sábado, 2 de junho de 2012

A Filosofia e Ciência Modernas nos Escritos do Pe. Simão de Vasconcelos. Beatriz Domingues. «A estrutura do texto de Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil compõe-se de perguntas aos índios, seguidas de comentários das respostas, sempre tentando "medir" a sua concordância com teses antigas e recentes que os europeus vinham discutindo»



Cortesia de purl

«O Pe. Simão de Vasconcelos nasceu no Porto em 1597, onde estudou humanidades, filosofia e teologia, e veio para o Brasil aos dezanove anos, quando entrou para a Companhia de Jesus. Acompanhou o padre Vieira na embaixada da Restauração Portuguesa em 1641 e retornou ao Brasil em 1642. Ocupou quase todos os cargos da Companhia de Jesus no Brasil (reitor do Colégio da Bahia, reitor do Colégio do Rio de Janeiro e provincial). Faleceu em 1671 no Rio. O seu livro Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil (1668), foi publicado juntamente com a História da Companhia de Jesus no Brasil. A opção por Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil deve-se ao facto de neste livro, em que se propõe a escrever a história do Brasil desde a sua descoberta até a morte do primeiro jesuíta do Brasil e da América, Manoel da Nóbrega, Vasconcelos dedica-se a fazer perguntas e oferecer conjecturas e respostas para diferentes aspectos da vida brasileira, tais como clima, povoamento, costumes, etc., nos quais é possível identificar uma visível conexão com as principais questões teológicas, filosóficas e científicas debatidas na Europa do século XVII.
A História da Companhia de Jesus no Brasil percorre o período de Nóbrega até ao padre João de Almeida, e é mais direccionada para a história da actuação da Companhia de Jesus no Brasil. Ainda assim, o frontispício da História da Companhia de Jesus no Brasil é uma bela alegoria, cujo quadro é constituído por motivos da fauna e flora do Brasil e objectos científicos, o globo terrestre e a ampulheta. Ao centro, o mar, e nele um galeão armado, simbolizando a Companhia. Nas velas enfunadas: Unus non sufficit Orbis, aludindo ao Novo Mundo. Dentro do galeão alguns jesuítas, empenhando o que vai à frente (Nóbrega) o estandarte da Companhia com a divisa I.H.S.
A estrutura do texto de Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil compõe-se de perguntas endereçadas pelo Pe. Simão de Vasconcelos aos índios, seguidas de comentários das respostas a ele oferecidas, sempre tentando "medir" a sua concordância com teses mais antigas e recentes que os europeus vinham discutindo até então. Neste sentido, é um documento riquíssimo para o nosso propósito de tentar equacionar a inserção do autor na história intelectual do século XVII a partir de suas afinidades e discordâncias com as novas abordagens filosóficas e científicas então emergentes na Europa, que tanto impacto tiveram na história da ciência e da filosofia.
Como tantos outros ibéricos do século XVII, Vieira inclusive, Vasconcelos não escapou da obsessão com o enaltecimento do século XVI, seus empreendimentos marítimos, coloniais, científicos e religiosos, no qual se inclui a criação da Companhia de Jesus e sua instalação no Brasil. Aliás, não só para ele como para muitos outros jesuítas, a história da Companhia de Jesus e de sua instalação no Brasil são, a rigor, uma só. Está também presente nele, como em Vieira e nos puritanos da Inglaterra e da Nova Inglaterra, a busca de poucas e seguras certezas característica das chamadas "revoluções" científica e religiosa.

A Inclusão do "Novo Mundo" no "Velho Mundo"
A própria forma como se apresenta o texto, enunciando dúvidas enquanto uma forma pedagógica de expôr ao leitor as suas respostas, ponderando os vários pontos de vista (teorias) já existentes sobre o assunto e oferecendo-lhe, na maioria dos casos, uma solução baseada na razão, mas também na experiência, denuncia o inequívoco pertencimento de Simão de Vasconcelos ao século XVII. Como em Descartes, a dúvida, nos seus escritos como nos de Vieira, não passa de recurso retórico extremamente bem explorado. Mais do que uma atitude de abertura indiscriminada frente a novidades que pudessem vir a convencê-los, aproxima-se mais de uma forma "socrática" de conduzir e convencer o leitor.
Logo na introdução de Notícias curiosas e necessárias das causas do Brasil (1668), quando o autor se coloca frente ao desafio de seu objecto, ele previne o leitor de que:
  • é força, não já de estilo somente, mas de necessidade, que descreva primeiro este lugar (Brasil), onde as batalhas foram por uma parte feridas, e por outra tão remontadas dos olhos dos homens (europeus), que pedem para seu crédito toda a distinção e c1areza.
No Livro I ele propõe-se falar deste Novo Mundo desde o descobrimento do Brasil, do Tratado de Tordesilhas, descrevendo as suas costas, rios, portos, cabos, enseadas, etc. E coloca as seguintes questões:
  • Quem foram os primeiros progenitores dos índios? Em que tempo entraram neste Novo Mundo? De que parte vieram? De que nação eram? Por que e de que maneira entraram? Como não conservaram em seus descendentes suas cores, línguas e costumes?
 As perguntas em si, bem como a ordem em que se apresentam, já elucidam a determinação do autor de integrar a história do Novo Mundo e seus habitantes com a história cristã. A formação escolástica do autor leva-o a privilegiar, não as singularidades do Novo Mundo (embora ele sem dúvida as reconheça), mas a inserção da América e de seus habitantes no conjunto dos demais continentes (5)». In Beatriz Helena Domingues, A Filosofia e Ciência Modernas nos Escritos do Pe. Simão de Vasconcelos, Numem, Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, Juíz de Fora, volume 2.

Cortesia de Numem/JDACT