quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O Tratado de Zamora. João Paulo O. Costa. «… ao afirmar-se como ‘rei de reis’, mascarava o fracasso da sua incapacidade para submeter o filho do conde de Portugal. Afonso Henriques»

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4 / 5 de Outubro de 1143
«Quinze anos volvidos sobre a tomada do poder e cinco anos após a vitória de Ourique, Afonso Henriques viu consagrada a sua vontade de obter a independência. Como sempre na História, um acontecimento desta importância resulta da conjugação de vários factores, e este episódio não fugiu à regra. Com efeito, neste ano de 1143 a vontade férrea do príncipe e dos seus barões pôde tirar proveito de uma conjuntura político-militar particularmente favorável à escala peninsular. E assim seria várias vezes no futuro, a História de Portugal justificou-se quase sempre numa relação tensa entre as dinâmicas internas e os condicionalismos da política global hispânica. Em 1143, por um lado, o islão hispânico estava fragilizado pela derrocada almorávida, a que se seguira a fragmentação política do Al-Andaluz em vários reinos rivais, perdidos nas suas lutas internas e fragilizados, pelo que crescia a cobiça dos príncipes cristãos pelas terras meridionais. No verão desse ano, Afonso VII percorrera o território dos mouros e chegara à Andaluzia, mas percebia que a grande frente de guerra peninsular tinha de ser partilhada. Por outro lado, como tomara o título de imperador em 1135, Afonso VII via na realeza do primo um reforço do simbolismo do seu título imperial; ao afirmar-se como rei de reis, mascarava o fracasso da sua incapacidade para submeter o filho do conde de Portugal. Afonso Henriques, por sua vez, além de desejar o reconhecimento político, também necessitava da paz com Castela e Leão para poder realizar novas campanhas contra os mouros, e o entendimento acabou por surgir, tendo-se os dois primos encontrado em Zamora, no início de Outubro de 1143. Também Roma desejava a concórdia entre os príncipes cristãos e incentivava a cruzada peninsular. Foi precisamente um legado papal, o cardeal Guido Vico, quem arbitrou o encontro entre Afonso VII e Afonso Henriques na cidade duriense. São pouquíssimas as informações sobre a conferência, mas a chancelaria leonesa passou a referir Afonso Henriques como rei logo de seguida. O reino de Portugal passava a existir formalmente desde então. Este facto marcou o início da história secular de Portugal como entidade política independente, mas naquele tempo tanto Afonso VII como a cúria romana parece terem duvidado do sucesso da sobrevivência da monarquia lusa, e a corte leonesa terá mesmo entendido que os acordos de Zamora não a impediam de planear a conquista dos territórios a sul do Tejo até à costa atlântica. Também Roma não reconheceu de imediato a realeza de Afonso Henriques. O rei fundador estava ciente da desconfiança que ainda suscitava, mas porfiou e empenhou-se em obter o reconhecimento de toda a cristandade. Por isso, dois meses depois, a 13 de Dezembro, escreveu ao papa prestando-lhe vassalagem e manifestando o desejo de não ter nenhum poder acima de si, senão o sumo pontífice. Em 1143, Portugal viu o título do seu rex ser reconhecido pelo seu anterior suserano e a fronteira oriental pacificou-se nos anos seguintes, mas aos olhos das gentes daquele tempo a independência portuguesa parecia ser apenas um episódio votado a uma curta duração ou a uma existência num território exíguo. O tempo encarregou-se de dar outra dimensão ao dia 1 da monarquia portuguesa». In João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT