terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Tempo no Pensamento Islâmico. Loius Massignon. «O instante marca, ao crepúsculo, o início de um Dia, yawm, que estabelece uma indicação, ou épochè, um início de era: é assim o dia 16 de Julho de 622…»

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«Desde Kant que os matemáticos nos acostumaram a considerar o tempo como uma forma a priori da nossa intuição; ligado ao espaço tridimensional, o tempo constitui a quarta dimensão do universo em expansão. Contudo, sentimos uma espécie de contracção no nosso pensamento quando julgamos captar o tempo; sentimos que há mais no possível do que no existencializado, nos dados do problema do que nas suas soluções, na procura do que nas invenções. O tempo 4ª dimensão de Minkowski continua a ser discutível. Um pensamento religioso que tende para um monoteísmo transcendente, como é o Islamismo, tem uma visão totalmente diferente do tempo. Não se trata de o inventar, o tempo é que nos revela a ordem (amr) de Deus, esse fiat (kun, kûni) que provoca os nossos actos de pessoas responsáveis. Por conseguinte, para, o teólogo muçulmano, o tempo não é uma duração contínua, é uma constelação, uma via láctea de instantes (tal como o tempo não existe, o que existe são apenas pontos). A heresiografia condena como materialistas os Dahriyûn, os filósofos que divinizam a Duração (dahr). Para o Islamismo, que é ocasionalista e só descobre a causalidade divina na sua eficiência actual, só existe o instante, hîn, ân, piscadela de olho: lamh albasar, anúncio lacónico de uma decisão judiciária de Deus, que confere ao nosso acto nascente o seu estatuto (hukm): que será proclamado no Dia em que se ouvir o Clamor de Justiça.
Esta percepção descontínua do tempo em instantes não é mera subjectividade religiosa. Para toda a comunidade muçulmana, o instante é como uma revocação autoritária da Lei, tão inevitável como inesperada. O instante fundamental na vida do Islão surge ao cair da noite, com o primeiro Crescente do mês lunar, ghurrat al-hilâl, que declara aberto um prazo, de duração variável, para o cumprimento litúrgico dessa observância legal (peregrinação, em primeiro lugar; depois, prazo de isolamento, ou viuvez?, etc.). Não é permitido prever por meio de tabelas teóricas o primeiro Crescente, há que espiá-lo, constatá-lo empiricamente, por duas testemunhas do instante. Este método é ainda hoje o de todo o Islão (à excepção dos Ismaelitas). É o iltimâs al-hilâl. Nisso, o Islamismo aproxima-se da humanidade mais primitiva, que venera na própria irregularidade das fases da lua a manifestação de uma Vontade misteriosa independente das estações solares. Quando muito, tolera-se um calendário muito primitivo, chamado das 28 mansões lunares (364 dias), que fornece empiricamente o nome da estrela (Najm), ou melhor, da constelação zodiacal em que se deve espiar a aparição do primeiro Crescente no fim do mês lunar anterior. O instante marca, ao crepúsculo, o início de um Dia, yawm, que estabelece uma indicação, ou épochè, um início de era: é assim o dia 16 de Julho de 622, dia inaugural da hégira muçulmana em Medina: são assim, antes dela, os ayyâm al-‘Arab, dado que as lutas tribais constituem o único calendário real dos árabes antes do Islamismo. Instantes de paragem para as consciências, que implicam introversão, na memória». In Loius Massignon, O Tempo no Pensamento Islâmico e outros textos, tradução de Maria Figueiredo, Fundação Oriente, Edições Cotovia, Lisboa, 1983, 1997, ISBN 972-8028-98-9.

Cortesia da FOriente/JDACT