sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «Concedeu à duquesa uma renda de 4000 libras, assim como recompensou generosamente o chanceler Nicolas Rolin e vários cavaleiros do Tosão de Ouro…, a acção diplomática do marido, Filipe incumbi-la-á, mais tarde, de novas missões junto de Carlos VII»

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O nascimento do herdeiro Carlos
«(…) Com a honra restabelecida, o duque havia igualmente protegido e alargado os seus domínios. O cronista La Taverne conta que dona Isabel observou a cerimónia do quarto de um monge com vista para o coro da igreja. Esse monge, Antoine La Taverne, da mesma abadia manteve um diário das negociações do Tratado e legou-nos todos os pormenores. O envolvimento da duquesa nas complexas negociações que restabeleceram a paz nos territórios do Sul pertencentes ao ducado pode medir-se pela rapidez com que preveniu o irmão, o rei Duarte de Portugal, resumindo-lhe as cláusulas do tratado e sublinhando a mudança de atitude dos duques relativamente à sua aliança com o ocupante inglês e a consequente fidelidade à França. Do mesmo modo, o facto de a sua intervenção não ter favorecido os ingleses, mau grado os laços familiares com os representantes destes, está confirmado pelo reconhecimento demonstrado por Carlos VII que, em retribuição, concedeu à duquesa uma renda de 4000 libras, assim como recompensou generosamente o chanceler Nicolas Rolin e vários cavaleiros do Tosão de Ouro. Depois desta provação, em que a duquesa secundou, com a sua personalidade, a acção diplomática do marido, Filipe incumbi-la-á, mais tarde, de novas missões junto de Carlos VII.

O caso de Calais
O Tratado de Arras provocou grande descontentamento entre os ingleses, que tudo farão para enfraquecer o duque sublevando a Flandres. Pressionado pelos seus conselheiros e senhores das cidades vizinhas, Filipe toma a iniciativa e reúne fundos, homens e material para assaltar o porto de Calais, nas mãos dos britânicos, que o utilizam para introduzir no continente as lãs inglesas. A duquesa Isabel desdobra-se entre Gand e Bruges, secundando o duque nestes preparativos, continuando assim em oposição à sua família do outro lado da Mancha. Filipe desloca-se, em Abril de 1436, à Holanda, para recrutar navios. Apoiado pelo povo de Gand, põe em curso acções militares para arrancar Calais aos ingleses. Apesar da mobilização conseguida, o duque abandona o cerco, renunciando a invadir a cidade. O duque de Gloucester replicara, desencadeando operações de pilhagem numa parte da Flandres. Depois de ter falhado a tentativa de retomar a fortaleza de Crotoy na embocadura do rio Somme, o duque viu explodirem várias revoltas nas cidades flamengas, assoladas pela miséria. Nesse tempo, dona Isabel ocupava-se ainda da administração, reunindo o conselho em Gand. Mas foi forçada a implicar-se no apoio às operações militares, reunindo somas de dinheiro, mobilizando as forças dos nobres e preparando o envio de um reforço à frota de Écluse. Fundamentando-se na sua correspondência, M. Sommé relata o detalhe destas acções, que ocuparam a duquesa ao longo dos anos de 1436-1437, comparando-as às funções exercidas anos antes, durante a sua agitada permanência em Dijon. Depois da derrota diante de Calais, o duque encarregou a esposa de outras missões delicadas. De um lado, era preciso mobilizar o exército para rechaçar os ingleses que invadiam a região de Oostburg, e, do outro, convencer os flamengos a combatê-los. No princípio de Agosto, a duquesa reuniu-se em Gand e em Bruges com os deputados desta cidade e sem perda de tempo enviaram um contingente a proteger o porto de Écluse. Ela ocupava-se, pois, dos deveres árduos do momento, fosse no tocante a uma gestão atenta da diplomacia, fosse abrindo o saco das libras que a tropa esperava. As capacidades de organização e de negociação de dona Isabel, em substituição do duque, tornavam-se particularmente oportunas na medida em que os territórios do Estado borgonhês estavam a ser cobiçados pelos seus poderosos vizinhos.
Uma vez que os esforços de mobilização militar não se concretizavam, Bruges sublevou-se a 26 de Agosto de 1436. Os revoltosos mataram o bailio Tassart Brisse e capturaram o capitão do porto de Écluse, Roland de Uutkerque, que não havia acolhido as milícias no regresso de Oostburg. Dona Isabel, tendo junto de si o filho Carlos, viu-se obrigada a deixar Bruges a 28, não sem antes ter sido detida e enxovalhada, bem como outras damas do seu séquito como Marguerite de Commynes e Marguerite de La Trémoille. Acontecimentos violentos tinham, entretanto, abalado a confiança da duquesa: Carlos fora detido e retido pelos revoltosos de Gand na estrada de Calais e o almirante de Flandres, Jean Hornes, acabara ferido de morte por eles a 13 de Agosto. Dona Isabel ficou de tal maneira afectada que posteriormente virá a recusar vários convites dos administradores de Bruges para regressar à sua cidade; só lá voltará em 1438». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT