Estrelas
«Desfaço
nas mãos os figos, os fios
Fugazes
de Setembro, enquanto o seu leite
escorre
pelas folhas verdes que
os
envolvem. Esses figos, que me traziam
em
cestos de vime, eram mel na boca
que
os saboreava. Secos, iam parar
aos
frascos fechados para o Inverno, de onde
os
tirava para os meter no bolso,
antes
de sair. O que tens aí?,
perguntavas-me. E
eu
passava-te para a mão um desses figos, e via
como
o abrias, chupando os seus grânulos,
e
passeando na boca a amêndoa que
o recheava.
Onde estarás?, pergunto. Poderia
anda
hoje partilhar, contigo, um
desses
figos do Inverno? Ou o seu leite secou,
nos
cantos dos lábios, roubando-te
as
palavras, e o húmido murmúrio
do amor?»
Solidão
«Um
mar rodeia o mundo de quem está só. É
o
mar sem ondas do fim do mundo. A sua água
é
negra; o seu horizonte não existe. Desenho
os
contornos desse mar com um lápis de
névoa.
Apago, sobre a sua superfície, todos
os
pássaros. Vejo-os abrigarem-se da borracha
nas
grutas do litoral: as aves assustadas da
solidão.
É um mundo impenetrável, diz
quem
está só. Senta-se na margem, olhando
o
seu caso. Nada mais existe para além dele, até
esse
branco amanhecer que o obriga a lembrar-se
que
está vivo. Então, espera que a maré suba,
nesse
mar sem marés, para tomar uma decisão».
Poemas de Nuno Júdice, in ‘Pedro, lembrando Inês’
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