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«(…) Seja este qual for, na placa
do lado direito, destaca-se um português montando a cavalo, que parece o mesmo
que está sentado à mesa, tendo a montada ajaezamento de luxo e pompa, como as
que eram usadas quando o vice-rei saía à rua, em Goa, por exemplo, sendo
seguido por militares, um com um mosquete e outro com uma rodela e uma
lança. Pode ser a representação da entrada triunfal de João de Castro em Goa, e
lembram a iconografia da série de tapeçarias alusivas aos seus triunfos, embora
não possa aqui haver mais do que uma mesma fonte documental ou oral. Anota a
documentação régia portuguesa que, entre 1550 e 1552, existia na colecção da
rainha dona Catarina um cofre de marfim todo lavrado com figuras em redor, com
a fechadura e chave de ouro, guarnição de prata, que lhe tinha sido enviado por
João de Castro; poderia muito bem ser este. Conhecendo-se a personalidades de
João de Castro, e também que averiguadamente morreu pobre, era mais do que
natural que fizesse seguir para Lisboa, para João III ou para a sua soberana,
aquilo que de mais valioso recebia, no desempenho das suas funções de vice-rei,
isto é, de representação do rei ao mais alto nível. Entenderia estas dádivas
como ofertas de Estado, e não como presentes pessoais.
Mas as dádivas ao vice-rei João de
Castro que estão documentadas nos nossos arquivos não ficaram por aqui.
Anotámos também dois grandes anéis de olho-de-gato. Estes anéis tinham olhos-de-gato
engastados, e foram avaliados em Goa, em 560 pardaus, pelos lapidários
Francisco Pereira e André Marques. Já em 1542 o rei de Kotte lhe havia mandado
um outro anel grande, também de olho-de-gato, e mais quatro. Em Novembro
do ano seguinte aumentou as dádivas, agora com uma manilha de ouro e pedraria.
Ao filho, Álvaro de Castro, ofereceu, em 1545, uma arelhana de ouro com três olhos-de-gato.
No ano em que morreu, ainda o monarca de Bisnaga lhe deu um valioso anel de
ouro com um enorme rubi roxo, o que era raro, que valia 500 pardaus.
Para a quinta da Penha Verde João
de Castro levou certamente muito do que trouxe das suas primeiras viagens, e
não trouxe muito mais, nomeadamente o que estava no seu palácio em Goa, pois
morreu lá, se bem que esses bens pertencessem aos seus herdeiros. ...Prover
de todo o mobiliário e necessidades..., o Palácio da Fortaleza, segundo o
holandês Jan Huyghen van Linschoten, era a mais premente tarefa dos novos vice-reis,
já que, quando da saída do antecessor, tudo era levado, ficando a parecer ...uma
casa destruída e roubada... Quando o novo titular chegava a Bardês,
instalava-se no Colégio dos Reis Magos, onde esperava a saída daquele que ia
substituir, enquanto os seus servidores compravam o que era necessário para o
palácio, pois era do seu salário que deveria prover a manutenção e equipamento.
Assim, dos leitos às cadeiras, passando pelos mais comuns instrumentos de
cozinha e pelos tecidos, tudo era comprado com dinheiro do vice-rei, que se
tornava assim seu proprietário legítimo, pelo que, no regresso, naturalmente
embarcava tudo para Lisboa. João de Castro, surpreendido pela morte, ainda em
funções, não o fez.
As coisas mais comuns, de uso
quotidiano e sem valor significativo, deviam ser vendidas ou oferecidas a
servidores e instituições, já que o espaço nas naus da Carreira da Índia
era precioso, para as caixas de liberdades e para os fardos com bens de
alto preço, pelo que só devia ser embarcado o que efectivamente valesse a pena;
veremos a documentação que confirma esta ideia. João de Castro levou para a sua
quinta da Penha Verde estelas indianas, conservando-se ainda duas in situ,
ao cimo das escadas que conduzem ao espaço onde mandou fazer a capela de planta
circular da invocação de Nossa Senhora do Monte, onde desejava ser sepultado.
Foi Diogo Couto quem pela primeira vez escreveu sobre inscrições trazidas para
o Reino, e criou-se até a lenda de que uma teria pertencido ao famoso templo da
Ilha de Elefanta e que tinha sido oferecida a João III por Nuno Cunha. Sabe-se
hoje que assim não é, e o mais provável é que estes dois monumentos epigráficos
tenham sido trazidos pelo próprio João de Castro, após a sua primeira ida à
Índia, ou então tenham sido despachadas para o Reino, conjuntamente com o resto
dos seus bens móveis que foram arrolados após a sua morte prematura. Nos textos
do vice-rei há referências a lápides escritas em línguas orientais, e é natural
que estando a Epigrafia Clássica então em voga em Portugal, sobretudo no círculo
da Corte, tivesse querido ficar com exemplares asiáticos que certamente
reputava contemporâneos daqueles romanos, que os seus amigos recolhiam nos
arredores de Évora.
Mas João de Castro foi também um
amante da arte europeia. Possuiu uma belíssima escultura de Nossa Senhora com o
Menino, que lhe terá sido oferecida por Carlos V, quando da conquista de Tunes,
obra seguramente florentina, mas cujo autos não conseguimos identificar. Também
italiano é o relevo que está no altar da sua capelinha de Nossa Senhora do
Monte, na quinta da Penha Verde, obra que ele mesmo deve ter traçado, ele que
conhecia Vitrúvio e seguramente os outros tratados renascentistas que então já
corriam na Península Ibérica em vulgar ou em Latim, e que é já mais
evolucionada, num pré-maneirismo, e que pode ser de uma boa oficina de Nápoles
ou mesmo de Roma». In Pedro Dias, Uma Tapeçaria
Inédita da Série dos feitos de D. João de Castro, A importação de esculturas de Itália nos séculos XV e XVI,
Coimbra, 1987.
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