domingo, 30 de setembro de 2012

Inês de Castro. Leituras. Maria Pilar del Hierro. «Constança, se bem que não tão formosa quanto Inês, era de trato suave e agradável e, pouco a pouco, abandonou o hábito de se recolher em si própria e começou a abrir-se ao encanto indiscutível da recém-chegada. A jovem filha de João Manuel era uma menina introvertida e dócil…»


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«Dito isto, e já com modos de grande dama, seguida por Constança, regressou ao assento, junto da janela. Contudo, Constança continuava calada e a olhá-la com aqueles olhos imensos, inquisidores e muito abertos. Inês percebeu que, se queria derreter o gelo, tinha de tomar a iniciativa. Apontando para o céu, comentou:
- Olha aquela nuvem, senhora, parece um cão.
Misturava as formas de tratamento. Sabia que Constança não era mais uma das companheiras de folguedos que tinha tido até então mas, pela idade e por uma estranha cumplicidade que se ia estabelecendo entre ambas, não sabia bem se devia dar-lhe o tratamento devido à sua classe. Toda a sua vida continuava a manter esta ambiguidade de trato, nascida mais do hábito e do carinho mútuo do que da vontade expressa, por parte de Inês, de encurtar distâncias.
- Na Galiza andava sempre acompanhada por um cachorro a que pus o nome de Albo, porque tinha o pelo branco, da cor daquela nuvem. Não tendes um cão para vos acompanhar?
- Tive um, no lugar onde vivi até há pouco tempo. Foi uma sorte tê-lo. Era a única companhia da minha solidão e, quando se acercava e me lambia as mãos, confortava-me pensar que ele, ao menos, gostava de mim.
- Confortava-vos? Então, onde vivíeis que tão só estáveis? -É uma história comprida, Inês. Tentarei explicar-vos. Por azar e devido aos negócios do meu pai, fui privada da sua companhia e recolhida num castelo afastado, sem mais amigos que a minha ama e o cão. O resto, tudo hostilidade e silêncio. Inês, em ‘A Limia’, vivias com gente da tua idade? Inês olhou-a com dó. Até então tinha tomado o silêncio de Constança por indiferença, ou até por desprezo pela sua condição.
Porém, as palavras dela confirmavam os rumores sobre o frustrado compromisso matrimonial de Constança com o rei Afonso XI de Castela. O seu mutismo era, portanto, a consequência inevitável de ter crescido em solidão e afastada de tudo o que amava.
Voltou a recordar-se do solar familiar de ‘A Limia’. Vieram-lhe à memória as correrias por entre carvalhos e azinheiras, rindo-se com os irmãos e escondendo-se da ama nas sombras do bosque e não pôde deixar de sentir pena de Constança. Aquela menina de doze anos, que lhe havia parecido distante pelo seu silêncio, era, no fundo, digna de compaixão. Não era ela, Inês, a parente pobre, que precisava de companhia. Sorriu-lhe abertamente e, como era seu costume, em vez de explicar quem tinham sido os seus companheiros na Galiza, respondeu-lhe com outra pergunta.
- Não gostarias de ter um cão?

Ao contrário do que pensara, e como vaticinara a ama, Inês habituou-se rapidamente a Peñafiel. A chave foi Nieve, um cachorro branco, brincalhão e travesso que, perante o assombro da amiga, obteve sem dificuldade da generosidade do infante João Manuel. Os olhos inocentes e escuros do cão, as suas correrias de uma para a outra, a obrigação de encher-lhe a escudela ou a maneira que tinha de aninhar-se alternadamente nos dois regaços, criaram entre ambas a cumplicidade própria de pessoas que têm uma tarefa comum.
Constança, se bem que não tão formosa quanto Inês, era de trato suave e agradável e, pouco a pouco, abandonou o hábito de se recolher em si própria e começou a abrir-se ao encanto indiscutível da recém-chegada. A jovem filha de João Manuel era uma menina introvertida e dócil que, com o tempo, iria converter-se numa mulher resignada, de sorriso fugaz e palavras brandas. Talvez por isso, apreciava o riso franco de Inês, o seu carácter inquieto e até a sua capacidade de correr em campo aberto, de se relacionar com criados e senhores ou a desenvoltura com que, se necessário, trepava às árvores do pomar ou se encarcapitava pelos declives da colina em que assentava o castelo. Além disso, o infante João Manuel não se revelou um amo zeloso ou severo, e a presença de Maria del Carrión contribuiu para aplacar qualquer assomo de melancolia.
De facto, o carinho com que os 'Manuel' a tratavam compensava a falta de comodidades do castelo e a inclemência de um clima que a incomodava. Na Galiza, sempre a sua pele fora fresca e elástica, aqui ficava seca e pouco flexível. Tinha de pigarrear constantemente para aclarar a voz e de molhar os cabelos com água de rosas para manter aquela ondulação de que tanto se orgulhava. Inês, que nunca havia experimentado frios ou calores extremos, sentia-se agora gelar no Inverno e parecia morrer de calor durante o Verão. Contudo, tal como a pele se suavizava com o bálsamo que, receita herdada de uma serva moura, Constança lhe aplicava na testa e nas faces, o trato afectuoso que esta lhe proporcionava tranquilizava-lhe a alma e via-se, cada vez com maior frequência, a dar graças a Deus pela sorte que tivera.
Bastaram poucos dias para se perceber que as duas amigas eram o verso e o reverso de uma mesma moeda. Sensíveis, inteligentes e refinadas, se o que sobressaía em Inês era a luminosidade e o calor do amanhecer, em Constança era a serenidade e o recolhimento do ocaso». In Inês de Castro, María Pilar Queralt de Hierro, Editorial Presença, Lisboa, 2006, ISBN 978-972-23-3081-7.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Com isto dificilmente se pode harmonizar a declaração de queixa de João Anaya, segundo a qual o bispo João Peculiar teria dependido do abade João Cirita; João Cirita deve antes ter sido o sucessor de João Peculiar em Lafões»


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«Já antes de Inocêncio II havia em Portugal numerosos conventos beneditinos, e aqui e além, talvez, também um mosteiro de cónegos regrantes. Mas nenhum deles atingiu importância de maior no século XI ou no primeiro terço do século XII. Os conventos existentes permaneciam isolados e não se associavam em congregações. Os esforços reformadores dos clunicenses e dos augustinianos da França meridional dificilmente atingiram os conventos portugueses. E também a actividade colonizadora, que deu tão grande importância aos monges no resto da Espanha e mais tarde também em Portugal, parece até então não ter começado ainda, razão porque tampouco se ouve falar de protecção ou grande auxílio prestado pelos governantes aos conventos, como de privilégios concedidos aos mesmos pelos Papas. Só a fundação do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em 1131 iniciou um progresso em todas estas direcções.
O fundador oficial de Santa Cruz é o arcediago Telo, e mais tarde o próprio rei Afonso Henriques se intitulou fundador do mosteiro. Mas quem verdadeiramente promoveu e determinou o especial desenvolvimento desta igreja, não foi nenhum dos dois, foi a bem dizer o bispo João Peculiar. Ei assim como é clara para nós hoje a obra deste homem, pelo menos nos seus principais traços, assim nos é desconhecida a sua personalidade. Apaixonado e até por vezes impulsivo e impetuoso, bem o parece ter sido; tenaz, mas não caprichoso; homem prático, que ponderava prudentemente, se não deixava intimidar e nunca ambicionava o inatingível. A grande autoridade que alcançou, punha-a sempre ao serviço da sua pátria e do seu Príncipe. Como homem da Igreja, cuidou sobretudo de organização. Ou era francês de origem ou tinha estado cedo em França, assim trouxe para a carreira eclesiástica conhecimentos e ideias que lhe asseguraram influência importante desde princípio.

