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Arredores
de Colónia. 1430
«Uma
pequena figura observava acaçapada por entre as ramagens mais baixas de um imenso
castanheiro. A densidade do bosque justificava a sua posição. De repente, a paciência
compensou os seus desejos e um coelho, pardo e peludo, apareceu por trás de um grosso
tronco de uma faia centenária. Mal se ergueu, esfregou o focinho com as patas dianteiras.
Quando estava mais perto, lançou-se sobre ele a toda a velocidade. Um rápido movimento
de punho, um estalido e a peça passou a estar pendente, inerte, no cinturão. Iniciou
o caminho de regresso a casa com um alegre assobio. O pai tinha-o posto fora nessa
mesma manhã chamando-lhe preguiçoso e aproveitador, mas poucas horas depois voltaria
com um coelho para o jantar e ele teria de engolir as suas palavras. Despreocupado,
continuou a subir a vereda sombria. O que viu quando chegou ao topo deixou-o paralisado:
um destacamento de cinco guardas observava-o em silêncio. Ficou especado diante
deles por uns instantes, mudo, e os soldados devolveram-lhe os olhares. Quando o
pequeno soltou a correr, regressando pelo mesmo caminho montanha abaixo,
começaram a persegui-lo. Koller, o mais rápido dos homens, largou o capacete e a
alabarda e logo o alcançou. O soldado levantou-o em bolandas e, enquanto o rapazito
esperneava no ar, esperou até que os outros chegassem. Depois, cumpriu a ordem do
chefe da guarda, que mandou atá-lo a uma árvore. Casualmente, indicou o castanheiro
atrás do qual o menino se escondera um momento antes. Ainda estavam frescas as marcas
do pulo sobre a terra húmida. Não sabes que estas terras pertencem ao
arcebispo?, gritou o oficial.
O rapaz
não respondeu. Os pulsos ardiam-lhe, amarrados pela corda. O rosto começou igualmente
a arder-lhe. O soldado tinha-o golpeado com a luva de malha. Agitava-a diante dele,
ameaçador. Ah, não falas? Ter-te-á o gato comido a língua? Vamos já verificar. Acendam
uma fogueira. Os quatro homens entreolharam-se sem compreender. Aquele furtivo era
apenas um adolescente. Confirmava-o uma sombra de buço sob o nariz, acima do lábio
superior. Não me ouvistes? Andai, instou o oficial. Instantes depois, a fogueira
chegava sem dificuldade às ramagens da árvore. As tenras folhas do castanheiro
começaram a retorcer-se sobre si próprias. O vento balançou uma delas,
desprendeu-a e fê-la cair sobre o braço do menino, onde deixou o seu rasto de fogo.
Uma queixa abafada saiu-lhe da boca. Hum... Quantos coelhos caçaste até hoje?, perguntou
de novo o oficial. Mas ele mantinha-se em silêncio, os lábios apertados, o gesto
desafiador. Não és mudo, isso é claro. E ainda assim não dizes nada. O olhar do
rapaz tornou-se esquivo. Não queria falar com aqueles soldados: a peça era sua porque
a havia conseguido com o seu esforço. E o bosque era de todos. Apertou mais os lábios
para demonstrar a sua firmeza. Vendo esse gesto de desafio, o oficial não se conformou.
Então é isso, hem? Pois agora sim, não falarás. E, brandindo o punhal, apertou
com força o pescoço do menino. Bawer, Koller, ajudai-me. Os dois soldados entreolharam-se,
assustados. Eram jovens e inexperientes e cumpriam a sua primeira missão extramuros.
Que não se mova, ordenou a um. E, tu, prende-lhe a boca. Como se fosse um cavalo.
Assim mesmo. Não tens nada para dizer?, dirigiu-se ao pequeno. É a tua última oportunidade.
Qualquer um podia ver como o terror inundava os olhos do rapaz». In Eduardo
Roca, A Oficina dos Livros Proibidos, O Conhecimento pode Mudar o Mundo, 2011,
tradução de Óscar Mascarenhas, Marcador Editora, 2013, ISBN 978-989-754-015-8.
Cortesia
de MarcadorE/JDACT