terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Alberto Caeiro. Poesia. «Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é que nos não guia. Não sou assediado pela consciência, mas sim pela consciência do ser. A consciência é o maior prodígio da inconsciência»

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O Guardador de Rebanhos
[…]
«Leve, leve, muito leve,
um vento muito leve passa,
e vai-se, sempre muito leve.
E eu não sei o que penso
nem procuro sabê-lo.

Não me importo com as rimas. Raras vezes
há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
porque me falta a simplicidade divina
de ser todo só o meu exterior.

Olho e comovo-me,
comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
e a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...


As quatro canções que seguem
separam-se de tudo o que eu penso,
mentem a tudo o que eu sinto
são do contrário do que eu sou...

Escrevi-as estando doente
e por isso elas são naturais
e concordam com aquilo que sinto,
concordam com aquilo com que não concordam...
Estando doente devo pensar o contrário
do que penso quando estou são.
(Senão não estaria doente),
devo sentir o contrário do que sinto.
Quando sou eu na saúde,
devo mentir à minha natureza
de criatura que sente de certa maneira...
Devo ser todo doente, ideias e tudo.
Quando estou doente, não estou doente para outra coisa.

Por isso essas canções que me renegam
não são capazes de me renegar
e são a paisagem da minha alma de noite,
a mesma ao contrário...»
[…]
Poema de Alberto Caeiro, in ‘Poemas

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