«Portugal
estava ainda mal solidificado nos alicerces das suas fronteiras definitivas. De
vez em quando, terríveis incursões da moirama irrequieta faziam estragos nas
populações e nas terras, especialmente nas fronteiriças, levando-lhes a
descrença quanto à possibilidade de uma vida pacífica. No interior do país
também as coisas não caminhavam como seria de desejar. O reinado de Afonso II (1211-1223)
fora uma luta constante entre o soberano e o clero. Mas a férrea energia do
monarca, o seu prestígio e autoridade lograram neutralizar as ambições dos
opositores, entre os quais avultavam, também, os seus irmãos legítimos e
ilegítimos. Nesta agitada atmosfera política subiu ao trono, por morte de seu
pai, o jovem príncipe Sancho, II do nome, que foi o quarto rei de Portugal, e
um dos mais infelizes na longa história do país. Nascido em Coimbra, onde então
os monarcas portugueses tinham a sua corte, em 8 de Setembro de 1209, contava ele apenas treze anos de
idade à morte de Afonso II.
Desde
sempre, fora o príncipe um ente de organismo fraco, a exigir os desvelos da
mãe, dona Urraca, que o rodeou de cuidados extremos para lhe defender a saúde
periclitante. Sobre o cognome de Capelo,
que a História lhe apendiculou à figura melancólica, divergem as opiniões. Escritores
há que o atribuem ao facto de Sancho se ter filiado numa Ordem de
frades mendicantes, como fez S. Luís, rei de França. Outros, porém, e, entre
estes, Faria Sousa, explicam que lhe chamaram o Capelo, porque siendo enfermo en su niñez la reina
librando su salud en su devocion, le traia vestido en el habito de ordem dei
gran Padre i dotor de la iglezia San Agostin. Para a herança que lhe
foi atirada para a personalidade débil não estaria Sancho II devidamente
preparado. A sua pouca idade, a sua constituição física e os traços dominantes
do seu carácter complacente, pacífico, iriam criar-lhe dificuldades num reino
ainda de tão recente formação e inçado de perigos, que ora lhe surgiam dos
moiros ora dos ambiciosos vizinhos dos reinos paredes-meias com Portugal.
No
entanto, começou imediatamente a reinar. In
nomine, pois, na realidade, quem governava em seu nome eram os
ministros chanceler Gonçalo Mendes, mordomo-mor Pedro Anes e o deão de Lisboa,
mestre Vicente, homens sabedores e enérgicos, cujo exercício vinha já do tempo
de Afonso II, com excelentes provas prestadas. Faltando-lhes o sólido apoio de
um monarca respeitado, não puderam eles prosseguir com o mesmo êxito e
autoridade a obra, encetada no reinado anterior, do necessário fortalecimento
da coroa; e sofriam todas as incertezas
da menoridade de Sancho II sem terem ao menos a autoridade de regentes, por não
haverem sido nomeados, e governarem debaixo, por assim dizer da presidência
nominal do rei. As maiores humilhações lhes saltaram por isso ao caminho, reflectindo-se
irremediavelmente no prestígio do soberano. Logo de todos os lados, como um
assalto, apareceram com reclamações, com exigências, com imposições, muitos
daqueles cujas pretensões, nem sempre legítimas, a mão firme de Afonso II havia
reprimido. Um rei imberbe era de molde a acirrar as presunções de todos os que
se supunham prejudicados pelo trono, ou afigurava-se alvo fácil para o eclodir
de muitos desejos de represália.
O
arcebispo de Braga, por exemplo, que tão grandes dissídios tivera com o pai de Sancho,
mas que fora sempre vencido pelo antagonista, exigiu, e conseguiu-o agora que lhe
fossem concedidas vultosas indemnizações, assim como o castigo dos agentes da
coroa que, obedecendo apenas a ordens do monarca, tinham tomado parte mais ou
menos activa na luta. A satisfação forçada de tais exigências foi o sinal para
que outras, de diferentes lados igualmente poderosos, chegassem até ao trono.
Os regentes viam-se embaraçados e desamparados para poderem agir com justiça.
Todas as igrejas e mosteiros que se sentiam lesados pelas reivindicações de
Afonso II surgiram com reclamações junto do filho. Foram também indemnizados. O
património real levava sucessivas sangrias. As próprias tias do jovem monarca,
sustentadas no que julgavam ser os seus direitos por algumas grandes figuras
representativas nacionais, impuseram a certa altura que lhes fossem restituídos
as vilas e senhorios que o anterior soberano lhes tinha arrancado. O reinado de
Sancho II não começava bem, mas, no entanto, nada deixava prever o seu dramático
fim. Complicações no poder pertenciam a todo o mundo...» In Américo Faria e
Herdeiros, 1958, Dez soberanos destronados, Grandes Soberanos Destronados, Edições
Parsifal, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-8760-00-5.
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