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de wikipedia
«Sendo
o ministro um homem muito corpulento, propenso à apoplexia, tinham medo de
despertar nele qualquer emoção perigosa, e foi com todas as preocupações que
lhe informaram a descoberta de um atentado contra a sua vida. Quando viram que
ele recebia a notícia com calma, até mesmo com um sorriso, deram-lhe também os
detalhes. O atentado teria lugar no dia seguinte, à hora em que ele sairia com
o relatório oficial: alguns terroristas, cujos planos tinham sido denunciados
por um traidor, pretendiam encontrar-se à uma hora da tarde defronte à
residência do ministro e, armados de bombas e revólveres, esperariam que ele
saísse. Eles encontravam-se sob cerrada vigilância e seriam apanhados quando
chegassem ao local do atentado. Espere!, pediu o ministro, intrigado. Como é
que eles sabem que eu pretendo sair de casa à uma hora da tarde com o
relatório, se eu próprio só soube disso anteontem? O capitão da Guarda, porém,
deu de ombros: exactamente à uma hora, Excelência, limitou-se a declarar. Meio
surpreso, meio satisfeito com a habilidade da polícia, o ministro sacudiu a
cabeça, um sorriso taciturno nos lábios grossos e escuros. Sem querer
interferir nos planos da polícia, ele aprontou-se às pressas, ainda sorrindo, e
foi passar a noite no palácio de um amigo hospitaleiro. A esposa e os dois
filhos também foram removidos da perigosa residência, que no dia seguinte seria
local da reunião dos terroristas. Enquanto as luzes estavam acesas na nova
residência e rostos familiares e amáveis o cercavam sorrindo e exprimindo a sua
preocupação, o ministro experimentou uma excitação agradável. Era como se
tivesse recebido, ou estivesse prestes a receber, uma grande e inesperada
honraria. Mas as pessoas foram embora, as luzes apagaram-se, e o reflexo
rendilhado e fantástico das lâmpadas eléctricas dos postes da rua nos espelhos
do quarto projectava-se nas paredes e no tecto. Ele era um estranho naquela
casa com os seus quadros, as suas estátuas e o seu silêncio, e aquela luz, ela
própria silente e indefinida, despertava-lhe a dolorosa consciência da
inutilidade de trancas, paredes e guardas de vigia. E assim, no meio da noite,
no silêncio e na solidão de um quarto de dormir desconhecido, uma insuportável
sensação de medo tomou conta do grande dignitário. Ele sofria dos rins e,
sempre que se via tomado de alguma emoção mais forte, inchavam-lhe o rosto, as
mãos e os pés. Agora, como uma montanha de carne intumescida sobre as molas
tensas do leito, ele tacteou o rosto inchado, com a angústia de um doente, sentindo-o
como se pertencesse a outra pessoa. Pensava incessantemente no que o destino
cruel lhe havia reservado. Relembrou, um a um, os horríveis casos recentes de
bombas lançadas contra pessoas de importância ainda maior que a sua: corpos
despedaçados, miolos espalhados por paredes sujas, dentes arrancados pela raiz.
Sob o efeito dessas lembranças, parecia-lhe que o próprio corpo, pesado e
doente, estendido sobre a cama, estava já experimentando o choque violento da
explosão. Parecia-lhe sentir os braços deceptados do corpo, os dentes
arrancados, os miolos em frangalhos, e seus pés ficavam cada vez mais
dormentes, imóveis, dedos para cima, como os de um morto. Mexeu-se com esforço,
respirou alto e tossiu, para afastar a impressão de ser um cadáver.
Encorajou-se com o ruído vivo das molas do colchão, o sussurro das cobertas; e,
para assegurar-se de que estava realmente vivo, falou, em tom baixo e profundo,
de modo forte e abrupto, na silenciosa solidão do quarto: boa gente! Boa gente!
Estava elogiando os policiais, os guardas, os soldados, todos aqueles que
velavam por sua vida, e que de forma tão hábil e oportuna haviam evitado o
assassinato. Mas nem os movimentos que fazia, nem os elogios aos seus protectores,
nem mesmo uma força do sorriso de desprezo pelos terroristas, tolos
fracassados, podiam fazer com que ele acreditasse na própria segurança, na
certeza de que a vida não o deixaria de repente. A morte, que tinham planeado
para ele e que já existia na mente e na intenção de outros, parecia-lhe estar
ali presente no quarto. E ali permaneceria; a morte só iria embora depois que
aquelas pessoas tivessem sido capturadas, desarmadas e presas em local seguro.
Ali estava a morte; postava-se a um canto e não queria ir embora, não podia ir embora,
como uma sentinela obediente colocada de vigia por vontade e ordem superior. À
uma hora, Excelência! A frase não parava de soar, mudando continuamente de
tom: ora alegre e zombeteira, ora zangada, ora obtusa e obstinada. Soava como
se uma centena de gramofones tivessem sido colocados no aposento, e todos eles,
um após outro, repetissem aos gritos, idiotamente, as palavras que lhes cabiam
gritar: à uma hora, Excelência!» In Leonid Andreiev, Os Sete Enforcados,
Editora Rocco, colecção Novelas Imortais, 2011, ISBN 978-858-122-026-0 e/ou
ISBN 978-857-980-069-6.
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