Conforme
o original
Portugal.
Século XV
«Quando
no palácio de seus pais, em Beja, dona Leonor vem ao mundo, no crepusculo da noite de 8 de Dezembro do anno
de 1458, dia em que a Igreja Catholica
celebra a solemnissima festa da Immaculada Conceição da Rainha do Ceo;
diz-nos frei Jorge São Paulo que assim contraria a indicação, fornecida por
Damião de Góis e geralmente aceita, do nascimento a 2 de Maio, já a Idade-Média
acabou, segundo a maioria dos historiadores. De facto, a vélha Europa medieval
parece decompor-se; primeiro, através das tremendas dissidências geradas no
seio da Igreja, que deram ensejo à longa crise do grande cisma e só encontraram têrmo no Concílio de
Constança, quando, uma vez solenemente depostos os dois falsos papas João XXIII
e Benedito XIII e eliminado por voluntária renúncia Gregório XII, a unidade se
restabeleceu na pessoa do cardial Otão Colonna, erguido em 1417 com o nome de Martinho V; depois, através da indisciplina nos grandes
centros de estudos, das querelas em que as escolas divergentes consomem e extraviam
a grande herança da Escolástica albertino-tomista e das efervescências e
reivindicações, já nitidamente paganizantes, do humanismo em plena ofensiva;
depois, ainda, através das incessantes lutas que sobressaltam e ensangüentam a
Europa, desde o segundo quartel do século XIV. É oportuno recordar, num sucinto
panorama, o que foram essas lutas incessantes.
Antes
de mais nada, a famosa Guerra dos Cem Anos,
que opôs a França e a Inglaterra num exaustivo conflito, marcado por
acontecimentos de vulto: a derrota francesa de Crécy e a perda de Calais em 1346-1347;
a nova derrota francesa de Poitiers, dez anos mais tarde, em virtude da qual
João o Bom assinou em Brétigny (1360)
um tratado desastroso; a vitória britânica de Azincourt (1415), que levou a França
a aceitar outro vergonhoso tratado, em Troyes (1420). Mas já despontava
a estranha e maravilhosa pastora de Domrémy, atenta às vozes do alto, consagrada
à missão de libertar a Pátria invadida. Em dois anos apenas, a situação
inverteu-se: os inglêses viram-se obrigados a levantar o cêrco de Orléans (Maio
de 1429);
passado pouco mais de um mês, Talbot foi vencido em Patay e a Pucelle
conduziu a Reims o jovem Carlos VII, e fê-lo coroar, na catedral, como único
herdeiro legítimo dos Reis de França. Embora Joana de Arc caísse nas
mãos do inimigo diante das muralhas de Compiègne (Maio de 1430) e fosse executada
em Ruão um ano depois, a semente estava lançada, os franceses recuperavam a fé
em si próprios e nos seus destinos. Prosseguiram a campanha com denodo; o
invasor, após as batalhas de Formigny (1450) e de Castillon (1453),
só conservou, para cá da Mancha, o enclave de Calais.
Se
a França saiu esgotada da Guerra dos
Cem Anos, à Inglaterra sucedeu o mesmo. E ei-la precipitada na guerra das duas rosas, ora com vantagem para
a rosa branca da casa de
York, na pessoa do duque Ricardo, aclamado Protector, ora para o malogrado Henrique VI, que ostenta, através
de mil tribulações, a rosa vermelha
dos Lencastres. Quanto à Alemanha, a execução do checo João Huss (1415)
lançou a Boémia e a Hungria em devastadoras contendas internas, agravadas pelo
aparecimento de um chefe valoroso, João Ziska e prolongadas depois da
sua morte (1424). Eleito rei dos Romanos em 1440, Frederico III (que casou em Nápoles, por procuração, uma
década corrida, com a princesa dona Leonor, filha do nosso rei Duarte) manteve
algum tempo atitude ambígua perante a Santa Sé; só em 1452 recebeu das próprias mãos do pontífice Nicolau V as insígnias
imperiais. Na Itália, guerras constantes entre as pequenas repúblicas rivais,
Génova, Milão, Veneza, Florença, Nápoles, pouco a pouco transformadas em ditaduras
e principados, sem unidade e sem força». In João Ameal, Dona Leonor, Princesa
Perfeitíssima, Academia Portuguesa de História, Colecção Rainhas e Princesas de
Portugal, Livraria Tavares Martins, Porto, 1943.
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