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Os Apetites e as Emoções.. Nos Ramos Médios
«(…) Não contente com as benesses da sobrevida, a natureza tratou
de nos proporcionar uma mais valia: o equipamento inato da regulação da vida não
está desenhado para produzir um estado neutro, a meio caminho entre a vida e a
morte. Pelo contrário, a finalidade do esforço homeostático é produzir um estado
de vida melhor do que neutro, produzir aquilo que nós, seres pensantes, identificamos
com o bem-estar. A colecção inteira de processos homeostáticos governa a vida, de
momento a momento, em cada célula dos nossos corpos. Esta governação é conseguida
por meio de um arranjo simples. Primeiro, opera-se uma mudança no ambiente de um
organismo, internamente ou externamente. Segundo, as mudanças podem alterar potencialmente
o curso da vida de um organismo, constituindo uma ameaça para a sua integridade
ou uma oportunidade para a sua melhoria. Terceiro, o organismo detecta a mudança
e responde de forma a criar uma situação mais benéfica para a sua auto-preservação.
Todas as reacções homeostáticas funcionam desta maneira e constituem, por isso mesmo,
meios de avaliar as circunstâncias
internas ou externas de um organismo, de modo a permitir uma actuação que corresponda
a essas circunstâncias. As reacções homeostáticas detectam dificuldades ou oportunidades
e resolvem, por meio de acções, o problema de eliminar as dificuldades ou aproveitar
as oportunidades. O que difere, a esse nível, é a complexidade da avaliação e da
resposta, maiores do que nas simples reacções a partir das quais as emoções-propriamente-ditas
foram construídas no curso da evolução biológica. Está bem de ver que a tentativa
contínua de conseguir um estado de vida equilibrado é um aspecto profundo e definidor
da nossa existência. É o que nos diz Espinosa, que vai mais longe e chama
a esta tentativa a primeira realidade da nossa existência, uma realidade que ele
descreve como o esforço implacável da auto-preservação presente em qualquer ser.
Espinosa designa esse esforço implacável com o termo conatus, a palavra latina que pode também traduzir-se como tendência,
no sentido em que aparece nas Proposições VI, VII e VII da Ética, Parte III. Nas palavras de Espinosa: cada coisa na medida
do seu poder, esforça-se por perseverar no seu ser e, o esforço através do
qual cada coisa tende a perseverar no seu ser nada mais é do que a essência dessa
coisa.
Interpretada à luz do conhecimento actual, a noção de Espinosa
implica que um organismo vivo está construído de forma a lutar, contra toda e qualquer
ameaça, pela manutenção da coerência das suas estruturas e funções. O conatus diz respeito não só ao ímpeto de
auto-preservação, mas também ao conjunto de actos de auto-preservação que mantêm
a integridade de um corpo. Apesar de todas as transformações por que um corpo vivo
passa, à medida que se desenvolve, substitui as suas partes constitutivas e envelhece,
o conatus encarrega-se de respeitar o
mesmo plano estrutural em todas essas operações e, deste modo, de manter o mesmo
indivíduo. Os sentimentos suportam o nível de regulação homeostática que se
segue ao das emoções-propriamente-ditas. Os sentimentos são a expressão mental de
todos os outros níveis da regulação homeostática. E o que é o conatus de Espinosa em termos biológicos
contemporâneos? O conatus é o agregado
de disposições presentes em circuitos cerebrais que, uma vez activados por certas
condições do ambiente interno ou externo, levam à procura da sobrevida e do bem-estar.
As variadas actividades do conatus
estão representadas no cérebro por sinais químicos e neurais. Os numerosos aspectos
do processo da vida são continuamente representados no cérebro em mapas constituídos
por células nervosas que se encontram em diversos locais do cérebro». In António Damásio, Ao Encontro de
Espinosa, As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Publicações Europa-América, Fórum da Ciência, 2003, ISBN: 972-1-05229-9.
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