«Em 1318, os soberanos Dinis I e
dona Isabel decidiram fazer do mosteiro feminino cisterciense de S. Dinis de
Odivelas, o panteão familiar e, em sentido mais lato, o panteão régio.
Até àquela data, tinha sido a galilé, o nartex, espaço localizado
no exterior do templo, do Mosteiro de S. Cruz de Coimbra, primeiramente,
da Abadia de S. Maria de Alcobaça, em seguida, a acolher as sepulturas dos reis
da primeira dinastia e dos seus familiares. A pesquisa de arquivo, levada a
cabo no Arquivo Secreto Vaticano e no Instituto dos Arquivos Nacionais, Torre
do Tombo (Lisboa), e a reconstrução do contexto histórico no âmbito do qual o casal
régio tomou esta resolução, permitiram fazer luz sobre esta particular
circunstância até há pouco tempo desconhecida da historiografia portuguesa. A
decisão de criar um panteão régio no mosteiro de Odivelas deve-se à
iniciativa do monarca Dinis. Esta enquadrava-se no desenho de reconciliação e
pacificação familiar trazido pelo soberano no regresso da peregrinação a
Santiago de Compostela, onde se dirigiu para se recolher em oração no túmulo do
Apóstolo, nos primeiros meses do ano de 1318
(o rei dirigiu-se a Compostela em
meados do mês de Janeiro desse ano, 1318,
chegando ao destino por ocasião da festa de Nossa Senhora da Purificação, 2 de
Fevereiro; sobre a peregrinação do monarca Dinis a Compostela e à análise dos
factos ocorridos em 1318).
Na tentativa, e na esperança, de aplacar os diferendos surgidos, ao longo de 1317, com o herdeiro do trono e a
rainha e que exigiram a mediação do papa João XXII, o rei manifestou a intenção
de tornar o mosteiro, por ele fundado à volta de 1295, um espaço simbólico de
unificação do Reino. A partir daquele momento, dedicou-se a pôr em acto o
seu propósito. De resto, a determinação do monarca foi bem acolhida e totalmente
partilhada pela rainha dona Isabel, que decidiu legar a própria memória ao
cenóbio cisterciense de Odivelas, junto com o marido. De facto, como se deduz
do conteúdo da carta enviada pelo papa João XXII a Dinis, em Fevereiro de 1319,
o casal régio nutria uma especial devoção
para com o Mosteiro de S. Dinis de Odivelas, onde elegeram a sua comum
sepultura. A especial devoção dos soberanos,
nomeadamente do monarca Dinis, ao mosteiro, concretizara-se, durante os
primeiros vinte anos de vida do instituto, em generosas doações, concessões de privilégios
e isenções, destinadas a acrescentar o já conspícuo património de base.
As investigações até hoje
desenvolvidas não nos permitem saber se o projecto de criar no mosteiro de
Odivelas o panteão régio existia, na mente do rei, desde a sua instituição. Não
obstante isto, algumas passagens da carta de dotação, redigida em 1295 por João Martins Soalhães, bispo
de Lisboa, poderiam eventualmente reflectir as ambições da Coroa sobre o
cenóbio numa perspectiva de longa duração de tipo familiar, além de considerar
a fundação como uma genérica iniciativa piedosa do soberano que, com isso,
acrescentaria o seu prestígio pessoal. Também algumas circunstâncias,
recentemente objecto duma nossa intervenção, nomeadamente a propensão de dona
Isabel para com a espiritualidade cisterciense durante grande parte da sua
existência e a exigência manifestada por uma jovem rainha de viver momentos de
oração junto com a pouco propensa e reservada comunidade de Alcobaça, poderiam
levar a pensar na influência exercida pela soberana na decisão do rei Dinis de
fundar ex novo um instituto de monjas bernardas. Desta forma, os
membros da família real teriam podido aceder ao interior do mosteiro sem pedir
autorizações especiais às autoridades competentes, além de serem os principais
fruidores in spiritu das orações da comunidade religiosa.
É certo, de qualquer modo, que, em 1318, o Mosteiro de S. Dinis de
Odivelas se tornou o lugar que deveria acolher os despojos mortais e guardar a
memória dos soberanos, presentes e futuros. Não deixa alguma dúvida a este
propósito o facto de, na documentação produzida, quer pelo rei em favor do
mosteiro, quer pela abadessa em nome do convento de Odivelas, mormente no
biénio 1318-20, se recorrer a frases que evocam a possibilidade de
frequentação do cenóbio, no presente e no futuro, por parte de reis, rainhas,
infantes e infantas, não deixa quaisquer dúvidas a este propósito. Nalguns
casos Dinis é ainda mais explícito,
nomeadamente quando faz referência aos Reis e Rainhas e infantes e
Infantas que depois em esse mosteiro jouverem. No Reino de Portugal é a
primeira vez, com respeito ao passado, que um monarca, no caso específico, Dinis, conscientemente expressa e põe
por escrito a vontade de fazer, não duma capela, mas dum inteiro instituto,
cuja fundação se deve à sua própria iniciativa, um lugar simbólico, custódio da
memória da monarquia, um panteão régio. Uma prova, de tipo material e
iconográfico, do propósito partilhado e posto em acto pelo rei Dinis e dona Isabel,
é o selo em cera da abadessa Urraca Pais de Molnes, em funções de 1318
a 1340. Neste, figura a imagem da religiosa, de pé sobre uma espécie
de pedestal, protegida por um
baldaquino triangular, à direita do qual se encontram dois escudos: as armas do
Reino de Portugal, em cima, e as armas do Reino de Aragão, em baixo.
Trata-se dum unicum no panorama da esfragística monástica
medieval portuguesa: com uma evidência fotográfica, este selo dá-nos testemunho do
envolvimento do casal régio no projecto em execução em 1318. Os terramotos que afectaram a
área onde antigamente se erguia o mosteiro, não nos permitem ter uma ideia de
como deveria ser a fábrica originária; mesmo assim, fontes seiscentistas
informam-nos da generosa disponibilização de dinheiro por parte da Coroa, da
grandiosidade do projecto, do empenho de vários anos, por parte de distintos
arquitectos, e da magnificência do complexo». In Giulia Rossi Vairo, O Mosteiro de S. Dinis de Odivelas, Panteão Régio
(1318-1322), Tese apresentada pela primeira vez em Actas. IV Congreso Internacional sobre el
Císter en Portugal y Galicia, Xunta de Galicia, Isabella d’Aragona, Rainha Santa de Portugal, e il
Monastero di S. Dinis di Odivelas, in Ourense 2009, IHA, FCSH-UNL.
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