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Nascidos no Congelador
«Os sedimentos da Terra abundam em registos do clima e, quanto mais nos
aproximamos da nossa época, mais informações fornecem. Na melhor das hipóteses,
contêm um registo anual de alterações que inclui informações sobre a direcção e
velocidade do vento, a composição química da atmosfera, a extensão e tipo da
cobertura vegetativa da Terra, a natureza das estações e a composição e
temperatura dos oceanos, em resumo, o estado da Terra tal como era, por exemplo,
há 5120 anos.
Uma das melhores fontes de informação sobre o clima é, na sua forma
mais simples, evidente para todos. Se observarmos um pedaço de madeira, podemos
ver, escrita na sua textura fina e nos anéis de crescimento, a história de como
era o tempo quando a árvore viveu. Anéis espaçados falam-nos de estações
quentes de crescimento em que o sol brilhava e a chuva caía no momento certo.
Anéis comprimidos, evidenciando um deficiente crescimento da árvore,
falam-nos da adversidade, de Invernos longos e duros ou de Verões extremamente
secos que testaram os limites da vida. A forma de vida mais idosa do nosso
planeta é um Pinus aristata
que cresce a mais de três mil metros de altura, nas Montanhas Brancas
da Califórnia. Com mais de 4600 anos de idade, ergue-se no Methuselah Grove, ao
lado de muitos outros espécimes velhíssimos. A sua localização precisa é um
segredo muito bem guardado, porque, vulnerável às perturbações, tem estado a
morrer lentamente nos últimos dois mil anos. No seu tronco, essa árvore, só por
si, conserva um registo pormenorizado das condições climáticas na Califórnia,
ano após ano. Se juntarmos ao padrão desta árvore de Methuselah o de um tronco
morto, nas suas proximidades, poderemos dispor de um registo do tempo durante
dez mil anos. Têm-se obtido anéis de árvores em ambos os hemisférios, e
espera-se que os grandes ágates-da-nova-zelândia, kauri, cuja madeira resiste em pântanos durante milénios, possam
fornecer um registo das alterações climáticas ao longo de sessenta mil anos.
Contudo, o registo do clima nas árvores, apesar de cómodo e amplo, só
nos pode fornecer informações relativamente limitadas. Se pretendermos um
registo realmente pormenorizado, teremos de recorrer ao gelo, embora ele só
desvende todos os seus segredos em lugares especiais. Um desses lugares é a
calote de gelo Quelccaya nas montanhas do Peru, onde o gelo se deposita num
padrão anual de camadas, com a queda de neve de cada ano separada por uma camada
de poeira escura, que sopra dos desertos durante a estação seca. Em Quelccaya,
podem cair três metros de neve durante o Verão, e as quedas das estações
seguintes comprimem-nos, transformando-os em neve compactada e, depois, em
gelo. Durante o processo, ficam presas bolhas de ar, que actuam como minúsculos
arquivos que documentam o estado da atmosfera. Foram cientistas australianos
que estiveram na vanguarda das técnicas de avaliação dos níveis de metano,
óxido nitroso e CO2 destas bolhas, que revelam a sua história sobre as
anteriores condições da biosfera. Até a poeira é esclarecedora, pois dá
informações sobre a força e direcção dos ventos e sobre as condições por baixo
da calote de gelo. Além disso, os isótopos de oxigénio contidos no gelo podem fornecer
conhecimentos sobre os oceanos e as calotes polares distantes.
Os lençóis de gelo da Gronelândia e da Antárctida contêm os núcleos
mais compridos, mas, como o gelo escorre, o mais antigo costuma ser comprimido,
o que modifica as suas camadas anuais. No entanto, quando as circunstâncias o
propiciam, é possível recolher registos verdadeiramente espectaculares. Na
década de 90, equipas europeias e americanas de investigadores recolheram amostras
de núcleo do planalto gelado da Gronelândia. Como não chegaram a acordo quanto
ao local, utilizaram duas máquinas de perfuração, suficientemente afastadas
para garantir que as diferenças detectadas eram reais e não uma anomalia
localizada. A equipa europeia, que perfurou a norte, teve imensa sorte, porque
a sua amostra assentava em rochas graníticas cuja radioactividade gerava um
calor considerável. O calor derreteu as camadas inferiores de gelo, impedindo a
distorção das camadas superiores e preservando um registo climático pormenorizado
remontando a cento e vinte e três mil anos. Com base neste registo singular, a equipa
pôde provar que ocorreram alterações espectaculares no clima do Atlântico Norte
em apenas cinco camadas anuais de gelo e que, há cento e quinze mil anos, a
Gronelândia passou por uma fase quente até então desconhecida, que não se
reflectiu na Antárctida». In Tim Flannery, Os Senhores do Tempo, O impacto do
homem nas alterações climáticas e no futuro do planeta, Editorial Presença,
Lisboa, 2006, ISBN 972-23-3641-X.
Cortesia de E. Presença/JDACT