NOTA: A favor da nacionalidade portuguesa do Johannes Peculiaris fala o facto de, em 1152, um sou irmão e uma sua irmã estarem em Portugal e aqui possuírem terras; o documento que prova isto já foi aduzido por S. Maria, Chronica dos Cónegos Regrantes II 444 e encontra-se no livro de JoãoTeotónio, fl.47. A isto impõe-se a passagem muito citada da Vita Tellonis (P. M. H. SS. I 65): Venarat siquidem juvenis quidam Johannes nomine Peculiaris agmomine… Siquidem in suo de Gallie partibus adventu… Que se trate apenas de passageira demora em França, é possível, mas não provável, se atendermos ao sentido das palavras.

Graças ao atraso em que se encontrava ainda Portugal, a sua primeira obra foi a fundação do convento de S. Cristóvão de Lafões que ele próprio dirigiu como abade.

NOTA: Cf. sobretudo o diploma de Afonso Henriques a favor de Lafões em Brandão III 394 App.21. O passo da Vita Tellonis a.a.O.: quoddam suo ducatu et doctrina statuit monasterium apud samcturn Christoforum é menos digna de crédito por isso que no original, Livro Santo fol, 2, à palavra quoddam se segue uma rasura, que parece relativamente moderna, de cerca de 20 letras. Que o próprio João era o abade, deduz-se da sua escritura a favor de Grijó de 26 de Outubro de 1137, no Livro Baio Ferrado de Grijó, fol. 5. Com isto dificilmente se pode harmonizar a declaração de queixa de João Anaya, segundo a qual o bispo João Peculiar teria dependido do abade João Cirita; João Cirita deve antes ter sido o sucessor de João Peculiar em Lafões.

Depois, João Anaya, Prior da Catedral de Coimbra, nomeou-o cónego e magister scholarum e nesta situação uniu-se com o Arcediago Telo.
Este último, tendo ficado desiludido com a impugnação da sua eleição para bispo e tendo caído em forte oposição com o bispo e a maior parte do cabido, planeou a fundação dum convento de cónegos regrantes que lhe devia conceder situação independente. O seu conselheiro, que em tudo lhe dava as directivas, era João Peculiar, e com o auxílio do jovem Afonso Henriques, que souberam interessar pelo plano, conseguiu-se a fundação do convento e da igreja de Santa Cruz junto de Coimbra. Atritos com o bispo e com o cabido, havia-os repetidas vezes. Em compensação encontrava o mosteiro apoio em Afonso Henriques que em breve começou a dotá-lo ricamente, e o escolheu para sua sepultura». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.


Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT

sábado, 29 de setembro de 2012

Capitães do Brasil. Elaine Sanceau. «Inesperada ou não, era uma terra encantadora que se revelou ao outro dia, ao amanhecer, quando os navios desferraram as velas para se aproximarem da costa. Todas de verde brilhante, árvores enormes erguiam os seus topes para o azul ferrete do céu»

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Terra da Vera Cruz
«Aos 24 dias de Abril, que foi quarta-feira da oitava da Páscoa, houve a dita armada vista de terra, de que teve grande prazer, diz um marinheiro anónimo. O que daqui se depreende não é que houvesse muita surpresa, mas apenas um interesse agradável. E a terceira testemunha ocular que deixou o seu relato não parece mesmo anunciar qualquer nova de descoberta:
  • ‘quanto Señor al sytyo desta terra, informa Mestre João, físico, dirigindo-se ao rei Manuel I, mande vosa altesa trazer un mapamundy que tyene Pero Vaz Bisagudo, e por ay podera ver vosa altesa al sytyo desta terra, en pero aquel mapamundy nõ çertyfica esta terra ser habytada o no, es mapamundy antiguo’.
Inesperada ou não, era uma terra encantadora que se revelou ao outro dia, ao amanhecer, quando os navios desferraram as velas para se aproximarem da costa. Todas de verde brilhante, árvores enormes erguiam os seus topes para o azul ferrete do céu; o mar, também azul ferrete, desfazia-se em ondas translúcidas sobre a fina areia da praia, e o vento, fresco e rescendente, era como uma carícia. A Pero Vaz de Caminha lembrava--lhe a brisa do Verão no seu Entre-Douro-e-Minho natal.
A armada lançou ferro na foz dum rio que corria por entre as sombras verdes. Os capitães reuniram-se na capitaina e discutiram os seus planos com os pilotos. Não era esta uma reunião de personalidades banais a que presidia Pedro Álvares Cabral.
O Capitão-General, fidalgo alto e magro, era um soldado valente, mas ao mesmo tempo homem brando, mesurado e de juízo prudente, qualidades que tinham presidido à sua escolha, como também a distinção do seu parentesco. Homem experimentado como era, podiam bem confiar-lhe o comando, no que o auxiliariam os seus distintos subordinados.

O primeiro de todos era Bartolomeu Dias, que descobrira o Cabo de Boa Esperança. Com ele ia Diogo Dias, seu irmão, de feitio alegre, que acabara de regressar da Índia com Vasco da Gama. Também ali ia Nicolau Coelho, que na viagem à Índia comandara a caravela ‘Bérrio’. Havia ainda o famoso piloto Pero Escobar, explorador das cataratas do Congo com Diogo Cão, uns 13 anos antes, e que fora à Índia no navio de Nicolau Coelho». In Elaine Sanceau, Capitães do Brasil, Fundação Gulbenkian, Livraria Civilização Editora, Porto, 1956.

Cortesia de Livraria Civilização/JDACT

A mulher de Alaude. Pintura. «Quase todas as pinturas, ditas sociais, são concepções românticas, um esforço para acomodar a realidade aos nossos desejos. O desejado conceito da perfeição humana»



Cortesia de wikipedia

Quando uma pintura chega a ter êxito, aquilo que nela havia de mais activo em momentos anteriores torna-se menos claro e é ultrapassado por aquilo que nela é mero produto dessa actividade. É por isso que é bom olhar de vez em quando para trás. Tudo o que em nós há de original conservar-se-á tanto melhor e será tanto mais apreciado, quanto mais formos capazes de não perder de vista os nossos antepassados’». In Johann Wolfgang von Goethe, ‘Máximas e Reflexões’.


