A Chegada dos Cristãos. O Refluxo do Islão Espanhol
«(…) Quando o rei de Castela, seu senhor, quis apoderar-se do reino, o Cid considerou que este era seu
e respondeu devastando as terras do seu suserano, o que provocou a retirada rápida
deste último. Quando al-Qadir morreu, tomou o seu lugar e reinou com equanimidade
sobre mouros e cristãos, perfeitamente independente. Morreu em 1099, e sucedeu-lhe sua mulher, dona
Ximena. Foi expulsa do seu reino em 1102
por um regresso ofensivo dos Almorávidas, mouros africanos, puritanos e pouco
propensos a compromissos. Mediante múltiplos contactos, duas sociedades
interpenetram-se. Milhares de nobres e de soldados cristãos vindos do norte,
amigos ou inimigos consoante os dias, viajam e permanecem em terra muçulmana.
Aprendem a língua dos outros, apreciam os seus costumes e os seus gostos,
também amam: Zaida, neta do rei de Sevilha, refugiar-se-á, antes de
enviuvar, na corte de Afonso VI; o rei de Castela, o conquistador de Toledo,
amá-la-á, ela entregar-se-á a ele, por ele se irá converter e dar-lhe o único
filho que lhe sobreviveu... Aliás, foi Afonso quem tocou o dobre a finados dos taifas. Mais do que perseguir os mouros,
ele queria suplantar os outros reis cristãos, seguindo a pura tradição de Leão,
que governava, e afirmava-se único sucessor dos visigodos. Precisava de dinheiro,
sempre de mais dinheiro, de parias,
de cada vez mais parias. Quase todas
os taifas lhe pagavam tributo. Era
sobretudo aliado de al-Qadir, então rei de Toledo, ameaçado pelos seus
homólogos de Sevilha e de Saragoça, que cobiçavam o seu território e cujo trono
vacilava, minado pelo descontentamento dos seus próprios súbditos, esmagados
pelos impostos e humilhados pelo enorme poder dos cristãos.
Fora expulso por uma revolta. Afonso propôs-se devolver-lhe o trono enquanto
al-Qadir prometia ceder-lhe Toledo se os cristãos conquistassem para ele o
reino de Valença. Só restava cercar a cidade e devastar os campos para chamar à
razão os habitantes. Isso demorou alguns anos, porque não se justificava um
assalto frontal. A 6 de Maio de 1085,
Toledo rendeu-se e, a 25, Afonso fazia nela a sua entrada. Na verdade, merecia
o título que há algum tempo lhe era dado pela sua chancelaria de Imperador de toda a Espanha:
reconquistara a velha capital dos visigodos; fora o primeiro a forçar a
fronteira de al-Andalus; era o maior de todos os reis cristãos e quase
todos os taifas se reconheciam seus
vassalos. Todavia, em Toledo, muitos dos muçulmanos haviam fugido. A comunidade
moçárabe, sem dúvida a mais numerosa de toda a Espanha, apoderara-se de uma parte
dos bens dos emigrados. A importante comunidade judia, no seu bairro reservado,
estava toda lá. A capitulação era liberal: todos, incluindo os muçulmanos,
conservavam os seus bens e a sua religião; as mesquitas seriam respeitadas; os
impostos mantidos ao nível anterior. O rei apoderava-se das propriedades do
soberano destronado e dos bens abandonados. Na verdade, muito em breve a
cidade, moçárabes incluídos, sentiu que fora conquistada. Emigrantes vindos do
norte, muitas vezes de além-Pirenéus, reservaram o centro para si. Por
iniciativa sua, a grande mesquita foi transformada em catedral. Os moçárabes
viram-se privados do direito de elegerem o seu patriarca: foi-lhes imposto um bispo
francês, Bernard de Cluny, e o seu rito, o velho rito visigodo que, durante três
séculos e meio catalizara a sua resistência, classificado como superstição toledana, pelos clérigos
estrangeiros, foi limitado a seis igrejas onde o deixaram morrer. Bens
consideráveis foram distribuídos aos recém-chegados. Foi afastado o moçárabe
Sisnando, a quem Afonso confiara o governo da cidade. O rei entregava-a aos
povos do norte. Não há a certeza de que estivesse plenamente de acordo, mas
tinha as suas razões.
Porque se os cristãos de Espanha estavam a levar a melhor sobre os
muçulmanos, deviam-no em parte ao apoio que lhes era concedido por uma Europa
em plena renovação. Na verdade, as coisas estão a alterar-se além-Pirenéus, a
partir do século X. Um pouco por todo o lado, os senhores reúnem os habitantes,
até então dispersos por aldeias, em grupos mais coesos, mais fáceis de
controlar mais fáceis de organizar. Reúnem as suas forças. A organização
paroquial, que vai constituir enquadramento da vida quase até aos nossos dias,
é posta em funcionamento. O domínio do homem sobre o território torna-se mais
forte. A floresta recua, a população aumenta, e, segundo tudo indica, o mesmo
ocorre com a produção. As trocas, que nunca haviam cessado completamente,
recomeçam com vigor. Até o grande comércio renasce e as cidades reencontram a
função económica que quase tinham perdido no final do império romano. As frotas
italianas disputam novamente aos muçulmanos o domínio dos mares. A Igreja
desperta. Pela primeira vez, os papas apresentam-se como um elemento federador,
como consciência e dirigentes do Ocidente acima dos próprios imperadores. No
ano da tomada de Toledo, morreu Gregório VIII, o papa de Canossa, o que
humilhara o imperador. Passado um pouco mais de tempo, Urbano II (1088-1099),
lançará as cruzadas, a enxurrada das forças vivas do Ocidente, ao ataque de Jerusalém:
o espírito de cruzada fortalece a unidade da Europa cristã». In Louis Cardaillac, Tolède, XII-XIII, Éditions
Autrement, Paris, 1991, Toledo XII-XIII, Muçulmanos. Cristãos,
Judeus, O Saber e a Tolerância, Terramar, Lisboa, 1996, ISBN 972-710-144-5.
Cortesia de Terramar/JDACT