terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Poesia. Joaquim Carvalho. Música. «A única maneira de teres sensações é construíres-te uma alma nova. Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer, eu sou eu?»

Cortesia de wikipedia

Dor em que te enclausuraste
A Florbela Espanca

«O nosso sorriso vivo
por ser claro e certo
foi como um campo de linho puro
que vestiu de branco o luar.
Os instantes alados de eternidade
nascidos em nós,
cedo se desfizeram…
Desses instantes restaram fragmentos
de histórias que os povoaram
como quando se acorda de um sonho…
Onde estão agora as pedras
emersas do rio
nas quais poisaste os pés
sempre que me abraçaste?
A altura dessas pedras era grande!…
Era a altura da linha de água
acrescida do nosso amor…
Hoje, no rio, só se adivinham
pedras imersas,
junto da tua respiração afogada.
A fundura dessas pedras é grande!...
É linha de água
acrescida da fundura da nossa dor…
O rio onde o amor nasceu e correu
foi o mesmo rio onde o amor esmoreceu
e morreu...
Sem mais além para ir
a vivermos
o futuro foi morrendo
despindo pouco a pouco de alma
a gente…


Sempre que cri ver-te,
tua aura esmorecida senti-a tão distante
quanto o meu coração de mim…
Por o teres levado contigo…
Hoje, mais do que nunca,
sinto a dor
em que te enclausuraste…
Essa dor
que te levou a partir imersa em água
sem me perguntares se queria ir contigo…
Sem nos darmos conta perdemo-nos
entre a foz e a nascente…
Tornaremos a achar-nos
no poente
das coisas invisíveis?…
Neste instante solitário,
cheio de lembranças tuas,
sou já, no rio,
corrente vertical descendente…
Porque sei
que, ao pôr-do-sol, me esperas…
Poema de Joaquim Carvalho, in ‘Nova Águia

JDACT