Cortesia
de wikipedia e jdact
Um
jornalista levado dos diabos
Prefácio
«Encontrei o
Palavras
Cínicas num sebo de Bragança Paulista, ao preço irrisório de 50
centavos. Engracei-me com o título, mas jamais poderia esperar o que encontrei
ao folhear aquele libreto de 96 páginas, já bastante esgarçado pelos anos: uma
alma inteiramente compatível com a minha, totalmente frustrada com a
Humanidade. Eu já havia lido alguns livros mórbidos, como As Flores do Mal,
de Baudelaire, Crime e Castigo, de Dostoiewsky, Uma Estadia no
Inferno, de Rimbaud, e ainda inúmeros contos de Poe, Óscar Wilde,
Maupassant, Apollinaire e outros tantos, porém nada que chegasse àquele nível
de crónico desencanto, àquele desespero existencial, àquela amargura em estar
vivo. Pesquisando na Internet, posteriormente descobri que o autor o escrevera
aos vinte anos! Como pôde chegar a semelhantes definições tão cedo? Sim, havia
lido bastante, e nos livros que lera percebera reflexos de sua própria
consciência já prematuramente destroçada. E de que outra forma compreendemos
nós as desilusões que nos acometem? Se não tivermos parâmetros externos,
acabaremos achando que desgraças são eventos maravilhosos como querem que
pensemos os interessados em nos desgraçar. Forjaz de Sampaio não é elegante com
as palavras, apesar da sua evidente cultura. Chega a ser enfadonho com suas
repetições. Mas não se pode negar a evidência das suas conclusões. A vida,
apesar de todas as melhorias que sofreu nos últimos cem anos, não deixou de ser
trabalhosa, negativa e cruelmente tediosa. Nervos á flor da pele, atentados,
rebeliões, moléstias, penúria, calamidades, injustiças sociais e outras tantas
misérias ainda dão o ar da graça, mesmo no início deste nosso terceiro milénio.
Quando deixaremos de nos matar em nome da ganância? Quando reconheceremos a nossa
igualdade, a nossa ínfima condição perante nós mesmos? O homem não aprende com os
seus erros. Ignora o passado, mesmo sabendo que o fazendo estará sempre
condenado a repeti-lo. Não existe Amor (ou antes, Caridade) apenas uma
instituição com esse nome, a qual usam para angariar fundos cujo real fim é
sempre um mistério. A Paz é algo negociado como carne, e carne é a moeda que
usam para negociá-la. Os pobres são um incómodo que costumam varrer para
debaixo do tapete às vezes literalmente. Todos estão interessados no seu
próximo, mas em como ele poderá tornar-se lucrativo, quando não um mero
estorvo. A ignorância é cultivada como um estado interessante para as massas
afinal, um povo idiota é facilmente manipulado. Políticos corruptos garantem a
solução dos problemas sociais durante o período eleitoral sumindo logo depois.
Quando reaparecem, é porque estão envolvidos em desvios de verba, super-facturamentos,
maracutaias e coisas do tipo. As igrejas hoje às centenas de milhares
continuam prometendo o céu sem demonstrar como seria possível que um tal playground post mortem realmente possa
existir. Não seria justo que criassem uma filial aqui na Terra, para que os
fiéis fossem já se acostumando com o paraíso? Mas nada disso é feito. Talentos
são ignorados o talento era apenas uma moeda de prata no tempo da dominação
romana, não é mesmo? Nada de granjear subjectividades, tem algum dinheiro com
você? Só o dinheiro é adorável por aqui! E assim todo o potencial de uma pessoa
é reduzido ao que ela pode obter comprando. Tenho uma indagação que define
muito bem esse estado de coisas: Se não posso viver como quero, como posso
querer viver? Bem, é necessário que eu diga que não pretendo ser podre de rico,
não tenho ambições mirabolantes. Refiro-me a um estilo de vida tranquilo, de
acordo com uma relativa sobriedade é claro que ambiciono algum luxo, o mínimo
dentro de minhas parcas pretensões mas, enfim, uma existência sem notícias
desastrosas que não me digam respeito como o impacto da alta do petróleo no
preço do pão, ou a crise do dólar e a sua nefasta influência na economia do
país que infelizmente habito. Será que tudo é motivo para arrancarem o nosso
couro? Será que algum dia o povo aprenderá a dizer CHEGA? Espero que ainda
nessa minha encarnação. Mas voltando ao Forjaz Sampaio, pode-se dizer que ele
nasceu à frente do seu tempo. Mas seria uma palhaçada, pois ninguém é capaz
disso. Ele apenas não foi hipócrita, viveu o submundo lisboeta de uma forma
intensa e não poupou a sociedade do seu tempo de sua crítica furiosa. É claro,
li apenas o Palavras Cínicas,
não tive em mãos nenhum outro material seu [eu tenho] ou
a seu respeito (o que, com excepção de alguns textos biográficos pouco explanatórios
em determinados sítios) mas, partindo
dele, posso bem imaginar o resto. O seu estilo, aos vinte anos, lembra o de um
poeta nosso, Álvares Azevedo, o malfadado garoto prodígio da Lira dos Vinte
Anos. O seu spleen é superior ao
de Baudelaire, o seu amargor ainda maior que o de Augusto Anjos. A sua prosa é
tão corrosiva quanto a de Lautréamont. Um sujeito que, aos vinte anos de idade,
diz: ser morto! Ser morto! e arremata: ventura estranha. deve
estar no mínimo certo de seus sentimentos. Eis, portanto, o escritor-jornalista
maldito, livre de belas roupagens, inteiramente nu, como apreciaria William
Burroughs. Sem meias palavras. Sem meias verdades. Cínico, de um cinismo mais
do que sincero um cinismo originalíssimo, um cinismo inquestionável. Como digerir
este simples parágrafo? O que és tu? Um egoísta. Egoísta nos sentimentos e
na torpeza, na fuga e na vaidade. Tudo tu fazes por egoísmo. Se tu tivesses
tanta fome como tua mãe e só tivesse uma côdea a disputar, tu espancarias a
pobre velha para lha roubares. Vamos ao caso que lha davas? Que preferias
morrer de fome? Se o tinhas feito é porque isso te satisfazia, te enchia a
vaidade de morreres por alguém tu que és o maior egoísta que o sol cobre. Como
escapar a tal lógica? Senhoras e senhores, arregacem as mangas para não sujá-las».
In
Fred Teixeira, Extrema, 26 de Outubro
de 2006.
In
Albino Forjaz Sampaio, Palavras Cínicas, 1905, prefácio de Fred Teixeira,
Wikipédia, 2011, Editora Guerra e Paz, ISBN 978-989-702-000-1.
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