Cortesia de wikipedia

Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.
Será quantitativa ou qualitativa a diferença entre a essência dessa coisa imperfeita e a essência do que consideramos perfeição; quantitativa como se disséssemos da noite, comparando-a ao dia, que é imperfeita porque é menos clara; qualitativa como se, no mesmo caso, disséssemos que a noite é imperfeita porque é o contrário do dia.
Este ideal de perfeição é o ideal helénico, ou o que pode assim designar-se, por terem sido os gregos antigos quem mais distintivamente o teve, quem, em verdade, o formou, de quem, por certo, ele foi herdado pelas civilizações posteriores. Porque é vil e terreno, o corpo morre; não dura o prazer, porque é do corpo, e por isso vil, e a essência do que é vil é não poder durar; desaparece a juventude porque é um episódio desta vida passageira. Teremos a vida por ilusória; não já imperfeita, como para os gregos, por não ser perfeita; não já imperfeita, como para os cristãos, por ser vil e material; senão imperfeita por não existir, por ser mera aparência, absolutamente aparência, vil portanto, se vil, não tanto com a vileza do que é vil, quanto com a vileza do que é falso. É deste conceito de imperfeição que nasce aquela forma de ideal que nos é mais familiarmente conhecida no budismo, embora as suas manifestações houvessem surgido na Índia muito antes daquele sistema místico, filhos ambos, ele como elas, do mesmo substrato metafísico. É certo que este ideal aparece, com formas e aplicações diversas, nos espiritualistas simbólicos, ou ocultistas, de quase todas as confissões’. In Fernando Pessoa, ‘Textos de Crítica e de Intervenção’.


Cortesia de wikipedia

A harmonia do comportamento social requer, todos o sabemos, tanto o isolamento como o convívio. Excessiva comunicação, debates exagerados de assuntos que requerem meditação e peso moral, avesso muitas vezes à cordialidade natural das afinidades eléctivas, não enriquecem o património de uma sociedade. Antes embotam e alteram o terreno imparcial da sabedoria. A solidão favorece a intensidade do pensamento; por outro lado, torna de certo modo celerado o homem que lida com a força material, com a técnica. O impulso é a força que actualiza estas duas atitudes. Todo o revolucionário é associal, se o impulso for nele um desvio da vida instintiva, e não uma atitude de homem capaz de obedecer e mandar a si próprio. ‘A felicidade máxima do filho da terra há-de ser a personalidade’ - disse Goethe. Personalidade criadora, obtida à custa do ajustamento das nossas próprias leis interiores, que não serão mais, no futuro, forças repelidas ou encobertas, mas sim valiosas contribuições para o tempo da pintura. Quando tudo for analisado e conhecido, só o justo há-de prevalecer’». In Agustina Bessa-Luís, ‘Alegria do Mundo


Cortesia de wikipedia

Talvez as pinturas e/ou objectos sejam consoladores. Em especial os antigos, feitos de barro ou de tela, feitos por homens com outra mentalidade. As pinturas e/ou objectos são aquilo que não somos, aquilo que nunca chegaremos a ser. Será que as pessoas fazem as coisas para definir os limites da personalidade? As pinturas e/ou objectos são os limites de que necessitamos desesperadamente. Mostram-nos onde terminamos. Dissipam temporariamente a nossa tristeza’. In Don DeLillo, ‘Os Nomes’.

Cortesia de O Citador/JDACT

A Tavolagem do Besteiro. Lisboa século XV. Vitorino Nemésio. «… jazia a Alfama, a cuja frente se elevava a velha catedral. A Alfama fora no tempo do domínio serraceno o arrabalde de Lisboa gótica; fora o bairro casquilho, aristocrático, alindado, culto quando a Medina Achbuna pousava enroscada…»



jdact e cortesia da literaturaacoriana

Ordenamos e estabelecemos por lei que nós nem outrem do nosso senhorio, de qualquer estado e condição que seja, nem tenha tavolagem em praça, nem em escondido’. In Livro das Leis e Posturas Antigas, Lei de Afonso IV.

«Quem hoje se encaminhar ao longo da rua vulgarmente chamada dos Capelistas, dobrar o penúltimo quarteirão da rua Nova da Princesa e seguir pela rua dos Confeiteiros, caminho da Ribeira Velha, terá passado por cima da sepultura das mais nobres ruínas da antiga Lisboa. A rua Nova, designada assim por antonomásia, passava pouco mais ou menos pelo sítio em que hoje está lançada a rua Nova de El-rei: a sua origem remontava quase ao berço da monarquia e já no tempo do rei Fernando I era o centro da actividade comercial da cidade, então frequentada de estrangeiros de diversas nações, que vinham buscar o nosso trato e comércio. Depois da feitura da nova muralha (1373-5) prolongava-se com esta e vinha findar nas proximidades da moderna igreja de S. Julião pelo lado do ocidente, enquanto pelo topo oriental terminava no Pelourinho Velho. Aqui, a povoação dividia-se como em dois troncis:
  • um que, subdividido em muitos ramos de ruas enredadas e escuras, subia para a Alcáçova;
  • outro que seguia ao longo da muralha e ia desembocar fora das Portas do Mar, no bairro chamado Vila Nova de Gibraltar.
Entre estas duas divisões jazia a Alfama, a cuja frente se elevava a velha catedral. A Alfama fora no tempo do domínio serraceno o arrabalde de Lisboa gótica; fora o bairro casquilho, aristocrático, alindado, culto quando a Medina Achbuna pousava enroscada tristemente no seu ninho de pedra, no que depois se chamou a Alcáçova e hoje o Castelo. Quando, porém, no século XIII a população cristã, alargando-se para o ocidente, veio expulsar os judeus do seu bairro primitivo, situado na actual cidade baixa, e os encantou para a parte do sul da catedral, a Alfama foi perdendo gradualmente a sua importância, e converteu-se afinal num bairro de gente miúda e, sobretudo, de pescadores. A rua Nova, a porta de Lisboa, rica de seiva, chamara a redor de si toda a vida da povoação. A velha judiaria era agora o coração da cidade, e a Alfama, em parte feita plebeia, e judaizando em parte, viu pender e murchar a sua guapice, transitória e morredoura como todas as glórias do mundo.
Nesse bairro, no fim da rua chamada há séculos das Canastras, junto às Portas do Mar, corria uma casa baixa, mas solidamente edificada, a qual contrastava com as que lhe estavam próximas pela sua muita antiguidade: as duas janelas, cujas vergas se arqueavam à feição de uma ferradura, abertas nos dois extremos da frontaria, a igual distância do largo e achatado portal que lhes ficava no meio, desdiziam das frestas pontiagudas e estreitas que davam luz às moradas vizinhas, bem como o portal, igualmente terminado em volta de ferradura, contrastava com as elegantes portadas góticas dos outros edifícios, cujos telhados angulosos e bordados de ameias também diversificavam do tecto daquele edifício mourisco, que oferecia aos seus habitadores um eirado espaçoso, onde pelas madrugadas serenas ou ao pôr do Sol de um dia de estio, podiam ir respirar uma viração mais pura, que raras vezes passava pelas ruas tortuosas, estreitas e imundas da velha cidade.
Eram perto das seis da tarde do dia 6 de Maio do ano de 1389. No pequeno terreiro que dizia, pela parte inferior do muro, para as Portas do Mar, já mal se divisavam os objectos, porque a noite descia rapidamente do lado oriental, posto que ainda o clarão avermelhado do crepúsculo tingisse os altíssimos coruchéus azulejados que serviam de topo e remate às torres da catedral». In Vitorino Nemésio, Portugal a Terra e o Homem, Antologia de Textos de Escritores dos séculos XIX-XX, Edição da F. C Gulbenkian, Lisboa, 1978.

