sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Entre a Ficção e a História. A Última Quimera. Rosana A. Harmuch. «… o estudo da literatura sempre implicou um estudo da história, já que sempre concebi a obra de arte literária, como de resto qualquer obra de arte, como o fruto de um processo histórico, de um estado em que a sociedade»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«A tendência de criar obras em que a ficção e a história se mesclam é perceptível nas produções literárias contemporâneas brasileiras bem como nas de outros países. Dentro desse interesse pelo passado, uma particularidade vem-se firmando: a de ficcionalizar personalidades da historia da literatura. Este trabalho tem por objectivo analisar A última quimera, obra cuja autora, Ana Miranda, ficcionaliza o poeta Augusto dos Anjos. Para tanto, primeiramente fez-se necessária uma reflexão sobre as semelhanças e diferenças entre os discursos histórico e ficcional. Na tentativa de compreender melhor o texto da autora, o passo seguinte foi o de repensar os conceitos de romance e de romance histórico, principalmente por ser bastante visível o parentesco entre as produções ficcionais de carácter histórico na actualidade e o romance histórico do século XIX. Apesar das similaridades com o romance mais tradicional, obras como A última quimera apresentam inovações no modo de narrar que as aproximam do pós-moderno, por isso receberam por parte de alguns teóricos novas denominações, de modo que tentei compará-la com o que foi proposto como traço distintivo por dois teóricos em especial. Na segunda parte do trabalho, passei ao estudo propriamente dito do texto, buscando compreender como a personagem Augusto dos Anjos havia sido construída. A forma de um mamífero vetusto, modo como o próprio Augusto se caracterizou, e como a crítica literária acabou de certa forma oficializando, não foi contestado na narrativa. Em Os fantasmas hamléticos dispersos estão os três poetas cujas trajectórias se entrecruzam: Augusto, Olavo Bilac e o narrador. A seguir, em A sereia falaciosa, há a análise do discurso histórico presente na obra e, na sequência, o universo feminino do princípio do século delineado pela autora. Percebendo a obra como um leão feito de carneiros assimilados, ou seja, como um discurso composto de vários outros, analisei o modo como esses foram colaborando para a manutenção da visão estereotipada de Augusto dos .Anjos e ao mesmo tempo foram subtilmente nos colocando diante do questionamento da instauração do cânone literário».

Colocando os pés no chão
«Escrever este texto significou, antes de mais nada, enfrentar um desafio pessoal. A paixão pela Literatura, talvez fosse melhor dizer, pela leitura, nasceu cedo, mas sem nenhuma orientação ou reflexão sobre o verdadeiro significado daquele emaranhado de títulos, autores, personagens, mundos construídos era uma forma, talvez, de escapar da realidade que me circundava e que não me satisfazia, ao contrário, me desagradava e muito. Quem sabe? Na introdução de um trabalho que especula sobre as relações entre a literatura e a história seria demais tentar especular sobre a minha própria história. As poucas respostas e as muitas perguntas que esta pesquisa me trouxe são o bastante, já que a totalidade do sentido é inalcançável. Para mim, o estudo da literatura sempre implicou um estudo da história, já que sempre concebi a obra de arte literária, como de resto qualquer obra de arte, como o fruto de um processo histórico, de um estado em que a sociedade que a produziu se encontrava naquele determinado momento. Essa crença tornava o trabalho ainda mais interessante, pois levava necessariamente a reflexões sobre a sociedade na qual me inseria, uma espécie de possibilidade de compreender melhor o passado, buscar nele as causas, os processos que nos permitiram chegar onde estamos. Embora isso me fosse claro, havia inúmeras outras dúvidas a tentar resolver. Acreditava, poder resolver as minhas inquietações a respeito da literatura. Claro está que as minhas ilusões de totalidade, de encontrar todas as respostas não passavam disso, ilusão. Muitas dúvidas foram sanadas, muitas não e inúmeras outras foram surgindo ao longo do caminho, de modo que este trabalho representa apenas o estágio em que estão as minhas reflexões sobre esse salutar jogo que é a literatura, permitindo-me plagiar Barthes. Quanto à questão da retomada do passado, que sempre me interessou, embora de uma forma bastante simplista, seria pedir demais que eu não me sentisse absolutamente fascinada ao perceber o quanto a relação entre a literatura e a história vem-se tornando um dos pontos de maior interesse entre os teóricos, e se há esse interesse é porque as produções artísticas têm-se voltado para ela. Exemplo disso é a farta produção de romances ditos históricos na contemporaneidade. Essa associação explícita entre a ficção e a história parece ter nascido da consciência de que ambas são discursos que servem para tentar dar sentido ao passado, o que me parece ser, em última instância, a função de qualquer construção humana, encontrar um sentido». In Rosana Apolonia Harmuch, A ùltima Quimera, entre a Ficção e a História, Dissertação de Mestrado apresentada na área de Literatura Brasileira, do Sector de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1997.

Cortesia de UFParaná/JDACT