O
Guardador de Rebanhos
[…]
«Leve,
leve, muito leve,
um
vento muito leve passa,
e
vai-se, sempre muito leve.
E
eu não sei o que penso
nem
procuro sabê-lo.
Não
me importo com as rimas. Raras vezes
há
duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso
e escrevo como as flores têm cor
mas
com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
porque
me falta a simplicidade divina
de
ser todo só o meu exterior.
Olho
e comovo-me,
comovo-me
como a água corre quando o chão é inclinado,
e
a minha poesia é natural como o levantar-se o vento...
As
quatro canções que seguem
separam-se
de tudo o que eu penso,
mentem
a tudo o que eu sinto
são
do contrário do que eu sou...
Escrevi-as
estando doente
e
por isso elas são naturais
e
concordam com aquilo que sinto,
concordam
com aquilo com que não concordam...
Estando
doente devo pensar o contrário
do
que penso quando estou são.
(Senão
não estaria doente),
devo
sentir o contrário do que sinto.
Quando
sou eu na saúde,
devo
mentir à minha natureza
de
criatura que sente de certa maneira...
Devo
ser todo doente, ideias e tudo.
Quando
estou doente, não estou doente para outra coisa.
Por
isso essas canções que me renegam
não
são capazes de me renegar
e
são a paisagem da minha alma de noite,
a
mesma ao contrário...»
[…]
Poema de Alberto Caeiro, in ‘Poemas’
JDACT