O Estado e a Sociedade Portuguesa, 1200-1500
Coroa e Nobreza
«Situado numa das extremidades da massa continental da Eurásia, uma finisterra virada para África e para o
ainda desconhecido Atlântico, o Portugal de 1450 estava em posição excepcional para
criar um modelo de império colonial que seria repetidamente imitado nos séculos
seguintes. No século VIII, o Sul do que viria mais tarde a ser Portugal caíra
sob o domínio de Musa bin Nusayr, que havia acabado de percorrer Marrocos e que
chegaria até à Galiza; o seu filho Abd al-Aziz tomou as cidades de Beja e Évora
no ano de 712. Num ou noutro período, todas as partes de Portugal estiveram sob
domínio árabe. A cidade nortenha de Braga, para alguns o coração de Portugal,
só foi reconquistada no século X, e a cidade do centro de Portugal, Coimbra, só
no seguinte. A luta contra o domínio islâmico, árabe ou berbere, marcou
profundamente a mentalidade portuguesa medieval. Chamados de mouros devido à sua associação à Mauritânia,
o nome romano para o Magreb, estes adversários tomaram-se os ‘espantalhos’ para
os ideólogos nacionalistas ao longo de muitos séculos. Pois, num certo sentido,
os Mouros foram as parteiras que assistiram ao nascimento da nação portuguesa,
e uma vez chegada à adolescência, a nação sentia ainda a necessidade de definir
a sua identidade em oposição aos mesmos.
O domínio muçulmano sobre o futuro Portugal foi desigual quer no tempo,
quer no espaço. Em algumas regiões, como as ao norte do rio Douro, os Árabes
tiveram uma presença intermitente, tendo sido expulsos logo na segunda metade do
século VIII, regressando apenas no século X por um breve período. Esta região,
incluindo o sul da Galiza, Trás-os-Montes e o Minho, tornou-se o berço da jovem
nação portuguesa: o próprio nome de Portugal deriva da cidade de Portucale,
perto do actual Porto, sede do Condado de Portucale nos tempos de Afonso III de
Leão, nos meados do século X. Mais a sul, a região entre os rios Douro e Tejo,
ou seja, a maior parte da área da Beira e Estremadura permaneceu disputada entre
diversas forças, incluindo as coroas de Leão e Castela por um lado, e os califas
de Córdova por outro. Nos finais do século X, Muhammad bin Abi Amir, ou
al-Mansuf, ‘o Vitorioso’, que reinava de facto sobre Córdova, procedeu a uma
série de expedições devastadoras a Santiago, Coimbra e outros centros desta
região. Porém, apenas meio século depois, o poder de Córdova entrou em colapso;
Coimbra foi reconquistada em 1064, e nos princípios do século XII surgiu uma
nova ordem.
Esta ordem é geralmente associada ao fundador-rei de Portugal Afonso
Henriques (1106-85), cujo pai adquirira os condados, primeiro de Coimbra,
depois de Portucale nos finais do século XI, e cuja primeira sede de poder foi
a cidade de Guimarães. Como demonstram os recentes e profundos estudos de José
Mattoso e de outros, no norte e centro de Portugal surgiu nos finais do século
XI uma nobreza bem definida, tomando o lugar da nobreza condal anterior, que
havia em grande parte estado dependente do apoio e legitimação por parte de Leão.
As guerras dos finais do século X e início do século XI quebraram a espinha
dorsal do poder condal; a linhagem dos condes de Coimbra, por exemplo,
extinguiu-se devido às invasões muçulmanas, enquanto que os condes de Portucale
tiveram que deixar os seus territórios para a Galiza.
Quando o Califado de Córdova caiu em 1031 e foi
substituído por um sistema de estados muçulmanos taifa, ou ‘reinos separados’ relativamente pequenos, estabelecidos
em centros como Saragoça, Sevilha, Toledo e Badajoz, quem estava habilitado a tirar
proveito da confusão que se seguiria seria então não a nobreza condal mas uma
nova gente da média nobreza, os chamados infanções».
In Sanjay
Subrahmanyam, O Império Asiático Português, 1500-1700, Uma História Política e
Económica, Difel, Memória e Sociedade, 1995, Fundação Oriente, ISBN
972-29-0328-4.
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