Os Pilares da Igreja
«(…) Ridiculariza-se a eslavofilia do papa Wojtyla e a polonização da Igreja,
terminal do Vaticano, onde desembarca, à pressa, no interior da suprema cloaca
sem purificador, material transportado pelo clero polaco. Chegados a Roma, os prelados
polacos apostam decididamente na alavanca do poder, o mais atrevidos possível,
fervorosamente recomendados e elogiados pelos prelados da corte com o objectivo
de se tornarem gratos ao papa, seu conterrâneo. Só resta deixá-los cair no
próximo render da guarda. Ficou célebre a partida do carro armado, na Via Conciliazione.
Logo ao alvorecer daquele frio Janeiro de 1991, a polícia identificou, com surpresa, um rudimentar carro
armado verde, em posição de guerra, estacionado na Escola Pio IX na Via da
Conciliazione, na circunstância barrada e vazia de alunos e professores que
foram mandados para casa, enquanto o tráfego era desviado para outra rua.
Os pirotécnicos mais corajosos consultavam-se uns aos outros para a
desactivação de uma eventual bomba relógio no interior daquele blindado. As
forças da ordem, alertadas em toda a volta, esperavam o pior de um momento para
o outro; porém nada acontecia. O perito escolhido inspeccionou com a máxima
circunspecção o couraçado, que se revelou ser um montão de lâminas de alumínio
soldadas umas às outras, apressadamente, em cima de um carro destruído. O
facto pretendia significar uma surpresa ao monsenhor polaco que, à força de
sagrados jantares à mesa papal, conseguiu em poucas palavras convencer o pontífice
a criar também na Polónia o ordinarato castrense, oferecendo-se desinteressadamente
como primeiro ordinário castrense, sem castração visível. Os amigos,
galhofeiros, colocaram-no na berlinda demonstrando assim o seu desacordo por
aquela provisão inútil.
A diplomacia do Estado do Vaticano, símbolo de uma sociedade particular
em que o parecer é mais importante do que o ser, contagia a diplomacia dos
outros Estados logo que entram em relação diplomática. De facto, no caso de
certas decisões se tornarem melindrosas, passam a ser conservadas em naftalina
arquivando-se os processos de modo que, conforme for necessário, se torne fácil
ou difícil recuperá-las. Os mais experimentados vaticanistas esforçam-se por
decifrar os sinais do sistema monárquico religioso-estatal, mas nem sempre o
conseguem. Segundo o jornalista John Cornwell, monsenhor Paul Marcinkus definia
esse Estado como uma aldeia de lavadeiras:
lavam as roupas, batem-nas com as mãos, saltam em cima delas, extraem a
sujidade; na vida normal as pessoas têm outros interesses; neste, quando as
pessoas se encontram, percebem que se um conta uma história, o faz para o outro
lhe contar uma outra a ele. Um lugar de todo não ocupado por pessoas honestas.
A diplomacia vaticana, dizia o brilhante latinista Antonio Bacci, depois
cardeal, nasceu numa tarde triste em
Jerusalém, no átrio do sumo sacerdote, quando o apóstolo Pedro, aquecendo-se à
fogueira, deparou com aquela criada que, de dedo apontado, perguntou: também tu
és discípulo do Galileu, e Pedro, estremecendo, respondeu: não
sei o que dizes! Resposta
diplomática com a qual não comprometia nem a fé nem a moral.
A diplomacia deste pequeno Estado influencia, hoje,
o comportamento dos outros Estados e, por isso, a importância e a hipocrisia
tornam-se, simultaneamente, causa e efeito de sucesso recíproco, cimentando-se
uma delicada competição de formas, com reacções em cadeia. Um concentrado de hipocrisia
institucionalizada, um dos piores males ambientais,
neste minúsculo Estado, apelidado de Minúsculo maior. O Vaticano é uma
ilha onde coexistem, com igual honra e medida, a lógica do poder e o paroxismo
patológico, a força do direito e o direito da força, a concordância entre a supremacia
do bem sobre o mal e a prepotência do violento sobre o indefeso; onde é mais fácil
distinguir o mal no bem do que o bem no mal; em resumo, uma amálgama de estranhas
politiquices periodicamente reemergentes a partir de intrigas já distantes». In I
Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra
Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN
972-46-1170-1.
Cortesia Casa das Letras/JDACT