terça-feira, 2 de julho de 2013

Indignai-vos! Stéphane Hessel. «A razão básica de ser da Resistência era a indignação. Apelamos às jovens gerações para manter viva a “indignação”, transmitir essa herança da Resistência e dos seus ideais. ‘Assegurem a continuidade, indignem-se!»

Cortesia de wikipedia

«(…) Uma verdadeira democracia tem necessidade de uma imprensa independente; a Resistência sabia disso, e assim o exigia, defendendo a liberdade de imprensa, sua honra e sua independência com relação ao Estado, aos poderes do dinheiro e às influências estrangeiras. Era isto o que repetiam os decretos sobre a imprensa, já em 1944.Ora, é isto que hoje está em perigo. A Resistência apelava para a possibilidade efetiva, para todas as crianças francesas, de se beneficiarem da educação mais desenvolvida, sem discriminação; ora, as reformas propostas em 2008 vão contra esse projecto. Jovens docentes, cuja acção eu apoio, chegaram a se recusar a aplicá-las, e viram seus salários reduzidos a título de punição. Eles se indignaram, desobedeceram, julgaram essas reformas muito afastadas do ideal da escola pública, muito a serviço de uma sociedade do dinheiro, e que não mais desenvolve suficientemente o espírito criativo e crítico.
É toda a base das conquistas sociais da Resistência que está sendo agora contestada.

O motivo da Resistência é a Indignação
Hoje em dia, ousam dizer-nos que o Estado não pode mais garantir o custo dessas medidas cidadãs. Mas, como é possível que falte dinheiro para manter e prolongar as conquistas quando a produção de riquezas aumentou consideravelmente, desde a Libertação, períodos em que a Europa estava arruinada? Só se for porque o poder do dinheiro, combatido pela Resistência, nunca foi tão grande, insolente e egoísta para com os seus próprios servidores, até mesmo nas mais altas esferas do Estado. Os bancos, doravante privatizados, mostram-se antes de tudo preocupados com seus dividendos e com os altíssimos salários dos seus dirigentes, não com o interesse geral. A distância entre os mais pobres e os mais ricos nunca foi tão grande, a competição nunca foi tão incentivada. A razão básica de ser da Resistência era a indignação. Nós, veteranos dos movimentos de resistência e das forças combatentes da França Livre, apelamos às jovens gerações para manter viva a indignação, transmitir essa herança da Resistência e dos seus ideais. Estamos dizendo: assegurem a continuidade, indignem-se! Os responsáveis políticos, económicos, intelectuais e a sociedade toda não devem se omitir nem se deixar impressionar pela actual ditadura internacional dos mercados financeiros, que ameaça a paz e a democracia. Eu desejo a todos, a cada um de vocês, que tenham seu motivo de indignação. Isto é precioso. Quando alguma coisa nos indigna, como fiquei indignado com o nazismo nos transformamos em militantes; fortes e engajados, Nos unimos à corrente da história, e a grande corrente da história prossegue graças a cada um de nós. Essa corrente vai em direcção de mais justiça, de mais liberdade, mas não da liberdade desencontrada da raposa no galinheiro. Esses direitos, cujo programa a Declaração Universal redigiu em 1948, são universais. Se encontrar alguém que não é beneficiado por eles, compadeça-se, ajude-o a conquistá-los.

Duas visões da História
Quando tento entender o que provocou o fascismo, o que fez com que nós franceses fôssemos invadidos por ele e por Vichy, digo a mim mesmo que as pessoas que tinham posses, em razão de seu egoísmo, sentiram um medo terrível da revolução bolchevique. Elas se deixaram guiar por seus temores. Mas, se hoje, como naquela época, uma minoria activa se levantar, isso será suficiente; teremos aí a levedura para que a massa cresça. Com certeza, a experiência de alguém muito idoso como eu, nascido em 1917, se diferencia da dos jovens de hoje. Muitas vezes peço a professores, do ensino fundamental, que me deem a possibilidade de intervir junto aos seus alunos, e lhes digo: Resistir, para nós, era não aceitar a ocupação alemã, não aceitar a derrota. Era relativamente simples. Simples como o que se seguiu, a descolonização. Em seguida, veio a guerra da Argélia. Era necessário que a Argélia se tornasse independente, isso era óbvio. Quanto a Stalin, todos aplaudimos a vitória do Exército Vermelho sobre os nazistas em 1943. Mas, já quando tivemos conhecimento dos grandes processos stalinistas de 1935, e mesmo se achássemos que era preciso manter o ouvido aberto às mensagens do comunismo, ao menos para contrabalançar a influência do capitalismo norte-americano, a necessidade de nos opormos a essa forma insuportável de totalitarismo se impôs como uma evidência».

In Stéphane Hessel, Indignai-vos!, tradução de Marly Peres, Mensanapress, Artesanato gráfico e editorial, 2011.

Cortesia de Mensanapress/JDACT