segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Constança. Isabel Machado. «A boa nova do herdeiro que trago no ventre, e por que haveis tão prontamente dado graças, não alterou as minhas extremas provações nesta corte»

 

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Castelo de Toro, Castela

«(…) Todos os escudeiros, pajens e aios enchiam o pátio, até os criados se perfilavam, tomados de uma súbita noção de cerimoniai pelo regresso da fidalga. Mas o olhar de Constança ficou preso numa mulher, ricamente vestida, que mal recordava. Branca Nunes Lara, a mulher do pai, frente a quem fez a reverência do respeito e pediu a bênção. A fidalga mostrou-lhe um sorriso franco e estreitou-a nos braços, Constança exultava. Entrou no castelo, disposta a esquecer o pesadelo. Já sabia tudo sobre a dor, queria experimentar a ventura.

Depois do descanso e de uma festa de gala, acordei para a realidade, que nunca se esquecia de regressar às nossas vidas. Passada a emoção do reencontro com os lugares onde pertencia, sabia que meu pai voltaria a centrar a atenção no interesse da nossa família Talvez eu fosse aperas um instrumento nas mãos dos homens, que seguiam a vontade de Deus. E os maridos de meu pai que, na Terra, podia quase tanto como um monarca coroado. Não iria permitir que o poder lhe escapasse uma segunda vez. Eu era a sua arma, que manejaria sem qualquer escrúpulo para vingar a humilhação que lhe fizera sofrer Afonso XI. Conhecia-o bem, por isso estava ciente de que haveria de preparar um golpe que pudesse, à vez, estraçalhar a honra pessoal e esmagar o poder do rei de Castela. Era esse o seu objectivo. Para isso, far-me-ia chegar bem alto. Era esse também o meu desejo.

Paço de Lisboa, Portugal, dois anos mais tarde

Senhor, Meu Pai,

A boa nova do herdeiro que trago no ventre, e por que haveis tão prontamente dado graças, não alterou as minhas extremas provações nesta corte. El-rei, meu esposo, mantém comigo um trato humilhante e, por certo, não vos daria conta das sujeições por que passo se o meu infortúnio não se tratasse também de uma questão de poder, que grande mal pode trazer para o reino de Portugal. É em grande segredo que vos confio, meu pai, que a manceba de meu esposo, Leonor Gusmão, vive na corte como se de sua mulher tomada perante Deus se tratasse. Acompanha-o nos principais acontecimentos cortesãos, deixando-me a mim no desamparo e na mais completa solidão. Os seus apoiantes, que são numerosos, pressionam o rei para que legitime os filhos que teve desta mulher, com quem o soberano alega ter casado em segredo antes de mim. Ajudai-me, senhor, não queirais ver vossa filha transformada na barregã de Afonso XI de Castela e o filho que carrego no ventre ser declarado um bastardo. Não aguentaria mais esta provação. Nem Deus ma poderia fazer passar. Estou disposta a tomar votos e a recolher-me à Sua casa, meu pai, ou ao vosso reino, se assim mo permitirdes. Rogo-vos, acudi-me, Vossa filha, Maria» In Isabel Machado, Constança, A Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6-

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