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de wikipedia e jdact
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No modesto apartamento de Ruth Werner, a tenente coronel honorária do Exército
Vermelho Soviético e uma das maiores escritoras alemãs, obtive cópias de
depoimentos que ela tomara no fim dos anos 50 de sobreviventes de Neukõlln,
Barnimstrasse, Lichtenburg e Rávensbruck (muitos dos quais já faleceram) e não
utilizara integralmente no seu livro Olga Benario. O meu trabalho em
Berlim Oriental teria sido infinitamente mais difícil sem a ajuda do jovem
ítalo-germano-brasileiro Dario Canale (que eu havia entrevistado em 1967 no Brasil,
quando ele esteve preso nas prisões da Polícia Federal sob a acusação de subversão).
Dario ajudou-me na busca e selecção de material sobre Olga e Otto Braun,
levou-me a conhecer a prisão de Moabit em Berlim Ocidental, e acabou por
obrigar a sua sogra Elfriede Bruning, a convidar as suas amigas, militantes
comunistas desde o começo do século, para jantares em sua casa, onde eu as
esperava de gravador na mão. Além dos documentos obtidos, as entrevistas feitas
por mim na República Democrática Alemã com pessoas que conviveram com Olga sob
o nazismo foram valiosíssimas para a reconstituição da sua passagem pelo
Brasil.
Durante
os anos que passou em Barnimstrasse, Lichtenburg e Ravensbruck, ela contou com
pormenores às companheiras de prisão a sua experiência brasileira: a paixão por
Prestes, o deslumbramento com o Brasil, a expectativa seguida da frustração com
a revolta fracassada, a emoção que lhe provocara a solidariedade dos
companheiros no presídio da rua Frei Caneca, no Rio de Janeiro. Como a sua
passagem pelo Brasil se tornara, para mim, a parte mais obscura da investigação,
pressionei os amigos de Olga em Berlim até à irritação com perguntas sobre cada
momento dos seus 17 meses no Rio de Janeiro, e em alguns casos obtive
depoimentos torrenciais. De Berlim parti para Milão, onde investiguei, em tempo
integral, no Archivio Storico del Movimento Operaio Brasiliano (mantido
pela Fundação Giangiacomo Feltrinelli e guardado pelas unhas e os dentes de
José Luís del Roio), onde está depositada boa parte da memória operária e
comunista brasileira. As entrevistas e investigações feitas na Europa e no
Brasil remetiam-me a outros endereços: o Nationat Archives e os arquivos do
Departamento de Estado, em Washington, e o primeiro recesso parlamentar
disponível foi dedicado às pesquisas nos Estados Unidos. Com a ajuda de Ralph
Waddey, funcionário anglo-baiano do Departamento de Estado, e abusando da
infindável paciência de Richard Gould director do Departamento Legislativo e
Diplomático do National Archives, fiz um fascinante mergulho na papelada que me
custou a modesta quantia de 50 centavos de dólar cada cópia xerográfica: além
de incontáveis documentos secretos referentes à vida das minhas personagens,
havia material abundante sobre a repressão à revolta comunista de 1935 no
Brasil. Ironicamente eu iria encontrar, no coração de Washington, relatos copiosos
sobre as torturas infligidas pela polícia brasileira ao dirigente comunista
alemão Arthur Ewert, pistas indiscutíveis sobre a acção de espiões na direcção
comunista e detalhes sobre o desmantelamento da revolta de 1935, tudo isto
escrito por um agente do governo norte-americano. Para meu espanto, pude ver
depositados em Washington (e disponíveis a 50 cents) documentos internos do PC
brasileiro desconhecidos aqui e que tinham sido misteriosamente transferidos
para os Estados Unidos.
De
volta ao Brasil, retomei as entrevistas, revi datas e dados com Luís Carlos
Prestes e com outros entrevistados e continuei à procura de sobreviventes de
1935 que pudessem dar depoimentos ou, pelo menos ajudar-me a conferir as
informações de que dispunha. Foi nessa época que me lembrei de uma frase de um
antigo chefe de reportagem, que costumava dizer que ao repórter, como ao avançado,
não basta trabalhar direito, é preciso ter sorte. Eu tive, e muita. Foram
meros golpes de sorte, por exemplo, que me levaram a duas personagens desta
história, Tuba Schor e Celestino Paraventi. Ela eu descobri casualmente: o seu
filho Nelson foi o médico que realizou o parto de minha ex-mulher, quando
nasceu Rita, minha filha, e ao saber que eu escrevia sobre a vida de Olga,
colocou-me em contacto com a mãe. Quanto a Paraventi, foi ele quem me
descobriu: ao assistir a uma entrevista que eu dera ao repórter Ney Gonçalves
Dias, na TV Manchete, sobre o livro em curso, ele procurou o seu sobrinho José
Gregori, meu colega de bancada na Assembleia Legislativa, para me oferecer o seu
delicioso depoimento sobre a passagem de Olga por São Paulo». In
Fernando Morais, Olga, 1985, Editora Ómega, 1993/1994, Companhia das Letras,
1985/1999, epub, 2014, ISBN 978-857-164-250-8.
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