Sítio e história
«(…) A povoação iria desde então crescendo, apesar da crise do fim do
século, passava em breve para fora das muralhas, na Vila de Baixo, e Gregório IX daria indulgências a quem visitasse Sta.
Maria de Tomar, no segundo quartel de Duzentos. S. João Baptista foi então
edificado e na segunda metade do século ter-se-á aberto, entre olivais, a Corredoura,
ainda hoje a grande rua tomarense. A vila vinha então, em importância, logo
após Santarém e Leiria, a par de Coimbra e Abrantes, à frente de Ourém, Pombal,
Torres Novas, Montemor. Sucederam-se vinte e três Mestres na poderosa Ordem que
ia somando terras e bens, na região de Soure e Pombal, que fora seu anterior
território, na de Castelo Branco e Idanha, até ao Fundão e nesta de Tomar, com
limites a sul na Quinta da Cardiga e no Castelo de Almourol, ao todo perto de
3700 quilómetros quadrados de domínio. Até que o Templo foi levado à extinção e
à liquidação por reforma da Ordem no grande movimento internacional determinado
por Filipe, o Belo, de França e
apoiado pelo papado, a que o rei Dinis naturalmente obedeceu, mas ressalvando a
sua estrutura em 1319, numa nova
Milícia ou Ordem de Cavalaria de Jesus Cristo que, depois de ocupar Castro
Daire e Castelo Branco e com outras indecisões, se sediou finalmente e de novo
em Tomar, em 1357, a pedido dos próprios
freires que se queriam então menos expostos a encontros com os Mouros, se
acreditarmos no que nos diz frei Bernardo Brito na Monarquia Lusitana.
Assim também, diplomaticamente, grande parte dos bens que o mesmo papa
da extinção, João XXII, já quisera doar a um cardeal francês de sua valia, foi
salva através das conhecidas inquirições,
mandadas fazer pelo rei em 1317, para
provar a pertença originária das suas terras ao reino de Portugal. Transitaram
os cavaleiros de uma para outra Ordem e outros foram admitidos, esvaziando-se
heraldicamente a cruz vermelha dos Templários antes que o tempo lhe alterasse o
desenho em linhas angulosas. E alguma oculta suspeita restará de ligação local
com a Ordem mãe no seu misterioso e secreto itinerário. Nela insistirá, em 1988, Umberto Eco na fantasia erudita
do seu romance Il Pendolo di Foucault...
[…] Se eu posso imaginar um
castelo templário, assim é Tomar. Chega-se a ele por um caminho fortificado que
passa junto dos bastiões exteriores, com seteiras em forma de cruz, e logo se
respira uma atmosfera de cruzes, desde o primeiro instante. Os Cavaleiros de
Cristo naquele sítio tinham prosperado durante séculos. (...) A longa e feliz
existência que ali tinham gozado fez reconstruir e ampliar o castelo, ao longo
dos tempos, de tal modo que à sua parte medieval se juntaram alas renascença e
barrocas. Comovi-me entrando na igreja dos Templários com a sua rotunda octogonal
que reproduz a do Santo Sepulcro. (...) Depois, a nossa guia levou-nos a ver a janela
manuelina, a janela por excelência,
um buraco, uma colagem de reportórios marinhos e submarinos, algas, conchas,
âncoras, amarras e correntes, em celebração das aventuras dos Cavaleiros sobre
os oceanos. Mas, dos dois lados da janela, a apertar como uma cintura as duas
torres que a enquadram, vêem-se esculpidas as insígnias da Jarreteira. Que
fazia ali, num mosteiro português, o símbolo de uma ordem inglesa? Não
soube responder a guia, mas logo a seguir, em outro lado, creio que a noroeste,
mostrou-nos as insígnias do Tosão d'Oiro. Não pude deixar de pensar no
jogo subtil de alianças que unia a Jarreteira ao Tosão d'Oiro, este aos Argonautas,
os Argonautas ao Graal, o Graal aos Templários... (...) E tive um sobressalto
quando a guia nos fez visitar uma sala secundária (... donde) descemos a uma
cripta. Ao fundo de sete degraus, uma pedra nua conduz à abside, onde poderia
surgir um altar ou o trono do Grão-Mestre, e onde se chega passando debaixo de
sete fechos de abóbadas, em forma de rosas, umas maiores do que outras e a última,
maior de todas, sobrepuja um poço. A cruz e a rosa, e num mosteiro templário, e
numa sala certamente construída antes das manifestações rosacrucianas.. . Fiz
algumas perguntas à guia que sorriu: se soubesse quantos estudiosos de ciências
ocultas aqui vêm em peregrinação... Diz-se que este sítio era uma sala de
iniciação…[…] In Umberto Eco, Il Pendolo di Foucault, Milano, l988
Entretanto, a povoação desenvolvera-se, tornara-se vila cuja vida
municipal mais ou menos se conhece. A passagem de uma Ordem a outra acrescentou
a lista dos Mestres havidos depois de Gualdim Pais e, sempre eleitos, contaram-se
mais oito nomes desde o primeiro da nova organização, por dois anos só, porque
morreu Gil Martins, que era Mestre da Ordem de S. Bento de Avis, cujos
estatutos foram adoptados então. E passando pelo 6.º Mestre Nuno Rodrigues de
Andrade, amigo do rei Pedro I e daí aio do seu bastardo João que seria rei, e assim viveu em Tomar de 1357 a 1363, até Lopo
Dias Sousa, dos Sousas-Arronches, sobrinho materno de dona Leonor Teles, que
por isso pôde ser eleito com doze anos de idade. A vila fora assolada
pela peste negra, em 1348, e em 85, apesar da atitude dúbia do Mestre, Tomar tomou partido contra
Castela na guerra da sucessão portuguesa. Num seu arrabalde se juntaram as
hostes do Mestre de Avis e de Nun’Álvares, a caminho de Aljubarrota. Um padrão
quinhentista comemorará o acontecimento, como veremos, e na própria Várzea
Grande da vila se exercitaram, para a improvável vitória, as forças do
Condestável, firme no seu propósito de travar batalha. Por essa altura
conhecem-se as primeiras referências à comunidade judia, de artesãos e negociantes,
que teria sinagoga cerca de 1460. Em
1405, o Mestre Lopo entrou em demanda
de grados interesses contra a vila, que ganhou, e à sua morte, em 1420, o rei João I pediu ao papa que,
sem mais eleições capitulares, a regência e administração perpétua da Ordem fosse dada a seu filho, o infante Henrique,
para serem utilizados os seus rendimentos na luta contra os sarracenos e na
difusão da fé, agora em empreses africanas iniciadas em Ceuta, ou desde 1433 com a descoberta da Madeira». In
José-Augusto França, Tomar, Thomar Revisited, Editorial Presença, Lisboa, 1994,
ISBN 972-23-1846-2.
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