Ora viva!
«(…) O autor tem ainda duas iguanas-rinoceronte. Nome científico: Cyclura cornuta. Ordem: Squamata (subordem Sauria).
Família: Iguanidae. Estas
encontram-se no Haiti e na República Dominicana, confronte-se a nota nas
páginas finais, em terrenos áridos, rochosos e com vegetação espinhosa (por
isso dão-se bem com escritas e escritores). Têm cabeça grande, corpo compacto,
pernas fortes e cauda longa achatada lateralmente. Possuem uma crista na linha
médio-dorsal, desde o pescoço à extremidade da cauda. A pele é cinzenta, verde-
azeitona ou castanha. Os machos apresentam três tubérculos (escamas
transformadas) na extremidade do focinho, que se assemelham a pequenos cornos,
coisa que entre animais é designação comum e que existindo tranquilizam os seus
possuidores, defendendo-os, oposto do que se passa na complicada raça humana em
que corno é sinónimo de inquietação. Podem atingir um comprimento de 120 cm.
São principalmente diurnas, não chateiam, e alimentam-se essencialmente de
matéria vegetal, mas também podem ingerir vermes e roedores, alguns editores,
vá lá saber-se porquê, não se aproximam delas... São ovíparas, com posturas de
10-24 ovos que enterram no solo e deixam a incubar durante 15-17 semanas. Esta
espécie está a ser substituída na sua área de distribuição pela iguana verde.
Mas o autor fez as suas escolhas. Ele é que manda.
São animais diferentes, estes dois. Um deles, tão teimoso como afectuoso,
come, uma vez por outra, o Original, que é, sabidamente, o filho amado
do autor, deixando-o fora de si. Os narradores são os outros, aqueles
que, pelo menos a partir do segundo capítulo, pela contagem tradicional, se
assenhoram de tudo, se atiram à narrativa e tomam o trono do EU. Já reparaste neles? Estão ali e
nem deixam o autor falar. O pássaro tornou a passar. Nem olhou para nós.
A Yourcenar atirou-lhe com umas migalhas de pão, que ele recusou,
altivo. Ah, repara...A Yourcenar vai-se embora. Já não precisas de aprender
a falar francês. Sorte? Os narradores
estão prestes a tomar a palavra. Parecem, vistos daqui obviamente, pessoas em
quem se pode confiar. Não te ponhas com esse ar esfíngico, que podes vir a arrepender-te.
Se a história não te afectar, se são esses os teus planos sentimentais,
abandona já o teu posto e deita fora o livro, para sítio público onde
alguém o encontre e faça dele utilidade. Os narradores olham-se de
esguelha. A História não devia ser assim, parecem ambos pensar. E como um puzzle, um jogo..., que descrédito.
O pássaro foi-se embora, na direcção oposta em que seguiu Yourcenar...
Estigma muito forte, reivindica o autor. E, refeito o seu ego, afasta-se
prometendo voltar aqui mesmo sempre que lhe apetecer. Enfim, como verás, nada
do que estiveste a ler interessa daqui para a frente…
O Taxista antes da História do Taxista
Às vezes, é raro mas acontece, um tipo fica assim. Nada o surpreende,
poucas ou nenhumas coisas o emocionam, o rabo pelado insensível, a admiração
feita em fanicos. Vagamente, passou-me pela cabeça: o gajo é mais um alucinado
e o fatinho que veste já viu melhores dias. Até tem bom aspecto mas nunca
fiando. Quando mostrou a carteira cheia sossegou-me. É um hábito, não é que precise,
tenho mais na Suíça do que peixes há no mar ou ela por ela... Ando com o táxi
porque me faz um bem enorme aos nervos. Lixa-me
um bocado a coluna, que importa? É relaxante. Nos dias mais nervosos
abro a janela. Não há ainda nada na Constituição que proíba um homem de
praguejar. O tipo não enganava: era mesmo um intelectual, dos piores, daqueles
que têm a mania das escritas e tudo. No fundo era boa pessoa. No fundo é boa
pessoa. Um excelente companheiro para grandes viagens, ainda por cima. Quando
falou em Sahara deu-me que Pensar... - Para
onde? - Leve-me ao deserto, Sahara, Marrocos!» In Alexandre Honrado, A Montanha
Russa de Deus, Editorial Bizâncio, 2001, ISBN 972-53-0114-5.
Cortesia de E. Bizâncio/JDACT