segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Maria Madalena. Século I - Século XXI. Régis Burnet. «Nas margens do lago, em que se pescava, salgava e comercializava o pescado e em que se praticava a tinturaria, instalara-se, de facto, um negócio muito próspero. De notar também a presença de um curioso edifício…»

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De pecadora arrependida a esposa de Jesus. Os dados do Evangelho
«Se nos ficarmos pelos dados estritamente evangélicos, cabe à personagem de Maria Madalena apenas um pequeno número de intervenções muito breves na narrativa. Está presente no final da vida de Jesus e é uma das mulheres que vão ao sepulcro. Os Evangelhos sinópticos só muito de passagem lhe fazem alusão. Apenas o Evangelho de João lhe atribui um papel importante: é ela a primeira a ver Cristo ressuscitado. Foi sem dúvida por causa deste episódio essencial que durante séculos se procurou dar-lhe mais importância. E era grande a tentação de assimilar diferentes personagens de mulher àquela que parecia a mais importante, a amiga de Jesus: Maria de Betânia, irmã de Marta e de Lázaro, deu uma ajuda; a pecadora perdoada, que também ela limpou com os cabelos os pés de Jesus, foi requisitada; e foi assim que Maria de Magdala se transformou em Maria Madalena. Com esta operação obtinha-se uma figura compósita ou, como dizia Bruckberger, autor de uma vida de Maria Madalena que fez furor nos anos 50, uma mulher cortada em pedaços. Esta aglomeração de várias figuras veio a ter um papel de importância capital na popularidade da santa. Assim tornada complexa, transformava-se numa personagem de primeiro plano, capaz de suscitar interesse bastante para que um romancista de sucesso do século XXI pudesse ainda incluí-la na sua intriga.

As Marias dos Evangelhos
Nos Evangelhos as mulheres têm dois grandes defeitos. Por um lado, nem sempre são tão bem individualizadas como os homens; por outro, têm todas elas uma terrível propensão para se chamarem Maria. Embora seja fácil distinguir entre elas a Virgem, evangelistas singularizam-na frequentemente tratando-a por Maria, sua mãe, no que diz respeito às demais Marias existe sempre uma certa confusão. Além disto, algumas mulheres não são identificadas: como se chamavam a mulher curada do fluxo de sangue ou a siro-fenícia?

Maria de Magdala
Em rigor, a personagem Maria Madalena não pode coincidir exactamente com a de Maria de Magdala. Nos Evangelhos, só por três vezes a vemos mencionada: na companhia de Jesus, aos pés da cruz e no sepulcro. A primeira vez que o leitor encontra Maria Madalena é numa referência breve àqueles que rodeavam Jesus. A mais desenvolvida é a de Lucas: … em seguida, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a boa nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens. Deste breve passo, é possível extrair três informações. 1ª: Maria era dita Madalena, a de Magdala (Magdalhnh); : foi curada de sete demónios; : fazia parte de um grupo de mulheres piedosas suficientemente abastadas para darem assistência ao grupo dos discípulos.
Magra colheita, a começar pela naturalidade de Maria, uma cidade cuja localização se revela muito difícil. Os arqueólogos pensam que Magdala é o nome aramaico (Migdal Nunaiya, torre do peixe) de uma povoação importante situada nas margens do lago Tiberíade, que a Antiguidade conhecia pelo nome de Tarichéia, o sítio em que se seca o peixe. Aí se localizavam grandes armazéns de pescado que abasteciam toda a bacia do Mediterrâneo. A cidade actual, Migdal, fica a 5 quilómetros de Tiberíade; foi fundada em 1910 como colonato judaico e gozou de alguma fama a partir de 1921, porque aí se instalou o famoso herói da colonização do entre-guerras, Joseph Trumpledor. Uma parte da cidade onde não havia edifícios foi comprada em 1970 pela Custódia da Terra Santa (organismo católico criado pelos franciscanos encarregados do arranjo e administração dos Lugares Santos em Israel) e aí, entre 1971 e 1977, os franciscanos Corbo e Loffreda levaram a cabo escavações sistemáticas e exumaram uma cidade rica e próspera. Havia em Magdala, um quadripórtico e alguns edifícios interessantes, entre os quais uma magnífica villa do século I d. C., ornamentada com um mosaico em que se celebram as origens da fortuna da cidade, ou seja, o comércio e a pesca. Nas margens do lago, em que se pescava, salgava e comercializava o pescado e em que se praticava a tinturaria, instalara-se, de facto, um negócio muito próspero. De notar também a presença de um curioso edifício que segundo os arqueólogos tanto pode ter sido um nympheum (um templo dedicado às ninfas) como um pequena sinagoga ou até... um conjunto de latrinas». In Régis Burnet, Maria Madalena, Século I - Século XXI, De pecadora arrependida a esposa de Jesus, História da recepção de uma figura bíblica, tradução de Margarida Correia, Gradiva, Lisboa, 2005, ISBN 989-616-067-8.

Cortesia de Gradiva/JDACT