Cortesia da F. C. Gulbenkian/JDACT

Serões na Aldeia. Poesia. Política. «Revolta é ter-se nascido sem descobrir o sentido do que nos há-de matar. Rebeldia é o que põe na nossa mão um punhal para vibrar naquela morte que nos mata devagar. E coroados de apupos teremos a vitória de nos rirmos do mundo num leito vazio»


Pintura de Maluda
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Do Sentimento Trágico da Vida
Não há revolta no homem
que se revolta calçado.
O que nele se revolta
é apenas um bocado
que dentro fica agarrado
à tábua da teoria.

Aquilo que nele mente
e parte em filosofia
é porventura a semente
do fruto que nele nasce
e a sede não lhe alivia.

Revolta é ter-se nascido
sem descobrir o sentido
do que nos há-de matar.

Rebeldia é o que põe
na nossa mão um punhal
para vibrar naquela morte
que nos mata devagar.

E só depois de informado
só depois de esclarecido
rebelde nu e deitado
ironia de saber
o que só então se sabe
e não se pode contar.
Natália Correia, in “Poemas” (1955)

Pintura de Maluda
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Caminharemos de Olhos Deslumbrados
Caminharemos de olhos deslumbrados
e braços estendidos
e nos lábios incertos levaremos
o gosto a sol e a sangue dos sentidos.

Onde estivermos, há-de estar o vento
cortado de perfumes e gemidos.
Onde vivermos, há-de ser o templo
dos nossos jovens dentes devorando
os frutos proibidos.

No ritual do verão descobriremos
o segredo dos deuses interditos
e marcados na testa exaltaremos
estátuas de heróis castrados e malditos.

Ó deus do sangue! deus de misericórdia!
Ó deus das virgens loucas
dos amantes com cio,
impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas,
unge os nossos cabelos com o teu desvario!

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado,
fustiga-nos os membros como um látego doido,
numa chuva de fogo torna-nos sagrados,
imola-nos os sexos a um arcanjo loiro.

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos,
arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas,
atapeta de flores a estrada que seguimos
e carrega de aromas a brisa que nos toca.

Nus e ensanguentados dançaremos a glória
dos nossos esponsais eternos com o estio
e coroados de apupos teremos a vitória
de nos rirmos do mundo num leito vazio.
Ary dos Santos, in “Liturgia do Sangue”

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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Crónica Esquecida d’el rei João II. Seomara Veiga Ferreira. Leituras. «O infante Pedro organizou a defesa do Reino: a comarca da Beira sob o comando do infante Henrique; entre Tejo e Guadiana, ao infante João; a cidade do Porto a seu homem de confiança Aires Gomes da Silva. Amieira será cercada pelo seu irmão de armas, mais velho, de larga experiência…»



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«Ele, Afonso, nesta história era lobo e era touro, atacara com as armas que tinha à mão. Mestre Tadeu, que à altura tinha uns quarenta anos, quando em 49 morreu o Infante Pedro, contou-me muitas vezes a história. Ele já residia dantes por Lisboa numas casas velhas por detrás do horto do terreno onde se construiu mais tarde o Hospital de Todos-os-Santos, embora possuísse a sua velha casa na judiaria. É um erro alguém pensar que ao Infante Pedro acariciava a ideia de um governo central fraco, de um poder real fraco, para assim poder governar à vontade. Mesmo que o poder tenha sido um dos seus sonhos, se não o maior, tal afirmação é uma redonda mentira. E a história subsequente comprovou-o bem, com a bacanal de imbecilidade que foi a governação do rei Afonso que distribuiu literalmente o reino em bocados à sua volta para comprazer a nobreza, as grandes casas da velha aristocracia (e a da nova, como os Barcelos e os Braganças) e todos os ambiciosos da sua época.
D. Leonor enviara parte do seu dote em dinheiro e as jóias para a irmã Maria, em Castela. No Crato esperava que os Infantes de Aragão a viessem vingar. O infante Pedro que, por sua mulher, era herdeiro de Aragão com seus filhos, deve ter visto neste tresloucado acto da cunhada mais que uma traição, uma provocação tremenda. O pobre prior do Crato, por de mais senil e sem saber onde se meter, mas conhecendo a sagacidade do Infante, manda-lhe um filho prestar juramento de fidelidade e depois prepara-se para recambiar a rainha para Castela, para a fronteira. No Crato, a rede de servidores do Infante seguira a infeliz Leonor de Transtâmara e esses servidores secretos do Infante mantinham-no a par de todos os actos da cunhada. Pedro, de momento, tinha o jogo ganho porque quando o velho Afonso de Barcelos perdera em Cortes, por votos, o cerceamento de poderes a conceder ao Regente, este permitir-se-ia sempre actuar como rei.
E actuou. Por isso, o irmão bastardo optou pela rebelião declarada ou semideclarada.

O infante Pedro organizou a defesa do Reino: a comarca da Beira sob o comando do infante Henrique; entre Tejo e Guadiana, ao infante João; a cidade do Porto a seu homem de confiança Aires Gomes da Silva. Amieira será cercada pelo seu irmão de armas, mais velho, de larga experiência, homem honrado, grande fidalgo que estivera em Azincourt e servira o rei de Inglaterra na Guerra dos Cem Anos, Álvaro Vaz de Almada; Belver a Lopo de Almeida e o conde de Ourém, com as forças de Lisboa, no Crato.
A rainha partiu para Castela. A rainha de Portugal abandonava o Reino, os filhos, tudo. O rei Duarte I, no túmulo, se possível fosse, teria dado voltas sobre voltas, como as daria ao saber do apoio do próprio irmão a Álvaro de Luna, inimigo figadal de D. Leonor em Castela.
 - Senhor, a rainha partiu, disse um dos seus servidores em Santarém ao regente Pedro que montara um impecável serviço de correios.
 - Foi para Castela. Abandonou tudo. Ela quer a guerra. Pedro guardou segredo. Não avisou os irmãos que, mais tarde, ainda tentaram uma aproximação, uma forma de mediação diplomática, mas o regente Pedro sabia o que queria e D. Leonor estava a mais. Apenas isso.
Os irmãos da rainha, em Castela, tão perto, deviam provocar-lhe pesadelos, mas as pedras do jogo do poder, que é sempre implacável, estavam lançadas. O homem que recusaria lhe erguessem uma estátua em Lisboa, pelos seus serviços ao reino, sabia que tudo era relativo e o poder, mesmo quando em mente se tem o esquema da união ibérica em si, nos filhos e no sobrinho rei, é mais que tudo, quantas vezes um jogo efémero, traiçoeiro e implacável.
 - Se a minha imagem ali estivesse esculpida, ainda viriam dias em que vossos filhos a derribariam e com as pedras lhe quebrariam os olhos». In Seomara Luzia da Veiga Ferreira, Crónica Esquecida d’el rei João II, Editorial Presença, Lisboa 1995, 4ª edição, Lisboa 2002, ISBN 972-23-1942-6.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT

Elogio da Loucura. Erasmo. «Não é verdade que a vida seria triste, aborrecida, insípida, modesta, se não tivesse o condimento do prazer, da folia e da loucura?»


