quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Os Senhores do Tempo. O impacto do homem nas alterações climáticas e no futuro do planeta. Tim Flannery. «… a calote de gelo Quelccaya, nas montanhas do Peru, onde o gelo se deposita num padrão anual de camadas, separada por uma camada de poeira escura, que sopra dos desertos durante a estação seca»

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Nascidos no Congelador
«Os sedimentos da Terra abundam em registos do clima e, quanto mais nos aproximamos da nossa época, mais informações fornecem. Na melhor das hipóteses, contêm um registo anual de alterações que inclui informações sobre a direcção e velocidade do vento, a composição química da atmosfera, a extensão e tipo da cobertura vegetativa da Terra, a natureza das estações e a composição e temperatura dos oceanos, em resumo, o estado da Terra tal como era, por exemplo, há 5120 anos.
Uma das melhores fontes de informação sobre o clima é, na sua forma mais simples, evidente para todos. Se observarmos um pedaço de madeira, podemos ver, escrita na sua textura fina e nos anéis de crescimento, a história de como era o tempo quando a árvore viveu. Anéis espaçados falam-nos de estações quentes de crescimento em que o sol brilhava e a chuva caía no momento certo.
Anéis comprimidos, evidenciando um deficiente crescimento da árvore, falam-nos da adversidade, de Invernos longos e duros ou de Verões extremamente secos que testaram os limites da vida. A forma de vida mais idosa do nosso planeta é um Pinus aristata
que cresce a mais de três mil metros de altura, nas Montanhas Brancas da Califórnia. Com mais de 4600 anos de idade, ergue-se no Methuselah Grove, ao lado de muitos outros espécimes velhíssimos. A sua localização precisa é um segredo muito bem guardado, porque, vulnerável às perturbações, tem estado a morrer lentamente nos últimos dois mil anos. No seu tronco, essa árvore, só por si, conserva um registo pormenorizado das condições climáticas na Califórnia, ano após ano. Se juntarmos ao padrão desta árvore de Methuselah o de um tronco morto, nas suas proximidades, poderemos dispor de um registo do tempo durante dez mil anos. Têm-se obtido anéis de árvores em ambos os hemisférios, e espera-se que os grandes ágates-da-nova-zelândia, kauri, cuja madeira resiste em pântanos durante milénios, possam fornecer um registo das alterações climáticas ao longo de sessenta mil anos.
Contudo, o registo do clima nas árvores, apesar de cómodo e amplo, só nos pode fornecer informações relativamente limitadas. Se pretendermos um registo realmente pormenorizado, teremos de recorrer ao gelo, embora ele só desvende todos os seus segredos em lugares especiais. Um desses lugares é a calote de gelo Quelccaya nas montanhas do Peru, onde o gelo se deposita num padrão anual de camadas, com a queda de neve de cada ano separada por uma camada de poeira escura, que sopra dos desertos durante a estação seca. Em Quelccaya, podem cair três metros de neve durante o Verão, e as quedas das estações seguintes comprimem-nos, transformando-os em neve compactada e, depois, em gelo. Durante o processo, ficam presas bolhas de ar, que actuam como minúsculos arquivos que documentam o estado da atmosfera. Foram cientistas australianos que estiveram na vanguarda das técnicas de avaliação dos níveis de metano, óxido nitroso e CO2 destas bolhas, que revelam a sua história sobre as anteriores condições da biosfera. Até a poeira é esclarecedora, pois dá informações sobre a força e direcção dos ventos e sobre as condições por baixo da calote de gelo. Além disso, os isótopos de oxigénio contidos no gelo podem fornecer conhecimentos sobre os oceanos e as calotes polares distantes.
Os lençóis de gelo da Gronelândia e da Antárctida contêm os núcleos mais compridos, mas, como o gelo escorre, o mais antigo costuma ser comprimido, o que modifica as suas camadas anuais. No entanto, quando as circunstâncias o propiciam, é possível recolher registos verdadeiramente espectaculares. Na década de 90, equipas europeias e americanas de investigadores recolheram amostras de núcleo do planalto gelado da Gronelândia. Como não chegaram a acordo quanto ao local, utilizaram duas máquinas de perfuração, suficientemente afastadas para garantir que as diferenças detectadas eram reais e não uma anomalia localizada. A equipa europeia, que perfurou a norte, teve imensa sorte, porque a sua amostra assentava em rochas graníticas cuja radioactividade gerava um calor considerável. O calor derreteu as camadas inferiores de gelo, impedindo a distorção das camadas superiores e preservando um registo climático pormenorizado remontando a cento e vinte e três mil anos. Com base neste registo singular, a equipa pôde provar que ocorreram alterações espectaculares no clima do Atlântico Norte em apenas cinco camadas anuais de gelo e que, há cento e quinze mil anos, a Gronelândia passou por uma fase quente até então desconhecida, que não se reflectiu na Antárctida». In Tim Flannery, Os Senhores do Tempo, O impacto do homem nas alterações climáticas e no futuro do planeta, Editorial Presença, Lisboa, 2006, ISBN 972-23-3641-X.

Cortesia de E. Presença/JDACT