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Eu. Monólogo
de uma Sombra
«Sou
uma Sombra! Venho de outras eras,
do
cosmopolitismo das moneras...
Pólipo
de recônditas reentrâncias,
larva
de caos telúrico, procedo
da
escuridão do cósmico segredo,
da
substância de todas as substâncias!
A
simbiose das coisas me equilibra.
em
minha ignota mónada, ampla, vibra
a
alma dos movimentos rotatórios...
E é
de mim que decorrem, simultâneas,
a
saúde das forças subterrâneas
e a
morbidez dos seres ilusórios!
Pairando
acima dos mundanos tectos,
não
conheço o acidente da Senectus
Esta
universitária sanguessuga
que
produz, sem dispêndio algum de vírus,
o
amarelecimento do papirus
e a
miséria anatómica da ruga!
Na
existência social, possuo uma arma
o
metafisicismo de Abidarma,
e
trago, sem bramânicas tesouras,
como
um dorso de azémola passiva,
a
solidariedade subjectiva
de
todas as espécies sofredoras.
Como
um pouco de saliva quotidiana
mostro
meu nojo à Natureza Humana.
A
podridão me serve de Evangelho...
Amo
o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
e o
animal inferior que urra nos bosques
é
com certeza meu irmão mais velho!
Tal
qual quem para o próprio túmulo olha,
amarguradamente
se me antolha,
à
luz do americano plenilúnio,
na
alma crepuscular de minha raça
como
uma vocação para a Desgraça
e um
tropismo ancestral para o Infortúnio.
Aí
vem sujo, a coçar chagas plebeias,
trazendo
no deserto das ideias
o
desespero endémico do inferno,
com
a cara hirta, tatuada de fuligens
esse
mineiro doido das origens,
que
se chama o Filósofo Moderno!
Quis
compreender, quebrando estéreis normas,
a
vida fenoménica das Formas,
que,
iguais a fogos passageiros, luzem.
E
apenas encontrou na ideia gasta,
o
horror dessa mecânica nefasta,
A
que todas as coisas se reduzem!
E
hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,
sobre
a esteira sarcófaga das pestes
a
mostrar, já nos últimos momentos,
como
quem se submete a uma charqueada,
ao
clarão tropical da luz danada,
o
espólio dos seus dedos peçonhentos.
[…]
In
Augusto dos Anjos, Poesias, Eu e Outras Poesias, 1912, Poeteiro Editor Digital,
Iba Mendes, Projecto Livro Livre, nº 167, 2014.
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