Regicídios
Último
soberano indígena do México
«Com
excepção da república de Tlaxcala, o império asteca dominava quase todo o
território que hoje constitui o México, com a sujeição de todas as restantes
tribos índias outrora independentes. Reinava Moctezuma II, cognominado o Jovem, e que pelo seu despotismo, ao
que se diz, alienara as simpatias e boa vontade dos seus povos, quando, em 1580, os espanhóis da expedição comandada
por Grijalva desembarcaram no país, em Tabasco. A terrível nova logo
chegou aos ouvidos de Moctezuma ampliada pelo pavor dos que conheciam os
factos. Os homens desembarcados haviam chegado em grandes barcos e eram detentores
de poderes tais que nem os sacerdotes astecas, que lidavam com os deuses, os
poderiam explicar, tão estranhos eram. Animais fabulosos como ali nunca se
tinham visto (os nossos inofensivos cavalos!) conduziam-nos no seu
dorso, e lançavam-se pela terra dentro em vertiginosas correrias. Os
fantásticos estrangeiros de pele branca revestiam-se de esquisitas armaduras
que as armas astecas não poderiam trespassar. Além do mais, que já era alarmante,
os recém-chegados usavam poderosas armas, pelas quais despediam raios
mortíferos com que, à distância, alcançavam quem se lhes opusesse, causando
formidáveis estampidos mais ensurdecedores do que o trovão.
Era
essa a primeira vez que homens de raça diferente da dos aborígenes ali eram
vistos. Moctezuma ficou perturbado, mas não tardou a tranquilizar-se. Entre os
seus vastos domínios, no grande vale mexicano e a costa longínqua, havia a
república de Tlaxcala, gente aguerrida e indomável que vinha resistindo heróica
e vitoriosamente aos esforços dos guerreiros astecas para os integrarem no
império. Os tlaxcaltecas saberiam decerto repelir os estrangeiros de rosto
pálido, no caso de estes se quererem aventurar pelo interior. Seriam aqueles os
Filhos do Sol, de que falava certa lenda asteca? Havia
muito tempo, tanto que os índios mexicanos não o sabiam contar, que ali aparecera,
sob a forma humana, um Deus Branco que os
ensinara a cultivar a terra e a colher os frutos, a erguer casas e a lavrar a
prata e o ouro; enquanto esse deus permanecera entre eles, reinou grande
prosperidade; e, antes de partir, prometera aos índios que voltaria ali mais
tarde, com os Filhos do Sol, para tomar posse daquela terra. Moctezuma,
apreensivo, não sabia, por isso, se aqueles homens vindos de distantes paragens
eram os mesmos anunciados pelo Deus Branco. Se fossem, ser-lhe-ia impossível
lutar com eles. Teria de lhes dar agasalho. O grave dilema em que o espírito do
imperador se debatia foi, talvez, a causa primacial da sua inexplicável
passividade perante a posterior invasão de Cortés. Com efeito, nenhuma batalha dos tempos modernos regista tamanha
desigualdade em desfavor dum grupo de invasores: os espanhóis, na primeira
batalha que travaram, com um punhado de homens conseguiram desbaratar
totalmente a primeira força de nada menos de 40 mil ferozes índios, iniciando
assim a sua incursão pelo império dentro. A expedição de Grijalva
retirou pouco depois levando para Cuba notícias formidáveis: no poderoso
império asteca havia ouro em abundância e outras riquezas. Os espanhóis
arregalaram os olhos de cobiça.
Lá
na rica capital do império, a cidade de Tenochtitlán (a actual Cidade do
México!), fundada dois séculos atrás pelos astecas, então já tendo
aglutinado outros povos e dominando, com a aliança dos toltecas, desde o golfo
do México ao Atlântico, Moctezuma respirou de alívio: os homens brancos
haviam-se afastado nos seus enormes barcos, perdendo-se em breve de vista, para
lá do horizonte, nos mares ignotos. Foi breve, contudo, o seu sossego. Doze
luas decorridas, de novo chegaram até Tenochtitlán informações
assustadoras. Os desconhecidos de rosto pálido voltavam, mas então mais
numerosos e, ao que parecia, dispostos a uma invasão em forma. O imperador
expediu observadores para a costa com a missão de avaliarem as possibilidades
guerreiras e as intenções dos recém-chegados. E alarmou-se deveras quando, no
regresso, os emissários lhe narraram coisas espantosas. Os estrangeiros eram de
um país remoto e poderoso, para lá do grande mar, e tinham por chefe um
guerreiro invencível, de nome Fernando Cortés. Possuíam inquietantes
engenhos de guerra, nunca vistos em terras índias, com que derrotaram um
formidável exército tlaxcalteca que se lhe pretendeu opor. Os tlaxcaltecas,
concluíram, convenceram-se de que os invasores eram deuses e, após a derrota sofrida,
submeteram-se-lhes completamente, pedindo o seu auxílio para destruírem o
inimigo asteca. O imperador ficou estarrecido. A lenda cumpria-se. Aquilo podia
ser o fim do seu poderoso império. Não lhe restavam dúvidas de que os
estrangeiros se dispunham a ficar e a invadir o país. Os de Tlaxcala
bandearam-se com eles com o fito de se vingarem dos sucessivos ataques dos
astecas. Os brancos, Moctezuma sabia-o pelos seus espiões, vinham em busca do
precioso metal amarelo, de que o território era farto». In Américo Faria, Regicídios que
mudaram a História, Dez regicídios emocionantes, 1954, Edições Parsifal, Lisboa,
2013, ISBN 978-989-98521-1-2.
Cortesia
Parsifal/JDACT