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Estudo
hermenêutico e crítico
«Teixeira
de Pascoaes constitui um caso estranho na história cultural portuguesa. De
facto, a sua obra filosófico-literária, de que já foi dito que pertence, sem
dúvida, às obras sagradas pela categoria de magnitude, em tamanho e valia (O
poder de símbolo, João Maia 1980; ninguém se surpreenda se daqui a quatro ou
cinco séculos a obra extraordinária deste Eremita for soletrada, glosada,
interpretada, linha a linha, por mil comentadores e pesquisadores das suas
sibilinas riquezas, Santana Dionísio, 1953), tendo mesmo conhecido uma
projecção além-fronteiras excepcional para o seu tempo, tem tido entre nós, até
hoje, um estranho destino. Mal compreendida e de um golpe arrumada por alguns
contemporâneos, esquecida depois por grande parte da intelectualidade
portuguesa, a custo tem sobrevivido no apreço e dedicação de alguns raros
espíritos mais compreensivos do seu valor ou mais afins do que era o do seu
autor. Pensador e escritor profético, o Solitário de Gatão teve assim,
até ao presente, a sorte dos profetas. Não nos deteremos aqui na análise das
múltiplas razões explicativas deste estranho destino da sua obra ou da sua excomunhão
de Maior Número, no modo de dizer de António Quadros, ainda que pudéssemos
acrescentar, da nossa parte, alguns elementos novos às referências e
explicações já aduzidas a propósito (sobre a impopularidade de Pascoaes, José
Régio, 1963). À sorte dos profetas pertence também só serem entendidos na
distância temporal, quando as mudadas condições da história, e sobretudo, o
paroxismo dos seus desvios, vêm revelar que, no oculto da sua profecia e na
essência da sua mensagem, afinal, o profeta tinha razão. Talvez por esta via
Teixeira de Pascoaes comece agora a ser melhor compreendido na sua obra de
pensador. Quando, no horizonte da História, se anuncia o ocaso da modernidade e
se multiplicam as interrogações e os medos sobre o que há-de ser o terceiro
milénio da chamada era cristã, talvez, no que há de intemporal naquela obra,
possamos encontrar sugestões com valor de actualidade acerca de alguns dos
problemas que mais inquietam a humanidade em geral e o homem português em
particular. Há assim uma particular razão para que hoje, quando estão passando
cem anos sobre o início da sua escrita, em 1895, nos demos à leitura ou à
releitura da mesma obra, procurando compreendê-la a partir do contexto do tempo
da sua feitura e na perspectiva nova do actual rumo da História, quer dizer,
tentando (re)descobrir o que diz a este tempo o espírito da sua profecia.
Ela
aí está, pois, qual voz clamando no deserto do esquecimento – que o é, a um
tempo, da verdade que o PoetaPensador quis dizer e do seu próprio dizer essa
verdade –, por quem desse esquecimento a retire e a faça brilhar no esplendor
de uma luz sempre mais reveladora da porventura singela mas profunda verdade
que nela anda na meia-luz da sua expressão essencialmente poético-literária. O
lamento pelo esquecimento referido e o clamor pela sua superação vêm de longe,
encontrando-se já presentes numa discreta faceta da ironia do próprio Poeta.
Por parte daqueles que sobre ela se debruçaram um pouco mais seriamente, eles
têm-se vindo a repetir quase como um estribilho (já em 1952, José Régio
escrevia: certes, le faible rayonnement de l'oeuvre de Pascoaes est injuste.
D'un point de vue disons abstraitement critique, elle mériterait sans aucun doute d'être beaucoup plus connue
et aimée). Em relação ao que há aí de incidência particularmente lusa, é
verdade, por outro lado, que em tempo relativamente recente parece ter-se
começado a descobrir que, se há entre nós algo que possa justamente levar a
designação de filosofia portuguesa, a sua quinta essência e a sua fonte
primeira se encontram em alguns dos nossos melhores poetas e escritores, sendo
a partir deles que alguns dos nossos assumidos filósofos, poucos ainda, a têm
procurado trazer à luz e desenvolver pela via do discurso conceptual. Pascoaes
vem beneficiando dessa descoberta, pela qual se vem também descobrindo a sua
obra como um manancial e uma referência de primeira grandeza, dificilmente
ultrapassáveis (com bastante razão observou José Marinho que o tema e problema
fundamental da obra pascoaesiana, tema vincadamente português, a saudade ,aflora
como algo estranho ou minúsculo para o pensamento educado na lógica
aristotélico-tomista, ou em qualquer lógica averiguada e segura de si, algo
estranho e minúsculo desatendido por teólogos, filósofos, eruditos e críticos,
historiadores e políticos, ou apenas olhado com displicência e mal velado
sorriso). Seja nesta linha, seja na do carácter universal do pensamento
pascoaesiano, seja em aspectos de menor incidência no mesmo pensamento, sobre a
obra de Pascoaes, apesar de tudo, foi já produzido um número razoável de
reflexões, comentários e estudos. Sem menosprezo para outros trabalhos, parte
dos quais publicados ainda em vida do Autor, merecem especial destaque os
realizados por Abílio Martins, António Magalhães, […] Jacinto Prado Coelho,
Joaquim Carvalho, […] Dalila Pereira Costa, António Cândido Franco […]» In Jorge
Coutinho, O Pensamento de Teixeira de Pascoaes, Estudo hermenêutico e crítico, Dissertação
de Doutoramento em Filosofia, Braga, UC Portuguesa, 1994.
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