segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Paraíso Triste. O Quotidiano em Lisboa durante a II Guerra Mundial. Maria João Martins. «Em 1 de Abril de 1942, um jornalista do Diário de Lisboa comparava a situação vivida diariamente, entre as seis e as onze da manhã, no Frigorífico de Santos, onde se realizava a lota do chamado ’peixe do alto’»



E a guerra aqui tão perto. Crianças refugiadas em Lisboa
corsinoneto e jdact

E a Guerra aqui tão perto
«A 13 de Janeiro de 1942, o Diário de Lisboa noticiava ‘a carestia e a alta injustificada de preços’. ‘Uma galinha mediana custa 20$00. Compreende-se? Um coelho médio atinge um preço dos láparos de há meia dúzia de meses. Fixou-se e muito bem o preço dos ovos. Mas o Natal já passou e eles continuam a 8$40. O bacalhau, alimento quase base e que foi anunciado como suficiente para alguns meses, não se encontra. A província, a este respeito, vive em regime quase de privação. A falta de carnes, nas quais se verificaram há meses a esta parte duas altas de preço, continua e não se vê uma solução para o problema’. Em 1 de Abril de 1942, um jornalista do mesmo jornal comparava a situação vivida diariamente, entre as seis e as onze da manhã, no Frigorífico de Santos, onde se realizava a lota do chamado ’peixe do alto’, com a situação anterior à Guerra. Segundo dizia, o antes era assim:
  • ‘Antigamente, a lota era feita de cima para baixo, mas de muito alto e cada caixa era arrematada por alguém que pronunciava o "chui", sinal de que se conformava com o preço apresentado pelo pregoeiro. O peixe abundava na maior parte do ano’.
Em 1942, a situação era já muito diferente:
  • ‘[…] como a procura é enorme, escreve o mesmo jornalista, acontece que quasi sempre, logo que é pronunciada a importância máxima pelo pregoeiro, são numerosas as pessoas que gritam "chui". Estas aglomeram-se, gritam na galeria, num espaço manifestamente insuficiente, em condições impressionantes que é necessário modificar, não só porque é desumano mas porque, gritando muitas pessoas ao mesmo tempo "chui", e impossível fazer uma distribuição equitativa do peixe’.
Para além do pescado, também faltava o açúcar, o arroz, o bacalhau e a manteiga, para referir apenas os alimentos mais habituais na mesa dos portugueses. Ante esta situação que, rapidamente, se generalizaria em diversos sectores, os constituídos Serviços de Fiscalização contra Açambarcamento e Especulação não tinham mãos a medir. Numa economia de guerra há que não fazer concessões. No entanto, não faltavam os comerciantes que arriscavam para melhor aproveitar a escassez reinante. O açambarcamento torna-se prática corrente (a 13 de Janeiro de 1942, o Diário de Lisboa comentava assim a escassez de alguns géneros:
  • ‘Não se trata de outra coisa que não seja produto de movimentos artificiais de retenção ou de cotação’.
Mas há outros crimes económicos a afectarem o quotidiano do cidadão comum. Numa notícia publicada no Diário de Lisboa de 1 de Junho de 1943 falava-se das autênticas fortunas conseguidas graças à venda, em mercado negro, do ferro, do café, do cacau e do grão. Como escrevia o jornalista, ‘são dos tais negócios feitos à mesa do "café", em que os intermediários e negociantes têm pouco ou nenhum trabalho na sua colocação ou aquisição. Quando um artigo falta no mercado, as pessoas que dele necessitam não dão pela sua falta, desde que o paguem por qualquer preço, e ainda ficam a dever um favor a quem lho vende...’
Por outro lado, como, infelizmente, sempre acontece nestas ocasiões de escassez, comerciantes houve que praticaram verdadeiros atentados contra a saúde pública. Em Maio de 1943, por exemplo, foram condenados no Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios quatro comerciantes das mais diversas regiões do país.
Os seus crimes foram vender leite falsificado com água bem como garrafas com rótulos de aguardente de bagaço, quando se verificou conterem, sim, aguardente, mas de medronho e figo e açúcar falsificado com farinha». In Maria João Martins, O Paraíso Triste, O Quotidiano em Lisboa durante a II Guerra Mundial, Vega, Colecção Memória de Lisboa, 1994, ISBN 972-699-474-8.

Cortesia de Vega/JDACT