Cortesia de purl
«O Pe. Simão
de Vasconcelos nasceu no Porto em 1597, onde estudou humanidades, filosofia e
teologia, e veio para o Brasil aos dezanove anos, quando entrou para a
Companhia de Jesus. Acompanhou o padre Vieira na embaixada da Restauração
Portuguesa em 1641 e retornou ao Brasil em 1642. Ocupou quase todos os cargos
da Companhia de Jesus no Brasil (reitor do Colégio da Bahia, reitor do Colégio
do Rio de Janeiro e provincial). Faleceu em 1671 no Rio. O seu livro Notícias
curiosas e necessárias das coisas do Brasil (1668), foi publicado
juntamente com a História da Companhia de Jesus no Brasil. A opção por Notícias
curiosas e necessárias das coisas do Brasil deve-se ao facto de neste
livro, em que se propõe a escrever a história do Brasil desde a sua descoberta
até a morte do primeiro jesuíta do Brasil e da América, Manoel da Nóbrega,
Vasconcelos dedica-se a fazer perguntas e oferecer conjecturas e respostas para
diferentes aspectos da vida brasileira, tais como clima, povoamento, costumes,
etc., nos quais é possível identificar uma visível conexão com as principais
questões teológicas, filosóficas e científicas debatidas na Europa do século
XVII.
A História da Companhia de Jesus no Brasil
percorre o período de Nóbrega até ao padre João de Almeida, e é mais direccionada
para a história da actuação da Companhia de Jesus no Brasil. Ainda
assim, o frontispício da História da Companhia de Jesus no Brasil é uma
bela alegoria, cujo quadro é constituído por motivos da fauna e flora do Brasil
e objectos científicos, o globo terrestre e a ampulheta. Ao centro, o mar, e
nele um galeão armado, simbolizando a Companhia. Nas velas enfunadas: Unus
non sufficit Orbis, aludindo ao Novo Mundo. Dentro do galeão alguns jesuítas,
empenhando o que vai à frente (Nóbrega) o estandarte da Companhia com a divisa
I.H.S.
A estrutura do texto de Notícias curiosas e necessárias das
coisas do Brasil compõe-se de perguntas endereçadas pelo Pe. Simão de
Vasconcelos aos índios, seguidas de comentários das respostas a ele oferecidas,
sempre tentando "medir" a sua concordância com teses mais antigas e
recentes que os europeus vinham discutindo até então. Neste sentido, é um
documento riquíssimo para o nosso propósito de tentar equacionar a inserção do
autor na história intelectual do século XVII a partir de suas afinidades e
discordâncias com as novas abordagens filosóficas e científicas então
emergentes na Europa, que tanto impacto tiveram na história da ciência e da
filosofia.
Como tantos outros ibéricos do século XVII,
Vieira inclusive, Vasconcelos não escapou da obsessão com o enaltecimento do
século XVI, seus empreendimentos marítimos, coloniais, científicos e
religiosos, no qual se inclui a criação da Companhia de Jesus e sua instalação
no Brasil. Aliás, não só para ele como para muitos outros jesuítas, a história
da Companhia de Jesus e de sua instalação no Brasil são, a rigor, uma só. Está
também presente nele, como em Vieira e nos puritanos da Inglaterra e da Nova
Inglaterra, a busca de poucas e seguras certezas característica das chamadas
"revoluções" científica e religiosa.
A
Inclusão do "Novo Mundo" no "Velho Mundo"
A própria forma como se apresenta o texto, enunciando dúvidas
enquanto uma forma pedagógica de expôr ao leitor as suas respostas, ponderando
os vários pontos de vista (teorias) já existentes sobre o assunto e
oferecendo-lhe, na maioria dos casos, uma solução baseada na razão, mas também
na experiência, denuncia o inequívoco pertencimento de Simão de Vasconcelos ao
século XVII. Como em Descartes, a dúvida, nos seus escritos como nos de Vieira,
não passa de recurso retórico extremamente bem explorado. Mais do que uma
atitude de abertura indiscriminada frente a novidades que pudessem vir a
convencê-los, aproxima-se mais de uma forma "socrática" de conduzir e
convencer o leitor.
Logo
na introdução de Notícias curiosas e necessárias das causas do Brasil (1668),
quando o autor se coloca frente ao desafio de seu objecto, ele previne o leitor
de que:
- é força, não já de estilo somente, mas de necessidade, que descreva primeiro este lugar (Brasil), onde as batalhas foram por uma parte feridas, e por outra tão remontadas dos olhos dos homens (europeus), que pedem para seu crédito toda a distinção e c1areza.
No Livro I ele propõe-se falar deste Novo Mundo desde o
descobrimento do Brasil, do Tratado de Tordesilhas, descrevendo as suas costas,
rios, portos, cabos, enseadas, etc. E coloca as seguintes questões:
- Quem foram os primeiros progenitores dos índios? Em que tempo entraram neste Novo Mundo? De que parte vieram? De que nação eram? Por que e de que maneira entraram? Como não conservaram em seus descendentes suas cores, línguas e costumes?
As perguntas em si, bem como a ordem em que
se apresentam, já elucidam a determinação do autor de integrar a história do
Novo Mundo e seus habitantes com a história cristã. A formação escolástica do
autor leva-o a privilegiar, não as singularidades do Novo Mundo (embora ele sem
dúvida as reconheça), mas a inserção da América e de seus habitantes no
conjunto dos demais continentes (5)». In Beatriz Helena Domingues, A
Filosofia e Ciência Modernas nos Escritos do Pe. Simão de Vasconcelos, Numem,
Revista de Estudos e Pesquisa da Religião, Juíz de Fora, volume 2.
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