«A obra de Dalila Pereira da Costa apropria-se de um modo singular,
absolutamente único, de duas vertentes culturais tradicionais do pensamento
português: a vertente mística e a vertente mítica, cruzando ambas num estilo
lírico-poético, teluricamente neo-romântico muito ao modo de Teixeira de
Pascoais. Como referimos, Dalila Pereira da Costa faz a sua entrada no
pensamento português com a descrição de experiências místicas pessoais,
relatadas em A Força do Mundo, que António Quadros, no texto citado em nota,
retomando palavras da autora, designa por “metafísica experimental”, de
vivência totalmente sobrenatural e totalmente desprovida de categorias teóricas
iluminadoras ou enquadradoras, fazendo equivaler as experiências de Dalila
Pereira da Costa às vivências místicas descritas por Santa Teresa de Ávila.
Elevando a poesia ao nível de uma experiência sagrada, retomando a visão
clássica do grande poeta como mensageiro divino e a experiência individual do
sonho como canal ou via espiritual de acesso a uma noosfera de essência
sobrenatural, Dalila Pereira da Costa ensaia nos seus livros comunicar-nos e
fazer-nos comungar da existência de uma outra realidade, espiritual, acrónica e
atópica, totalmente imune a categorias racionais. É justamente este sonho
visionário e místico que perpassa em todos os parágrafos da autora, numa
tentativa ensaística de aproximação tenteada, não raro conseguida, a uma
realidade metafísico-espiritual, de carácter sagrado, atingida intuitivamente,
que desorienta totalmente o leitor versado e abusado no uso corrente e
articulativamente lógico da razão. Após a experiência da ultrapassagem de uma
primeira leitura imediata do conteúdo e do estilo da escrita de Dalila Pereira
da Costa, superado o ‘mar tenebroso’ da sua decifração simbólica e o choque
racional sentido, o leitor deleita-se centrando-se numa fusão mística com o
objecto desvelado. Dito de outro modo, mundo novo aberto aos olhos do espírito,
a escrita de Dalila Pereira da Costa educa o leitor a lê-la, condu-lo
pedagogicamente a um primeiro nível de iniciação, vai conduzindo-o, atravessando
patamares de aproximações interpretativas até o leitor se sentir preso pelo
beijo da evidência das intuições da autora; então, neste segundo nível
hermenêutico, o leitor sente-se tomado por um empenho amoroso, atractivo, uma
sabedoria amorosa, que é igualmente o amor da sabedoria, onde leitor e autora
comungam o texto numa partilha metafísica que os identifica, a ambos, como
iniciados de um mesmo mundo espiritual. Assim, diferentemente de todos os
outros pensadores portugueses vivos (mas não de alguns textos de Teixeira de
Pascoais, de Leonardo Coimbra e da opus majum de José Marinho), ler
Dalila Pereira da Costa pressupõe não só uma vontade de conhecer o seu pensamento,
mas, sobretudo, um comprometimento filosófico com as ideias expressas nos seus
livros, bem como com o movimento mental que de uma segue a outra, por vezes, e
mesmo muitas vezes, contra a lógica da razão e a história dos factos concretos,
isto é, exige um leitor que se auto-determine a deixar-se iluminar pelos textos
da autora, descobrindo-se e descobrindo uma outra esfera de existência e
sentido para a cultura e a história portuguesas. Tarefa não fácil. Certamente
muitos poucos leitores se encontram ao nível desta exigência. Mais difícil é
transpor para uma cadeia lógica e uma cadeia historicista as intuições centrais
que animam os textos de Dalila Pereira da Costa. Assim se deve compreender a
imensa imperfeição da nossa exposição sintética, como se quiséssemos conhecer o
corpo de um determinado homem através do seu esqueleto, conservado em óptima
perfeição, mas desprovido da carne e do sangue da vida. Se temos consciência de
que todos os autores saem maculados da nossa exposição, sobre a obra de Dalila
Pereira da Costa não temos dúvida que defraudaremos as expectativas do leitor.
Não se nos louve a modéstia, que esta não é senão defesa face à nossa
incapacidade. De facto, se presumimos que conseguimos acompanhar o raciocínio
da autora, captando-o intuitivamente, já duvidamos ter conseguido expô-lo com a
claridade que ele merece. Segundo Eduardo Lourenço, referindo-se ao ensaio de
Dalila Pereira da Costa sobre Fernando Pessoa, existe uma genuína simbiose
entre o pensamento da autora e o objecto estudado. Não errou Eduardo Lourenço,
porque é justamente esta a metodologia intuitiva que Dalila Pereira da Costa ‘cultiva’
e faz o leitor ‘cultivar-se’ nos seus textos. Assim, todas as palavras
escasseiam para dar conta das suas representações principais, desprendidas das
categorias históricas do tempo e da concreticidade do facto, tornando-se elas
próprias momentos-síntese, que são simultaneamente momentos-totais e
momentos-limite, ou símbolos, palavras ou imagens espirituais condensadoras da
totalidade da história, sugadoras e transformadoras de toda a história real
concreta. António Quadros, num notabilíssimo esforço para tornar claro o
pensamento de Dalila Pereira da Costa, fala numa “fenomenologia mística” e numa
incursão fantástica no maravilhoso português». In Dalila Pereira da Costa, A História Mítica da Cultura Portuguesa, Wikipedia.
continua
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