sábado, 31 de janeiro de 2015

No 31. O Vaticano contra Cristo. Religiões. Tradução de José A. Neto. I Millenari. «Logo ao alvorecer daquele frio Janeiro de 1991, a polícia identificou, com surpresa, um rudimentar carro armado verde, em posição de guerra, estacionado na Escola Pio IX na Via da Conciliazione, na circunstância barrada e vazia de alunos e professores»

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Os Pilares da Igreja
«(…) Ridiculariza-se a eslavofilia do papa Wojtyla e a polonização da Igreja, terminal do Vaticano, onde desembarca, à pressa, no interior da suprema cloaca sem purificador, material transportado pelo clero polaco. Chegados a Roma, os prelados polacos apostam decididamente na alavanca do poder, o mais atrevidos possível, fervorosamente recomendados e elogiados pelos prelados da corte com o objectivo de se tornarem gratos ao papa, seu conterrâneo. Só resta deixá-los cair no próximo render da guarda. Ficou célebre a partida do carro armado, na Via Conciliazione. Logo ao alvorecer daquele frio Janeiro de 1991, a polícia identificou, com surpresa, um rudimentar carro armado verde, em posição de guerra, estacionado na Escola Pio IX na Via da Conciliazione, na circunstância barrada e vazia de alunos e professores que foram mandados para casa, enquanto o tráfego era desviado para outra rua. Os pirotécnicos mais corajosos consultavam-se uns aos outros para a desactivação de uma eventual bomba relógio no interior daquele blindado. As forças da ordem, alertadas em toda a volta, esperavam o pior de um momento para o outro; porém nada acontecia. O perito escolhido inspeccionou com a máxima circunspecção o couraçado, que se revelou ser um montão de lâminas de alumínio soldadas umas às outras, apressadamente, em cima de um carro destruído. O facto pretendia significar uma surpresa ao monsenhor polaco que, à força de sagrados jantares à mesa papal, conseguiu em poucas palavras convencer o pontífice a criar também na Polónia o ordinarato castrense, oferecendo-se desinteressadamente como primeiro ordinário castrense, sem castração visível. Os amigos, galhofeiros, colocaram-no na berlinda demonstrando assim o seu desacordo por aquela provisão inútil.
A diplomacia do Estado do Vaticano, símbolo de uma sociedade particular em que o parecer é mais importante do que o ser, contagia a diplomacia dos outros Estados logo que entram em relação diplomática. De facto, no caso de certas decisões se tornarem melindrosas, passam a ser conservadas em naftalina arquivando-se os processos de modo que, conforme for necessário, se torne fácil ou difícil recuperá-las. Os mais experimentados vaticanistas esforçam-se por decifrar os sinais do sistema monárquico religioso-estatal, mas nem sempre o conseguem. Segundo o jornalista John Cornwell, monsenhor Paul Marcinkus definia esse Estado como uma aldeia de lavadeiras: lavam as roupas, batem-nas com as mãos, saltam em cima delas, extraem a sujidade; na vida normal as pessoas têm outros interesses; neste, quando as pessoas se encontram, percebem que se um conta uma história, o faz para o outro lhe contar uma outra a ele. Um lugar de todo não ocupado por pessoas honestas. A diplomacia vaticana, dizia o brilhante latinista Antonio Bacci, depois cardeal, nasceu numa tarde triste em Jerusalém, no átrio do sumo sacerdote, quando o apóstolo Pedro, aquecendo-se à fogueira, deparou com aquela criada que, de dedo apontado, perguntou: também tu és discípulo do Galileu, e Pedro, estremecendo, respondeu: não sei o que dizes! Resposta diplomática com a qual não comprometia nem a fé nem a moral.
A diplomacia deste pequeno Estado influencia, hoje, o comportamento dos outros Estados e, por isso, a importância e a hipocrisia tornam-se, simultaneamente, causa e efeito de sucesso recíproco, cimentando-se uma delicada competição de formas, com reacções em cadeia. Um concentrado de hipocrisia institucionalizada, um dos piores males ambientais, neste minúsculo Estado, apelidado de Minúsculo maior. O Vaticano é uma ilha onde coexistem, com igual honra e medida, a lógica do poder e o paroxismo patológico, a força do direito e o direito da força, a concordância entre a supremacia do bem sobre o mal e a prepotência do violento sobre o indefeso; onde é mais fácil distinguir o mal no bem do que o bem no mal; em resumo, uma amálgama de estranhas politiquices periodicamente reemergentes a partir de intrigas já distantes». In I Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN 972-46-1170-1.

Cortesia Casa das Letras/JDACT