sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Guatemozin (ou Cuauhtémoc). Imperador Asteca. Américo Faria. «Os de Tlaxcala bandearam-se com eles com o fito de se vingarem dos ataques dos astecas. Os brancos, Moctezuma sabia-o pelos seus espiões, vinham em busca do precioso metal…»

Moctezuma 
Cortesia de wikipedia

Regicídios
Último soberano indígena do México
«Com excepção da república de Tlaxcala, o império asteca dominava quase todo o território que hoje constitui o México, com a sujeição de todas as restantes tribos índias outrora independentes. Reinava Moctezuma II, cognominado o Jovem, e que pelo seu despotismo, ao que se diz, alienara as simpatias e boa vontade dos seus povos, quando, em 1580, os espanhóis da expedição comandada por Grijalva desembarcaram no país, em Tabasco. A terrível nova logo chegou aos ouvidos de Moctezuma ampliada pelo pavor dos que conheciam os factos. Os homens desembarcados haviam chegado em grandes barcos e eram detentores de poderes tais que nem os sacerdotes astecas, que lidavam com os deuses, os poderiam explicar, tão estranhos eram. Animais fabulosos como ali nunca se tinham visto (os nossos inofensivos cavalos!) conduziam-nos no seu dorso, e lançavam-se pela terra dentro em vertiginosas correrias. Os fantásticos estrangeiros de pele branca revestiam-se de esquisitas armaduras que as armas astecas não poderiam trespassar. Além do mais, que já era alarmante, os recém-chegados usavam poderosas armas, pelas quais despediam raios mortíferos com que, à distância, alcançavam quem se lhes opusesse, causando formidáveis estampidos mais ensurdecedores do que o trovão.
Era essa a primeira vez que homens de raça diferente da dos aborígenes ali eram vistos. Moctezuma ficou perturbado, mas não tardou a tranquilizar-se. Entre os seus vastos domínios, no grande vale mexicano e a costa longínqua, havia a república de Tlaxcala, gente aguerrida e indomável que vinha resistindo heróica e vitoriosamente aos esforços dos guerreiros astecas para os integrarem no império. Os tlaxcaltecas saberiam decerto repelir os estrangeiros de rosto pálido, no caso de estes se quererem aventurar pelo interior. Seriam aqueles os Filhos do Sol, de que falava certa lenda asteca? Havia muito tempo, tanto que os índios mexicanos não o sabiam contar, que ali aparecera, sob a forma humana, um Deus Branco que os ensinara a cultivar a terra e a colher os frutos, a erguer casas e a lavrar a prata e o ouro; enquanto esse deus permanecera entre eles, reinou grande prosperidade; e, antes de partir, prometera aos índios que voltaria ali mais tarde, com os Filhos do Sol, para tomar posse daquela terra. Moctezuma, apreensivo, não sabia, por isso, se aqueles homens vindos de distantes paragens eram os mesmos anunciados pelo Deus Branco. Se fossem, ser-lhe-ia impossível lutar com eles. Teria de lhes dar agasalho. O grave dilema em que o espírito do imperador se debatia foi, talvez, a causa primacial da sua inexplicável passividade perante a posterior invasão de Cortés. Com efeito, nenhuma batalha dos tempos modernos regista tamanha desigualdade em desfavor dum grupo de invasores: os espanhóis, na primeira batalha que travaram, com um punhado de homens conseguiram desbaratar totalmente a primeira força de nada menos de 40 mil ferozes índios, iniciando assim a sua incursão pelo império dentro. A expedição de Grijalva retirou pouco depois levando para Cuba notícias formidáveis: no poderoso império asteca havia ouro em abundância e outras riquezas. Os espanhóis arregalaram os olhos de cobiça.
Lá na rica capital do império, a cidade de Tenochtitlán (a actual Cidade do México!), fundada dois séculos atrás pelos astecas, então já tendo aglutinado outros povos e dominando, com a aliança dos toltecas, desde o golfo do México ao Atlântico, Moctezuma respirou de alívio: os homens brancos haviam-se afastado nos seus enormes barcos, perdendo-se em breve de vista, para lá do horizonte, nos mares ignotos. Foi breve, contudo, o seu sossego. Doze luas decorridas, de novo chegaram até Tenochtitlán informações assustadoras. Os desconhecidos de rosto pálido voltavam, mas então mais numerosos e, ao que parecia, dispostos a uma invasão em forma. O imperador expediu observadores para a costa com a missão de avaliarem as possibilidades guerreiras e as intenções dos recém-chegados. E alarmou-se deveras quando, no regresso, os emissários lhe narraram coisas espantosas. Os estrangeiros eram de um país remoto e poderoso, para lá do grande mar, e tinham por chefe um guerreiro invencível, de nome Fernando Cortés. Possuíam inquietantes engenhos de guerra, nunca vistos em terras índias, com que derrotaram um formidável exército tlaxcalteca que se lhe pretendeu opor. Os tlaxcaltecas, concluíram, convenceram-se de que os invasores eram deuses e, após a derrota sofrida, submeteram-se-lhes completamente, pedindo o seu auxílio para destruírem o inimigo asteca. O imperador ficou estarrecido. A lenda cumpria-se. Aquilo podia ser o fim do seu poderoso império. Não lhe restavam dúvidas de que os estrangeiros se dispunham a ficar e a invadir o país. Os de Tlaxcala bandearam-se com eles com o fito de se vingarem dos sucessivos ataques dos astecas. Os brancos, Moctezuma sabia-o pelos seus espiões, vinham em busca do precioso metal amarelo, de que o território era farto». In Américo Faria, Regicídios que mudaram a História, Dez regicídios emocionantes, 1954, Edições Parsifal, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-98521-1-2.

Cortesia Parsifal/JDACT