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Fala a Loucura
«E porque não heide falar abertamente convosco, como é o meu costume? Pergunto: é com a cabeça, com a face, com o peito, com as orelhas, com as partes do corpo denominadas honestas, que os deuses e os homens procriam? Não é.
A propagatriz do género humano é uma parte do corpo tão estulta e tão ridícula, que não pode ser nomeada sem riso. Tal é a fonte sagrada de que flui para todos a vida, muito mais do que do ‘quatérnio’ pictagórico.
Que varão, pergunto eu, curvaria o pescoço perante o jugo do matrimónio se, à maneira dos sapientes, calculasse primeiro os inconvenientes desta vida? E que mulher consentiria em aproximar-se de um homem se meditasse nas dores e nos perigos do parto e nos trabalhos da educação da criança? Se deveis a vida ao conjunto, deveis o conjugato à minha servente Anoia, e reparai agora em quanto me deveis também.
Que mulher já experiente quereria repetir se não estivesse com a Leté, que aqui vedes? Nem a própria Vénus, diga Lucrécio o que quiser, teria um poder tão grande se lhe faltasse o nosso auxílio.
Dos meus divertimentos tontos e ridículos provêm os filósofos muito sérios, a quem sucederam agora aqueles que o vulgo denomina monges; e também os reis cobertos de púrpura, os sacerdotes pios, e os santíssimos pontífices. Mais ainda, a reunião de todas as divindades poéticas, inumeráveis, cuja turba excede a capacidade do Olimpo, que é espaçosíssimo.

Mas de pouco valeria apresentar-me como seminário e fonte da vida se não vos demonstrasse também que me deveis todos os prazeres da existência. Que seria a vida, que poderia dizer-se da vida, se lhe faltasse a voluptuosidade? Aplaudis, meus amigos? Já sabia que nenhum de vós é bastante sábio, ou bastante louco, digamos bastante douto, para ter outra opinião. Nem mesmo os estóicos desprezam a volúpia; e se em público a escarnecem, dissimulam para assim afastarem os outros e gozarem sossegadamente. Mas dizei-me por Jove: Não é verdade que a vida seria triste, aborrecida, insípida, modesta, se não tivesse o condimento do prazer, da folia e da loucura? Posso invocar o testemunho idóneo d'e Sófocles, nunca por demais louvado, que me fez o mais belo elogio:
  • Quanto maior for a sabedoria, menos feliz a vida.
Mas vamos ao fundo da questão...
Quem ignora que a primeira é a mais grata e deliciosa idade da vida humana?
A prudente Natureza concedeu esse dom aos recém-nascidos para eles assim recompensarem os trabalhos e os cuidados dos que os educam. À infância, que não fala, segue-se a puerícia que a todos agrada, que encanta pela candura, que todos solicitamente ajudam de mãos estendidas». In Erasmo de Roterdão, Elogio da Loucura, tradução de Álvaro Ribeiro, colecção Filosofia e Ensaios, Guimarães Editores, Lisboa, 1987.

Cortesia de Guimarães Editores/JDACT

Considerações e Outros Temas. Agostinho da Silva. «… o objectivo que a humanidade por sua natureza há-de atingir, o que nos meteria, sem grandes possibilidades de saída, no estéril labirinto das causas finais; mas é a tal alvo que a vontade deve apontar os seus tiros»

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(continuação)

In Negotium
«A fadiga que esmaga um corpo depois de oito ou dez horas em frente de um volante ou de um dia inteiro na faina do campo é um crime contra o Jeová que nos criou à sua imagem, um sacrilégio contra a partícula de fogo eterno que palpita por favor dos deuses em cada um de nós. O trabalho não é virtude, nem honra; antes veria nele necessidade e condenação; é, como se sabe, consequência do pecado original. A reconquista do ‘Eden’ comportaria para o homem a libertação do trabalho, lavá-lo-ia dessa mancha de animal doméstico sob o jugo, havia de o restituir ao que é seu essencial carácter: o ser pensante. Não direi que é esse o objectivo que a humanidade por sua natureza há-de atingir, o que nos meteria, sem grandes possibilidades de saída, no estéril labirinto das causas finais; mas é a tal alvo que a vontade deve apontar os seus tiros; certamente o problema é enredado e confuso, porque (abandonado o sonho de idades de ouro e simplicidade frugal) a posse de ócio pressupõe uma perfeição de domínio sobre a natureza que se não poderá conseguir senão à custa do sacrifício de muitas gerações, como o ócio de Atenas se alcançou à custa do sacrifício dos escravos; a solução, porém, não se me afigura impossível se fizermos um esforço por escaparmos do ambiente de retórica que atira os jornalistas de todas as espécies contra a máquina e deixarmos de ver nela a inimiga que se tem de vencer, para a olharmos como a auxiliar imprescindível; se mais ainda, fecharmos os ouvidos às advertências e ameaças que de todos os lados fazem chover sobre nós os ditos homens de acção». In Agostinho da Silva, Considerações e Outros Textos, Editorial Minerva, Alfinete 4, Assírio e Alvim, 1988.

Cortesia Assírio e Alvim/JDACT

Considerações e Outros Temas. Agostinho da Silva. «… esse povo estranho era apaixonado da ideia, atropelava-se à eloquência dos sofistas, tinha a tribuna do ‘ágora’, a assembleia do povo como a pedra de toque dos condutores políticos; e mais os devem espantar, com aquele espanto que vem da ignorância…»


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In Negotium
Há obras que tentam construir a imagem do mundo dos insectos e do mundo dos peixes, mostrando-nos como eles o vêm e utilizam. Igualmente seria interessante que se estudasse o mundo dos homens de acção, dos que foram talhados para se deleitar no fenómeno e se banhar de realismo em todos os sectores da vida; aquele que um dia o escrever não deverá deixar de incluir no volume um capítulo sobre a visão que têm da Grécia; a avaliar pelo que disse um dos grandes, extraordinariamente sábio e divinamente inspirado, sobre a República, que julgou ser a crónica de uma experiência comunista realizada na antiguidade, as relações pessoais entre os gregos e os homens de acção não parecem demasiado íntimas; em todo o caso seria proveitoso e pitoresco investigá-las.
Estou em crer que admiradores dos romanos das pontes e calçadas, o romano do ius é outra história, a sua atitude perante o grego é sobretudo uma atitude de desprezo: esse povo estranho era apaixonado da ideia, atropelava-se à eloquência dos sofistas, tinha a tribuna do ‘ágora’, a assembleia do povo como a pedra de toque dos condutores políticos; e mais os devem espantar, com aquele espanto que vem da ignorância e da incompreensão, a fecunda indolência, o nobilíssimo ócio em que os helenos se souberam manter; para os que apenas sonham com regulamentos, horários e automatismos semelhantes tal vida de caprichosa liberdade, de contemplação aristocrática, de largas discussões filosóficas, de obstinada recusa em ser escravo de tempo e de dinheiro, aparece decerto como um escândalo que o Senhor devia ter expungido da face da terra com imprecações e grande fogo de enxofre; outro escândalo ainda o surgirem na época actual homens que mantêm o mesmo ponto de vista, que sonham com o século em que seja possível, feito rapidamente, em parte mínima do dia, o trabalho material que houver a realizar, entregarmo-nos depois todos à divina ocupação de reflectir e discutir, de passar em revista as doutrinas dos sábios e os interesses da cidade, de inventar, destruir e recompor o mundo dos sentidos e o mais puro universo das ideias». In Agostinho da Silva, Considerações e Outros Textos, Editorial Minerva, Alfinete 4, Assírio e Alvim, 1988.

