«(…) Uma verdadeira democracia tem necessidade de uma imprensa
independente; a Resistência sabia disso, e assim o exigia, defendendo a liberdade de imprensa, sua honra e sua
independência com relação ao Estado, aos poderes do dinheiro e às influências
estrangeiras. Era isto o que repetiam os decretos sobre a imprensa, já
em 1944.Ora, é isto que hoje está em
perigo. A Resistência apelava para a
possibilidade efetiva, para todas as crianças francesas, de se beneficiarem da educação
mais desenvolvida, sem discriminação; ora, as reformas propostas em 2008 vão contra esse projecto. Jovens
docentes, cuja acção eu apoio, chegaram a se recusar a aplicá-las, e viram seus
salários reduzidos a título de punição. Eles se indignaram, desobedeceram, julgaram essas
reformas muito afastadas do ideal da escola pública, muito a serviço de uma
sociedade do dinheiro, e que não mais desenvolve suficientemente o espírito
criativo e crítico.
É toda a base das conquistas sociais da Resistência que está sendo agora
contestada.
O motivo da Resistência é a Indignação
Hoje em dia, ousam dizer-nos que o Estado não pode mais garantir o custo
dessas medidas cidadãs. Mas, como é possível que falte dinheiro para manter e
prolongar as conquistas quando a produção de riquezas aumentou consideravelmente, desde a
Libertação, períodos em que a Europa estava arruinada? Só se for porque o poder
do dinheiro, combatido pela Resistência, nunca foi tão grande, insolente e
egoísta para com os seus próprios servidores, até mesmo nas mais altas esferas
do Estado. Os bancos, doravante privatizados, mostram-se antes de tudo preocupados com
seus dividendos e com os altíssimos salários dos seus dirigentes, não com o
interesse geral. A distância entre os mais pobres e os mais ricos nunca foi tão
grande, a competição nunca foi tão incentivada. A razão básica de ser da
Resistência era a indignação. Nós, veteranos dos movimentos de resistência e
das forças combatentes da França Livre, apelamos às jovens gerações para manter
viva a indignação, transmitir essa herança
da Resistência e dos seus ideais. Estamos dizendo: assegurem a continuidade,
indignem-se! Os responsáveis políticos, económicos, intelectuais e a
sociedade toda não devem se omitir nem se deixar impressionar pela actual ditadura
internacional dos mercados financeiros, que ameaça a paz e a democracia. Eu
desejo a todos, a cada um de vocês, que tenham seu motivo de indignação.
Isto é precioso. Quando alguma coisa nos indigna, como fiquei indignado com o
nazismo nos transformamos em militantes; fortes e engajados, Nos unimos
à corrente da história, e a grande corrente da história prossegue graças a cada
um de nós. Essa corrente vai em direcção de mais justiça, de mais liberdade,
mas não da liberdade desencontrada da raposa no galinheiro. Esses direitos,
cujo programa a Declaração Universal
redigiu em 1948, são universais. Se encontrar
alguém que não é beneficiado por eles, compadeça-se, ajude-o a conquistá-los.
Duas visões da História
Quando tento entender o que provocou o fascismo, o que fez com que nós
franceses fôssemos invadidos por ele e por
Vichy, digo a mim mesmo que as pessoas que tinham posses, em razão de
seu egoísmo, sentiram um medo terrível da revolução bolchevique. Elas se
deixaram guiar por seus temores. Mas, se hoje, como naquela época, uma minoria activa
se levantar, isso será suficiente; teremos aí a levedura para que a massa
cresça. Com certeza, a experiência de alguém muito idoso como eu, nascido em 1917, se diferencia da dos jovens de
hoje. Muitas vezes peço a professores, do ensino fundamental, que me deem a
possibilidade de intervir junto aos seus alunos, e lhes digo: Resistir, para nós,
era não aceitar a ocupação alemã, não aceitar a derrota. Era relativamente
simples. Simples como o que se seguiu, a descolonização. Em seguida, veio a
guerra da Argélia. Era necessário que a Argélia se tornasse independente, isso
era óbvio. Quanto a Stalin, todos aplaudimos a vitória do Exército Vermelho
sobre os nazistas em 1943. Mas, já
quando tivemos conhecimento dos grandes processos stalinistas de 1935, e mesmo
se achássemos que era preciso manter o ouvido aberto às mensagens do comunismo,
ao menos para contrabalançar a influência do capitalismo norte-americano, a
necessidade de nos opormos a essa forma insuportável de totalitarismo se impôs
como uma evidência».
In Stéphane Hessel, Indignai-vos!,
tradução de Marly Peres, Mensanapress, Artesanato
gráfico e editorial, 2011.
Cortesia de Mensanapress/JDACT