sábado, 31 de janeiro de 2015

No 31. Setúbal. Sebastião da Gama. «Também aqui a leitura me deixou uma impressão profunda, em sobriedade e despojamento. David Mourão-Ferreira proporcionou um momento mágico aos seus alunos ao comunicar, o corpo sonoro e a medida de cada palavra…»

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Elegia para uma gaivota
«Morreu no mar a gaivota mais esbelta,
a que morava mais alto e trespassava
de claridade as nuvens mais escuras com os olhos.

Flutuam quietas, sobre as águas, suas asas.
Agua salgada, benta de tantas mortes angustiosas' aspergiu-a.
E três pás de ar pesado para sempre as viagens lhe vedaram.

Eis que deixou de ser sonho apenas sonhado.
É finalmente sonho puro,
sonho que sonha finalmente, asa que dorme voos.

Cantos de pescadores, embalai-a!
Versos dos poetas, embalai-a!
Brisas, peixes, marés, rumor das velas, embalaia!

Há na manhã um gosto vago e doce de elegia,
tão misteriosamente, tão insistentemente,
sua presença morta em tudo se anuncia.

Ela vai, sereninha e muito branca.
E a sua morte simples e suavíssima
é a ordem-do-dia na praia e no mar alto».
Poema de Sebastião da Gama, in ‘Os Poemas da Minha Vida, VN Azeitão, 1924-1952


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