continua
Cortesia Assírio e Alvim/JDACT

Património. Igreja portuguesa de Olivença eleita “melhor recanto de Espanha 2012”. «Uma disputa que desta vez se fez nas redes sociais. Pela Internet, vários foram os movimentos portugueses de apoio e incentivo ao voto na Madalena. Nomeadamente o Café Portugal, portal dedicado à cultura e tradições portuguesas…»



Cortesia de wikipedia

«O passatempo “O Melhor Recanto de Espanha 2012”, promovido pela petrolífera Repsol, e que contou na sua fase final com votações online, elegeu na noite de quarta-feira este monumento do século XVI de estilo manuelino para o top de sítios a visitar. A igreja portuguesa que fica na Extremadura espanhola conseguiu, assim, destronar a Lagoa da Cigana (em Castela-La Mancha), que ficou em segundo lugar, e o Forau de Aiguallut (Aragão), o terceiro mais votado.
Mas a votação reacendeu, sobretudo, uma guerra antiga, com a comunidade portuguesa a mobilizar-se para eleger a igreja portuguesa. Tudo isto porque Olivença é palco de uma disputa, velha de mais de dois séculos, sobre ser portuguesa ou espanhola. Espanha anexou o território em 1801 mas ainda hoje Portugal não reconhece tal anexação desta cidade fronteiriça localizada na Extremadura espanhola, repleta de história e traços da cultura lusa, incluindo monumentos como a Igreja de Santa Maria Madalena (conhecida como Igreja da Madalena).
Uma disputa que desta vez se fez nas redes sociais. Pela Internet, vários foram os movimentos portugueses de apoio e incentivo ao voto na Madalena. Nomeadamente o Café Portugal, portal dedicado à cultura e tradições portuguesas e que mereceu até o apoio de Marcelo Rebelo de Sousa à iniciativa no seu espaço televisivo na TVI. E particularmente, tendo em conta a sua dimensão (quase 550 mil aderentes), o Descobrir Portugal, comunidade do Facebook que se redobrou em incentivos ao voto, justificando que "votar na catedral construída pelos portugueses é dar visibilidade a Olivença". Do lado espanhol, a igreja também recolheu fortes apoios, com direito a divulgação pelo turismo e autarquia locais. Já nesta quinta-feira, num comunicado de reacção à eleição, o Grupo dos Amigos de Olivença alerta que “esta escolha, das quais se desconhecem os critérios, não será certamente inocente e deverá levar todos os portugueses a questionar quais os reais motivos dos organizadores do evento colocando um monumento tipicamente português como representativo de Espanha”. Para este grupo, a escolha representa mesmo uma “indecorosa tentativa de legitimação da ocupação do território de Olivença junto da opinião pública portuguesa”.

“Nem mesmo escamoteando a verdade se pode entender como pode uma catedral portuguesa, na nossa Olivença, ser representativa da Espanha. A igreja da Madalena nada tem de espanhol e ali nada há de estremenho”, lê-se na mesma nota, onde o grupo insiste que “Olivença é um território juridicamente português ocupado ilegalmente por Espanha”. A escolha da igreja da Madalena é certamente vista por muitos portugueses, no mínimo como muito infeliz, no máximo como uma provocação a Portugal patrocinada pela Repsol, conclui o comunicado.


Uma "jóia" do património
Segundo o resumo patrimonial do Turismo de Olivença, a Igreja de Santa Maria Madalena é considerada uma "jóia" oliventina e do património manuelino português. Data da primeira metade do séc. XVI e foi mandada construir para servir como templo do local de residência dos bispos de Ceuta. O bispado de Ceuta iniciou aqui residência em 1512, tendo sido estreada por Frei Henrique de Coimbra, confessor do rei Manuel I e o primeiro a celebrar uma missa no Brasil. Falecido em 1532 e foi sepultado no templo (existe um túmulo de mármore no local).
No exterior, destacam-se falsas ameias, pináculos, gárgulas e a porta principal, com uma portada atribuída a Nicolau de Chanterene, artista que em Portugal, além de outras obras, criou a porta do Mosteiro dos Jerónimos ou um retábulo de mármore do Palácio da Pena. O interior divide-se por três naves com oito colunas que parecem evocar as amarras de um navio. Em grande destaque, os trabalhos em talha dourada do séc. XVIII, retábulos neoclássicos em mármore colorido e azulejaria». In Público e Expresso.

Cortesia de Público e Expresso/JDACT

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Um Poema. Álvaro de Campos. «Numa altura em que, nós portugueses, vivemos tempos de crise que nos empurram aos milhares para as ruas, proclamando a necessidade de mudança, nesta época que se diz ser de parcas pagas mas suores redobrados, o português pinta-se. Nesta fase de mutações sociais, cegueira política, descrença e engano…»


jdact e cortesia de wikipedia

Bem Sei que Tudo é Natural
Bem sei que tudo é natural
mas ainda tenho coração...

Boa noite e m….! ...
(Estala, meu coração!)
(M…. para a humanidade inteira!)

Na casa da mãe do filho que foi atropelado,
tudo ri, tudo brinca.
E há um grande ruído de buzinas sem conta a lembrar

Receberam a compensação:
bebé igual a X,
gozam o X neste momento,
comem e bebem o bebé morto,
bravo! São gente!
Bravo! São a humanidade!
Bravo: são todos os pais e todas as mães
que têm filhos atropeláveis!
Como tudo esquece quando há dinheiro.
Bebé igual a X.

Com isso se forrou a papel uma casa.
Com isso se pagou a última prestação da mobília.
Coitadito do Bebé.
Mas, se não tivesse sido morto por atropelamento, que seria das contas?
Sim, era amado.
Sim, era querido
mas morreu.
Paciência, morreu!
Que pena, morreu!
Mas deixou o com que pagar contas
e isso é qualquer coisa.
(É claro que foi uma desgraça)
mas agora pagam-se as contas.
(É claro que aquele pobre corpinho
ficou triturado)
mas agora, ao menos, não se deve na mercearia.
(É pena sim, mas há sempre um alívio.)

