Neto de Maria Stuart. Decapitado pelo Parlamento inglês
«(…) Crê-se que, se Carlos I tivesse sido um pouco mais tolerante e
transigente com a opinião pública, teria podido, nesta oportunidade, voltar
vitorioso ao trono. Pelo contrário, com manifesta falta de lealdade, sempre
altivo e obstinado nos seus princípios, entra em negociações secretas com ambos
os partidos, num jogo perigoso que havia de o levar em linha recta ao patíbulo.
Vendo que não havia acomodação possível aparente com o monarca, Cromwell,
influenciado pela atitude inflexível do exército, que via o inimigo nesse homem chamado Carlos Stuart,
torna-se republicano, não por convicção, mas por necessidade de momento. É
então que, para evitar que o país caísse na anarquia que se vislumbrava, esse
estadista enveredou pelo campo da violência, depurando o Parlamento com o
famoso golpe de Estado, que proclamou a ditadura.
O panorama que envolvia a Inglaterra não era, com efeito, dos mais risonhos
e promissores: a Escócia e a Irlanda, sempre rebeldes, e para servirem os seus
fins nacionais, tinham pegado em armas pelo rei Carlos; havia amotinação na marinha,
à qual Ruppert, nos mares, perseguia raivosamente; algumas colónias não acatavam
a autoridade central; as potências desdenhavam da Inglaterra, cujo prestígio estava,
ao tempo, muito abalado. Impunham-se medidas violentas. Então, no mês de
Janeiro de 1649, efectua-se o
julgamento dramático, que era, no Mundo, o segundo processo instaurado contra um
soberano representante de Deus na terra, de Carlos I. Comparecendo
perante a Câmara dos Comuns, o monarca teve a única atitude que a sua
fria altivez, o seu soberano desdém, o seu manifesto desprezo pelos parlamentares
podiam consentir. Às acusações que os juízes lhe faziam não se dignou
responder. A boca não se lhe abriu nem para repelir a acusação de alta traição,
que mais havia de ferir-lhe o coração de patriota, nem para formular qualquer
queixa, nem para justificar as suas atitudes de rei. O desmedido orgulho
impedia-o de considerar aqueles homens seus julgadores.
A sentença declarou-o tirano, traidor, assassino e inimigo público e condenava-o à
decapitação, a mesma pena que sofrera sua avó, Maria Stuart. A multidão, estupefacta
com a audácia dos julgadores, acorreu ao local da execução, em frente do palácio
real de Whitehall, onde formavam fortes contingentes de tropa em guarda de
honra ao patíbulo, para ver morrer o seu rei, e comoveu-se com a maneira
estóica como ele soube encarar a morte. Era um rei que morria e, sobre isso, um
rei que era um Stuart! O monarca subiu com impassível frieza e coragem os
degraus do cadafalso e em cima, junto ao cepo e frente ao carrasco, a boca
fechada descerrou-se-lhe finalmente, para pronunciar uma só palavra, uma única:
- Remember!
(Lembrem-se!)
Depois, sempre sem mostrar o mais ligeiro temor, valorosamente, curvou-se,
oferecendo o régio pescoço ao verdugo. O cutelo refulge um curto instante e
desce com violenta segurança, separando, de um só golpe, do corpo esbelto a
cabeça daquele que fora Carlos I, da Inglaterra. Vivera quarenta e nove anos!
Em volta, o público, emocionado, de coração parado, pôde, enfim, desoprimir-se,
num surto de alívio, alguns de satisfação, outros de dor. Pois não era ele um rei, apesar dos seus defeitos?» In
Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10,
Lisboa, s/d.
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