos,
para que esta continue sendo uma sociedade da qual nos orgulhemos; não a
sociedade dos imigrantes sem documento, das expulsões, das suspeitas aos
imigrantes; não a sociedade na qual sejam questionadas as aposentadorias, os
direitos adquiridos da Previdência Social; não a sociedade na qual a imprensa está nas mãos dos ricos, todas essas coisas
que teríamos recusado avalizar se fôssemos os verdadeiros herdeiros do Conselho
Nacional da Resistência. Após um drama cruel, em 1945 houve uma ressurreição
ambiciosa a que se dedicaram as forças presentes no seio do Conselho da
Resistência.
Vale lembrar que naquela ocasião foi criada a Seguridade Social, como
queria a Resistência, que estipulara expressamente em seu programa: Um plano completo de Seguridade Social,
visando a assegurar meios de existência a todos os cidadãos, em todos os casos
em que eles não tenham capacidade de consegui-las pelo trabalho; uma aposentadoria que permita aos trabalhadores
idosos encerrarem dignamente seus dias. As fontes de energia, a
eletricidade e o gás, as minas de carvão, os grandes bancos foram
nacionalizados. Era o que esse programa também preconizava, o retorno à nação dos meios de produção
monopolizados, fruto do trabalho comum, das fontes de energia, das riquezas do
subsolo, das companhias de seguro e dos grandes bancos; a instauração de uma verdadeira
democracia económica e social, implicando a evicção dos grandes feudos económicos
e financeiros que comandam a economia. O interesse geral deve
sobrepujar o particular, a justa divisão das riquezas criadas pelo mundo do trabalho
deve primar sobre o poder do dinheiro. A Resistência propunha uma organização racional da economia,
assegurando a subordinação dos interesses particulares ao interesse geral,
liberto da ditadura profissional instaurada à imagem dos Estados fascistas,
e o Governo provisório da República assegurava a continuidade».
In Stéphane Hessel, Indignai-vos!,
tradução de Marly Peres, Mensanapress, Artesanato
gráfico e editorial, 2011.