O bebé morreu, mas o que existe são dez contos.
Isso, dez contos.
Pode fazer-se muito (pobre bebé) com dez contos.
Pagar muitas dívidas (bebezinho querido)
com dez contos.
Pôr muita coisa em ordem
(lindo bebé que morreste) com dez contos.

Bem se sabe é triste
(dez contos)
uma criancinha nossa atropelada
(dez contos)
mas a visão da casa remodelada
(dez contos)
de um lar reconstituído
(dez contos)
faz esquecer muitas coisas (como o choramos!)
Dez contos!
Parece que foi por Deus que os recebeu
(esses dez contos).
Pobre bebé trucidado!
Dez contos.
 Poema de Álvaro de Campos, ‘o mais sinusoidal dos heterónimos pessoanos

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Jazz. Lina Allemano. «Uma trompetista canadiana com carreira internacional. A sua visão artística concedeu-lhe reconhecimento como expressiva, convincente, futuro inventivo e sofisticado, quiçá, uma trompetista aventureira»



Cortesia de wikipedia


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Leituras. Mariazinha em África. Fernanda de Castro. «’Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes, a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração, que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema, que o Sol ao meio-dia, olhado de frente, não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite’, David Mourão Ferreira»


Ilustração de Ofélia Marques
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«Mariazinha, porém, estava fula:
- Sabichão das dúzias! Se não me fosse hoje embora, dava-te um puxão de orelhas que até vias as estrelas!
- E eu não te deixava um pêlo na cabeça!
Felizmente, nesse instante, Manuela apareceu a correr, dizendo que o almoço ia para a mesa. Imediatamente, todos se levantaram. Estavam com fome e a cozinheira, para despedida, prometera-lhes uma grande travessa de arroz doce...
O pai destes meninos era oficial de Marinha e havia perto de três anos que estava em África, na Guiné em comissão de serviço. Em todas as cartas mandava dizer que tinha muitas saudades da mulher e dos filhos e, um, dia, acabada quase a época das chuvas, pediu à mulher, que fosse passar uns meses com ele e que levasse Mariazinha, que era a mais velha, e Afonsinho, que era o mais novo, e não podia ainda separar-se da mãe.
Contentíssima, a mãe começou logo a tratar de tudo para poder embarcar o mais depressa possível. Mariazinha não cabia na pele de contente. Gostava de viajar, de ver coisas novas, caras novas, e, como ,era valente e decidida, não a a assustava aquela grande viagem num barco que lhe parecia enorme, capaz de afrontar todos os perigos, mas que, na realidade, deixava muito a desejar.
Na última semana, não tivera mãos a medir. A mãe comprara-lhe vestidos brancos por causa do calor, sapatos de sola de borracha para não escorregar a bordo, uma espécie de capacete, forrado de cortiça, para, evitar o perigo das insolações. Já fizera a sua mala e já acondicionara, num caixote, a caixa de tintas, a linha e os anzóis, a raquette, a carabina e os vinte ou trinta livros de que nunca se separava.
Na véspera, à noite, depois dum dia agitado, a mãe beijara com muitas lágrimas os filhos que ficavam, e estes, muito tristes, haviam chorado, também, e só altas horas da noite tinham sossegado.
Agora, faltavam poucas horas para a partida. O vapor saía às quatro em ponto. Mariazinha, embora o não confessasse, tinha um nó na garganta. Afonsinho andava rabugento, a choramingar pelos cantos. Mas, para despedida, a mãe encomendara um almoço com muitas coisas boas, prometera mandar presentes aos que ficavam, de modo que, ao sair de casa, só ela tinha ainda os olhos tristes, marejados de lágrimas...
Como viviam numa quinta, na ‘Outra Banda’, tiveram de atravessar o Tejo.
Estava um dia lindo, ,sem vento e sem nuvens. Quando chegaram ao cais, já lá estavam os tios, os primos e os amigos. O vapor, cinzento com o cano encarnado, estava a deitar fumo. Os marinheiros andavam dum lado para o outro no convés e os carregadores do cais levavam as malas dos passageiros para as cabines.
Ouviu-se então um apito muito agudo, que era o primeiro sinal de partida. Mariazinha e Afonsinho andavam de mão em mão. A mãe, ao beijar os filhos que ficavam, não podia evitar que as lágrimas lhe corressem em fio pela cara. E todos recomendavam a Mariazinha:
 - Cautela! Não te debruces! Toma conta do teu irmão! Passados momentos, ouviu-se o segundo sinal. No cais, muita gente chorava, acenando com lenços brancos.
 - Senhores passageiros, para bordo! - gritava um criado de casaco branco, agitando uma sineta. Então, levados na onda dos passageiros, separados bruscamente do resto da família, Mariazinha, a mãe e o irmão encontraram-se, sem saber como, no convés do barco, que daí a instantes ia partir e onde teriam de viver longos dias, entre o céu e o mar, à mercê das ondas...
Sobre o rio, balouçavam-se gaivotas. O barco ia a caminho da barra, No cais, os lenços pareciam borboletas brancas». In Fernanda de Castro, Mariazinha em África, literatura infantil, Edições Ática, Lisboa, 1959.

Cortesia de E. Ática/JDACT

Poesia. Fernanda de Castro. «Lentamente, cresceste, eras frágil, pequena, como um pé de violeta. Vergavas sob o peso duma abelha ou duma borboleta. Depois, cresceste a muito custo, o pé de violeta transformou-se em arbusto»



jdact e cortesia de wikipedia

Ó Árvore
Ó árvore, alguém pensou
na tua imensa alegria
quando enfim rompeste a crosta
e alcançaste a luz do dia?

Manhã cedo, na mata,
respira-se mais fundo.
Tudo é puro, auroral, duma inocência
de princípio do mundo.
De ti mesma cativa,
sem pressas, folha a folha, vais crescendo
com uma falsa indolência

Árvore, como invejo
a tua paciência!

Lentamente, cresceste,
eras frágil, pequena,
como um pé de violeta.
Vergavas sob o peso duma abelha
ou duma borboleta.

Depois, cresceste
a muito custo,
o pé de violeta
transformou-se em arbusto.

Então, ano após ano,
o arbusto fez-se árvore, tão forte
que nem o vento lhe faz dano.

Agora, desse tempo, nada resta:
o é de violeta
é um deus da floresta.

Árvore, alguém te perguntou:
És feliz, infeliz,
imóvel presa ao chão
pela raiz?

Árvore,
eu sinto em mim o teu sofrimento,
sempre que o vento, à doida, à toa,
te fere, te magoa,
eu tenho calafrios, pesadelos,
como se o vento em vez de sacudir-te
e de arrancar-te as folhas,
me arrancasse os cabelos.

Quando à noite abro as janelas
não é só por ter calor
ou para ver as estrelas:
é mais para respirar
e para dormir melhor,
porque sei que as tuas folhas,
exalam de noite o ar
que me alivia a fadiga
e que me lava os pulmões,
ó árvore minha amiga.

