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Vivia-se o momento alto dessa aliança entre a plebe urbana de Lisboa e a elite do
Partido Republicano que tornou possível a revolução. Usando a definição de Fernando
Rosas, o bloco social e político do 5 de Outubro a esteio da Primeira República,
estava no seu auge. O Governo Provisório da República tinha consciência das expectativas
geradas no seio do operariado, por anos de propaganda anti-monárquica dirigida
aos sectores mais desfavorecidos da sociedade, com promessas de melhoria das
condições sociais. Foi a fase do bacalhau a pataco… Após o 5 de Outubro,
os republicanos defrontam-se com a questão social, levantada sobretudo pelas
inúmeras greves que eclodem. Logo a 24 de Outubro, declaram-se em greve os carroceiros
de Lisboa e Setúbal (a carroça era ainda o principal meio de transporte de mercadorias).
Segundo A Capital, os efeitos da greve
fazem-se sentir com o comércio e a construção civil paralisados. Ainda segundo
o mesmo jornal, estão 8000 carroceiros em greve. Poucos dias depois, mesmo nos
últimos dias de Outubro, os fragateiros tomam idêntica iniciativa. Em 5 de Novembro
são os ferroviários da linha da Póvoa. Outras greves surgem, como a dos eléctricos,
as dos corticeiros, a dos estampadores, a do calçado, serração, operários da União
Fabril, os marítimos e os gazomistas de Setúbal.
No dia
15, inicia-se uma greve na Carris. O Século,
ao alto da primeira página, sob o título Operários que se Agitam, Lisboa Sem
Carros Eléctricos, informa que os operários da fábrica geradora
abandonam o trabalho e todo o pessoal da Companhia se declara em greve. Ainda
na mesma notícia, é afirmado que em toda a cidade os eléctricos estacaram
por falta de corrente. Os chauffeurs
da Empresa de Automóveis de Aluguer de Lisboa (hoje taxistas) declaram-se em
greve, no dia 24 de Novembro, tendo os proprietários sido convocados ao Governo
Civil, para uma tentativa de mediação que não resultou. A 25 de Novembro são os
ferroviários do Minho e do Douro, depois os caixeiros e os cortadores. Cerca de
sessenta greves são declaradas entre o 5 de Outubro e o final do ano de 1910. Neste
ano de 1910, segundo um inquérito oficial, havia em Portugal 119 sindicatos em actividade,
com 23 237 membros. Lisboa tinha 33 sindicatos, com 7570 membros; o Porto 39
sindicatos, com 7645 membros, e o resto do País 47 sindicatos, com 8022
membros.
Tinha-se
chegado a esta situação depois de uma década de lento declínio. Sobretudo desde
1906, quando o Governo de João Franco atiçou a oposição republicana, que a maior
parte dos sindicatos tinha vindo a perder apoio, à medida que os trabalhadores se
deixavam absorver pela perspectiva próxima da revolução. Em 1910, dos 4 sindicatos
com mais de 100 membros (a Associação de Classe da Construção Civil do Porto, as
A. C. dos Marítimos e dos Soldadores de Setúbal e a A. C. dos Operários Têxteis
de Lisboa) só um tinha sede em Lisboa. Porém, a proclamação da República
transformou esta situação. Na Primavera de 1911 já existiam 356 sindicatos em Portugal,
a maioria dos quais haviam sido fundados ou reanimados depois de Outubro de 1910.
A sua distribuição geográfica também se alterara claramente. A área mais forte era
agora o Sul, isto é, os concelhos de Lisboa e Setúbal, o Alentejo e o Algarve, onde
o PRP (Partido Republicano Português) fora mais popular durante a Monarquia. O Porto
ficava com menos de metade dos sindicatos de Lisboa e os concelhos limítrofes com
muito menos do que Almada, o Barreiro e o Seixal ou até Setúbal por si só». In
Álvaro Arranja, Mataram Mariana, Dos Fuzilamentos de Setúbal à Ruptura
Operariado-República em 1911, Centro de Estudos Bocageanos, nº 14, Setúbal,
2011, ISBN 978-989-8361-05-9.
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CEB/JDACT