Violência
A
escolha de Alba
«(…)
Para tomar esta decisão, o rei teve de afastar os motivos nada desprezíveis que
até aí o tinham feito pender para o contrário. Nem a falta de respeito pela sua
autoridade, expressa quando aquele primeiro soldado do império combinara o
casamento do filho de costas viradas para a Coroa, nem a necessidade de neutralizar
os excessos entre as facções ebolista e albista (ou o que delas restara)
se apresentavam como elementos menores que pudessem elidir-se, nem mesmo
perante um assunto de tanta importância como a sucessão portuguesa. A robustez
da autoridade régia fora construída em Castela, e até certo ponto exportada de
seguida para a Monarquia, com demasiado esforço para que se pudesse pô-la em
risco numa só conjuntura, por muito transcendente que fosse. Se Fernando acrescentasse novos louros às
suas vitórias, como era previsível, ninguém estaria em posição de travar o
ressurgir da facção albista ou, no mínimo, do clã dos Toledo. Uma
mensagem semelhante a esta era a que Filipe II desejava transmitir aos seus conselheiros
quando, ao longo de nove meses, se negou a nomear Alba como general da conquista
portuguesa, o que dá a entender que, consequentemente, esperava propostas
alternativas, confiante de que os seus ministros dificilmente poderiam defender
a idoneidade de um septuagenário com a
armadura salpicada de sangue flamengo. No entanto, foi isso que
aconteceu. Tudo indica que, ainda que o
Prudente e o seu governo tenham revelado à partida pouca sintonia quanto à
nomeação de Alba (Filipe II referia-se a Alba como o espantalho), ambas as partes acabaram por confluir na sua
pessoa.
É
possível que o duque contasse com influências de peso para obter de novo o
bastão de general em 1580,
recuperando assim o favor régio e melhorando talvez uma reputação maculada pelo
seu controverso mandato nos Países Baixos. Não obstante os riscos que
inevitavelmente implicava dirigir uma guerra, morrer desterrado em Uceda
constituía uma alternativa pouco honrosa e decerto irresponsável perante as
suas obrigações de linhagem. Por outras palavras, a bola caiu no telhado do
rei que, se acabou por escolher o duque, foi devido a que ao longo de 1579, precisamente enquanto se discutia
acerca de Alba, a guerra, depois da negociação, se convertera na coluna
vertebral para resolver a incorporação portuguesa e, para esse fim, Fernando era insubstituível, não tanto
pelas suas capacidades de comando (a experiência,
reputação e prestígio de que falavam os seus porta-vozes, e que o
singularizavam), quanto pela imagem de ministro justiceiro e implacável que
gravou a sua marca, até literalmente, se recordarmos a estátua que mandou
erigir em Antuérpia, durante os seis anos na Flandres. Não, Alba não era o único general
tecnicamente capaz ao qual Filipe II podia ter confiado a missão em
Portugal, mas é verdade que acabou por se tornar no único que podia enfrentá-la com relativa segurança, dada
a natureza, entre conquista militar e repressão de vassalos desobedientes, que
a sucessão tomara.
É
certo que alguns dados permitem deduzir que, em termos estritamente militares,
o duque não era a pessoa mais adequada. Às vezes, por exemplo, o seu zelo
excessivo em não agir até que tudo estivesse organizado ao seu gosto podia
retardar uma operação que, como no caso de Portugal, fora concebida para se
resolver de imediato. Não sei se é mais
vagaroso do que se pretende, ao querer agir completamente pelo seguro, que era
o que eu temia, declarou Filipe II a Moura, numa alusão clara a outro dos
aspectos pelos quais o rei resistira à nomeação do duque. A sua idade e
padecimentos foram apontados por vários testemunhos durante a guerra como
principal causa da indisciplina das tropas ou de resoluções inapropriadas. É certo que o duque faz o que pode e o que é
possível para um homem da sua idade, foi uma frase condescendente habitual na
correspondência trocada entre a frente e o monarca em 1580. Entre aqueles que assim opinavam, deveriam encontrar-se muitos
dos inimigos políticos de Fernando,
pois a luta de partidos não tinha fim, mas algumas acusações estavam bem
fundamentadas. Além disso, é oportuno observar que para um exército tão apto
como o que foi formado em 1580 (sem
contar com os efectivos navais de Santa Cruz) não era imprescindível, embora
fosse desejável, um comando como o de Alba, e ainda menos se considerarmos a
desproporção de forças existente entre as duas partes em peleja, o que quase
oferecia de antemão o triunfo a Filipe II». In Rafael Valladares, A Conquista
de Lisboa, 1578-1583, Violência Militar e Comunidade Política em Portugal,
Texto Editores, Alfragide, 2010, ISBN 978-972-47-4111-6.
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