De
pecadora arrependida a esposa de Jesus. Os dados do Evangelho
«Se
nos ficarmos pelos dados estritamente evangélicos, cabe à personagem de Maria Madalena
apenas um pequeno número de intervenções muito breves na narrativa. Está
presente no final da vida de Jesus e é uma das mulheres que vão ao sepulcro. Os
Evangelhos sinópticos só muito de passagem lhe fazem alusão. Apenas o Evangelho
de João lhe atribui um papel importante: é ela a primeira a ver Cristo
ressuscitado. Foi sem dúvida por causa deste episódio essencial que durante
séculos se procurou dar-lhe mais importância. E era grande a tentação de
assimilar diferentes personagens de mulher àquela que parecia a mais
importante, a amiga de Jesus: Maria de Betânia, irmã de Marta e de
Lázaro, deu uma ajuda; a pecadora perdoada, que também ela limpou com os
cabelos os pés de Jesus, foi requisitada; e foi assim que Maria de Magdala se
transformou em Maria Madalena. Com esta operação obtinha-se uma figura
compósita ou, como dizia Bruckberger, autor de uma vida de Maria Madalena que
fez furor nos anos 50, uma mulher cortada
em pedaços. Esta aglomeração de várias figuras veio a ter um papel de importância
capital na popularidade da santa. Assim tornada complexa, transformava-se numa
personagem de primeiro plano, capaz de suscitar interesse bastante para que um
romancista de sucesso do século XXI pudesse ainda incluí-la na sua intriga.
As Marias dos Evangelhos
Nos
Evangelhos as mulheres têm dois grandes defeitos. Por um lado, nem sempre são
tão bem individualizadas como os homens; por outro, têm todas elas uma terrível
propensão para se chamarem Maria. Embora seja fácil distinguir entre elas a
Virgem, evangelistas singularizam-na frequentemente tratando-a por Maria, sua mãe, no que diz respeito às
demais Marias existe sempre uma certa confusão. Além disto, algumas mulheres
não são identificadas: como se chamavam a
mulher curada do fluxo de sangue ou a siro-fenícia?
Maria de Magdala
Em
rigor, a personagem Maria Madalena não pode coincidir exactamente com a de
Maria de Magdala. Nos Evangelhos, só por três vezes a vemos mencionada: na
companhia de Jesus, aos pés da cruz e no sepulcro. A primeira vez que o leitor
encontra Maria Madalena é numa referência breve àqueles que rodeavam Jesus. A
mais desenvolvida é a de Lucas: … em
seguida, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e
anunciando a boa nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e algumas
mulheres que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades:
Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; Joana, mulher de
Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus
bens. Deste breve passo, é possível extrair três informações. 1ª: Maria era dita Madalena, a de
Magdala (Magdalhnh); 2ª: foi curada
de sete demónios; 3ª: fazia parte de
um grupo de mulheres piedosas suficientemente abastadas para darem assistência ao grupo dos
discípulos.
Magra
colheita, a começar pela naturalidade de Maria, uma cidade cuja localização se
revela muito difícil. Os arqueólogos pensam que Magdala é o nome aramaico (Migdal
Nunaiya, torre do peixe) de uma povoação importante situada nas margens
do lago Tiberíade, que a Antiguidade conhecia pelo nome de Tarichéia, o sítio em que se seca o peixe. Aí se localizavam
grandes armazéns de pescado que abasteciam toda a bacia do Mediterrâneo. A
cidade actual, Migdal, fica a 5 quilómetros de Tiberíade; foi fundada
em 1910 como colonato judaico e
gozou de alguma fama a partir de 1921,
porque aí se instalou o famoso herói da colonização do entre-guerras, Joseph Trumpledor.
Uma parte da cidade onde não havia edifícios foi comprada em 1970 pela Custódia da Terra Santa
(organismo católico criado pelos
franciscanos encarregados do arranjo e administração dos Lugares Santos em
Israel) e aí, entre 1971 e 1977, os franciscanos Corbo
e Loffreda levaram a cabo escavações sistemáticas e exumaram uma cidade rica
e próspera. Havia em Magdala, um quadripórtico e alguns
edifícios interessantes, entre os quais uma magnífica villa do século I d. C., ornamentada com um mosaico em que
se celebram as origens da fortuna da cidade, ou seja, o comércio e a pesca.
Nas margens do lago, em que se pescava, salgava e comercializava o pescado e em
que se praticava a tinturaria, instalara-se, de facto, um negócio muito próspero.
De notar também a presença de um curioso edifício que segundo os arqueólogos
tanto pode ter sido um nympheum (um templo dedicado às
ninfas) como um pequena sinagoga ou até... um conjunto de latrinas». In
Régis Burnet, Maria Madalena, Século I - Século XXI, De pecadora arrependida a
esposa de Jesus, História da recepção de uma figura bíblica, tradução de
Margarida Correia, Gradiva, Lisboa, 2005, ISBN 989-616-067-8.
Cortesia
de Gradiva/JDACT