Pássaros, vossa vida que seria
sem o doce aconchego das ramagens
onde escondeis as asas e as plumagens,
quando anoitece, à espera de outro dia?

Quando se cala a vossa melodia
e regressais, exaustos de viagens,
de voos sem destino, de miragens,
de amorosa, secreta fantasia,

voltais à paz do ninho, às vossas casas
onde cabem, exactas, vossas asas
e os filhos que de vós hão-de nascer.

Ó árvores da mata, da floresta,
o chilreio das aves é uma festa
que só a vida pode agradecer.

Árvore,
alguém ouviu o teu lamento
quando o vento,
esse cavalo doido à desfilada,
deixa a sua pegada
em cada flor, cada rebento,
cada frágil ramada?

Se acaso estás cansado,
se uma pena, um cuidado,
uma onda de tédio
te dão a sensação
de que tudo na vida é sem remédio,
vai procurar a sombra duma árvore,
olha as folhas, os ramos, os botões,
enche de ar os pulmões
e saberás, então,
que essa árvore estava à tua espera,
só para te dizer:
"Queiras ou não,
amigo, é Primavera!"

E tudo o mais que as árvores nos dão
na dádiva telúrica e total
duma vida que à vida se destina,
desde a flor e dos frutos à resina,
desde a resina à casca estaladiça
da cortiça,
da cortiça arrancada
à árvore passiva,
à árvore submissa,
deixando-a sangrar, em carne viva.

E tudo o mais que as árvores nos dão:
frutos de inverno, frutos de verão,
ó árvores das matas e das quintas,
para as bocas sedentas,
para as bocas famintas.

E onde vamos buscar as nossas brasas,
o lume das lareiras, o calor,
e as madeiras das casas,
das vigas ao sobrado?
Acaso não será à tua dor
à dor do tronco retalhado
a golpes de machado?

E não esqueçam, por favor,
essas árvores de flor,
que são só para enfeitas,
com seu jeito, sua graça,
cada rua, cada praça;
que são só para alegrar
as vidas sem horizontes,
como se fossem as fontes,
duma tímida esperança;
que são só para enxugar
o choro duma criança
ou lágrimas de mulher,
duma pessoa qualquer;
que são só para evitar
um gesto desesperado
na Cidade indiferente,
quando sofre, lado a lado,
muita gente, tanta gente:
que são só para abrigar,
quando, à sombra dos seus ramos,
se trocam beijos de amor;
que só servem para pôr
alegria na tristeza
e pouco mais... Para dar
uma gota de beleza
a quem por elas passar...

Essas árvores de flor
que são só para enfeitar.

Se vires uma árvore,
e se fores comigo,
faz, Irmão, o que eu faço:
pára e dá-lhe um abraço,
não tens melhor amigo.
 
Poema de Fernanda de Castro, in em ‘E eu saudosa, saudosa...’ 
(1973)

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Leituras. Fala Yael. Castelo de Vide. Os Judeus e a Inquisição. Yael Bar Tolmei (Ana Bela Santos). «Não disse nada, mas pensei se o ‘ir embora’ da tia e do tio teria solucionado alguma coisa porque os Visitadores andam por todo o lado. A menos que tenham conseguido sair de Portugal, e dependeria do Reino de destino por eles escolhido»


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Fala Yael
«Estamos a lembrar o meu Bat Mitzvah, como seria se houvesse liberdade... Apesar de o ter celebrado há quatro anos, tinha na altura 12 anos e mais um dia, recordo como se fosse hoje. O Bat Mitsvah é a altura em que uma mulher é considerada adulta e deve cumprir os mandamentos. Aliás, Bat Mitzvah significa ‘Filha do Mandamento’ e nós, por motivos óbvios, festejámo-lo em casa e em família. Os meninos festejam o seu Bar Mitzvah aos 13 anos mais um dia. São considerados ‘Filhos do Mandamento’ e a partir daí podem usar tefilin durante as orações e ler a Torah na sinagoga, o que não é o caso dos meus irmãos, nem de todos os judeus que se transformaram em cristãos-novos, neste País, pois as sinagogas estão fechadas.
Lá fora tudo está muito mais silencioso que nos outros dias. Quase ninguém sai à rua. Mesmo dentro de casa já se tornou hábito falar baixo, quase em surdina, de certos assuntos, mas hoje, temos até medo de pensar.
O meu pai pensou fechar a loja depois da Minchá, (uma oração vespertina, instituída por Issac, uma prece que deverá ser dita antes do anoitecer) mas como poderia ser mal interpretado, está lá em baixo, de porta aberta, no meio de tecidos e outra mercadoria sem que alguém atravesse a soleira. Taciturno e calado, queda-se pensativo, e, ao almoço, comentou entre dentes que quem tinha tido juízo tinha sido a tia Ester e o tio Barach, que tinham ido embora.
Não disse nada, mas pensei se o ‘ir embora’ da tia e do tio teria solucionado alguma coisa porque os Visitadores andam por todo o lado. A menos que tenham conseguido sair de Portugal, e, mesmo assim, dependeria do Reino de destino por eles escolhido. Esta noite, bem de madrugada, os Visitadores vieram buscar Moshe Ben Ami. Acordámos com as pancadas na porta e as exclamações de protesto de Moshe no meio dos gritos lancinantes da mulher. Dos filhos nem se ouvia o choro.
Ninguém saiu ou assomou à janela para espreitar. Creio que todos nós, em pensamento, enviámos um adeus mudo a Moshe. Que Hashem (significa O Nome) tenha piedade dele e que parta para a Esfera Celeste rapidamente e sem sofrer muito às mãos da Inquisição (maldita).
Hoje, pela manhã, a medo, fomos visitar a mulher de Moshe. Está destroçada sem saber que fazer. Os dois filhos mais velhos vão tomar conta do tingimento dos tecidos que, por sorte, já tinham começado a aprender com o pai, mas sem dúvida que agora a responsabilidade é maior e o medo também. Entre nós, cristãos-novos, vamos ter de os ajudar a superar esta crise terrível que se abateu sobre eles. Não estamos livres de sermos os próximos.
Viemos há pouco da missa como todos os dias pela manhã, e como a maior parte dos cristãos-novos. Estou sentada a costurar junto da minha mãe e ela está a falar-me de Débora, Mãe de Israel. Diz-me que o cântico de Débora é um dos mais antigos da Bíblia. É um canto profético onde se salienta a solidariedade entre as tribos de Israel e onde se narra a vitória de duas mulheres, Débora e Jael. Uma vitória assim não deve ser esquecida. Era uma época difícil, de guerra. É uma história de resistência e organização. Era uma época em que não era fácil cantar. Também hoje não é fácil canta, penso, tendo presente os dias que vão correndo.
Pergunto a minha mãe se em Portugal sempre foi assim, e, com voz monocórdica, ela falou-me da Inquisição (maldita) ou, como dizem os cristãos, O Santo Ofício (maldita)». In Yael Bar Tolmei, Ana Bela Santos, Fala Yael, Castelo de Vide. Os Judeus e a Inquisição, Orfeu, 2009, ISBN 978-2-87530-020-1.

Cortesia de Orfeu/JDACT