Inês de Portugal, de João Aguiar. A Trança de Inês, de Rosa
Lobato Faria. A Rainha Morta e o Rei Saudade, de António
Cândido Franco
O
rei Pedro I: o homem e o mito
«De todos os reis das duas primeiras
dinastias portuguesas, Pedro I é aquele cujo reinado se revela mais breve, se
exceptuarmos o caso especial do seu neto Duarte I. No entanto, e por contraste,
é talvez o monarca cuja actuação foi alvo de maior polémica e deu origem a
maior número de obras de cariz histórico ou literário, ao longo dos séculos e
até ao tempo presente. Em parte, tal facto fica a dever-se a acontecimentos
anteriores à sua subida ao trono, como
a morte de Inês de Castro ou a consequente
guerra civil que liderou contra seu pai, ao longo de sete meses. Mas a
eliminação física da sua grande paixão teve repercussões que se prolongaram
para além das pazes assinadas em Canaveses, assumindo Pedro I, já enquanto rei,
acções que em muito contribuíram para a imagem que, ao longo do tempo, os
diversos autores foram criando e difundindo. A variedade de textos actualmente
disponíveis que se debruçam sobre esta época histórica permite-nos uma análise
pormenorizada, sob diversos pontos de vista, da figura do rei Pedro I. Devemos,
no entanto, considerar que nem todos os escritos que utilizámos como fonte se
inscrevem num mesmo género, tal como não assumem, na sua globalidade, uma
intenção semelhante. Seria, neste sentido, pouco adequado assimilar todas as
contribuições numa caracterização única, razão pela qual optámos por abordar
separadamente os textos de intenção basicamente historiográfica e as criações
de cariz ficcional mais ou menos assumido. Por outro lado, sentimos ser
necessário particularizar a análise dos documentos oficiais do reinado de Pedro
I, exactamente por constituírem os únicos elementos coevos através dos quais
podemos deduzir, ainda que de modo indirecto, alguns traços da personalidade
deste monarca tão controverso.
A
figura do rei através dos documentos oficiais do seu reinado
Em termos cronológicos, o
primeiro documento coevo que nos pode transmitir informações sobre o Infante
Pedro é exactamente o contrato de casamento com dona Constança. Segundo Leonor
Machado Sousa, uma cláusula aí colocada pelo pai da noiva, condicionando o
casamento à inexistência de amantes na vida do infante, mostrará anteriores
desmandos femeeiros de Pedro. Fosse ou não habitual a presença
de anotações com este conteúdo nos contratos nupciais, a verdade é que nos
parece legítima a inferência apresentada, mesmo que não creiamos, como certos
autores com maior liberdade literária, num eventual casamento secreto do príncipe,
anterior a esta época. Na realidade, independentemente da veracidade da declaração
de Cantanhede, sobre o casamento com dona Inês de Castro, não podemos
ignorar o valor documental dos monumentos funerários mandados construir por
Pedro, como não devemos esquecer outras atitudes do rei que revelam a grande
vontade de assumir Inês como sua
rainha (a exumação e a trasladação do corpo, a coroação da estátua
jacente, a própria colocação dos túmulos), deixando entrever a paixão que
terá existido entre ambos, tenha ela tido o seu início antes ou após o
casamento com dona Constança. A evidente vontade do rei quanto à legitimação
dos seus filhos com dona Inês não nos parece, ainda assim, a razão única para
as atitudes e iniciativas régias atrás enumeradas.
Tanto
mais que, para tal fim, conhecemos as diversas tentativas de Pedro I, quer
junto do papa, quer através de acções concretas, como grandes doações aos
infantes, com a confirmação do futuro rei Fernando I, ou ainda as suas
presenças nas Cortes de Elvas, em 1361,
juntamente com o legítimo herdeiro do trono. A realização das Cortes em Elvas
funciona, aliás, como um marco extremamente importante da capacidade de
governar de Pedro I, mesmo tendo em conta que já haviam decorrido quatro anos
completos de reinado, acrescidos de outros dois de co-governo, pois o infante
assumiu, após o final da guerra civil subsequente à morte dona de Inês de
Castro, a plena jurisdição cível e crime
em todo o País. Não admira que o ano de 1361 seja entendido como a inauguração de um novo ciclo da acção de Pedro I. Embora realce a vontade de
tratar com igualdade todas as pretensões que lhe sejam apresentadas, esta é a
oportunidade utilizada pelo monarca para mostrar a protecção ao povo, atitude que
vai marcar a sua actuação ao longo dos tempos; simultaneamente, aproveita para
uma remodelação quase total do elenco dos
desembargadores e dá indicações seguras quanto às suas intenções
relativamente ao clero: segundo Montalvão Machado, em Elvas diminuíram-se os privilégios do Clero,
para além de que se confirmou o beneplácito
régio, já outorgado por Afonso IV. Sem dúvida que, com esta última medida,
Pedro I pretendia evitar a proliferação de documentos papais falsos, situação
bastante comum já no reinado anterior, mas também é óbvio que aproveita a
ocasião para salientar a supremacia do Estado sobre o poder espiritual, ideia
que reiterará ao longo do tempo. Em todo o caso, o rei assumiu uma posição de
firmeza para com esta classe, raramente permitindo situações de excepção: Pedro
I quis, desde logo, sublinhar o triunfo do poder real sobre o religioso». In Pedro Jorge Rodrigues, A personagem D. Pedro,
Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI, Tese de Mestrado em Estudos
Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, Coimbra, 2006,
Cortesia
de UAberta, Coimbra/JDACT