«Colecções heterogéneas outrora formadas: procurar no Corpo Cronológico
era como buscar agulha em palheiro, documentos provenientes de todos os cantos
do globo, de várias instituições, de natureza diversa. A publicação de fontes
tanta vez caótica e dispersiva, frequentemente ao acaso de um achado, nem
sempre com fidelidade paleográfica e diplomática. Carecia-se inacreditavelmente
de edições críticas, rigorosamente eruditas, até de crónicas ou descrições fundamentais.
Mau grado a “História de Portugal”
dirigida por Damião Peres, com excelente tratamento de muitos dos temas, a
investigação não abordava a fundo campos como a economia, as estruturas
sociais, a mentalidade. Apesar de ter havido um Costa Lobo, um Alberto Sampaio,
e de Oliveira Martins ter posto problemas pertinentes, Herculano estudado a
sociedade medieval; Jaime Cortesão perscrutara com pena aliciante os factores
da formação de Portugal, António Sérgio bem procurara sacudir o pó, desafiando
com inovadora problemática.
Mas a desconfiança dos meios oficiais pelas ciências humanas, o sagrado
horror por tudo quanto cheirasse a económico e social, o nefando marxismo
encapotado, tudo impedia que a investigação científica se institucionalizasse,
e tivesse apoios do Estado. As Faculdades de Letras tendiam para a
fossilização, e não contavam no seu elenco com tais matérias. Jaime Cortesão e
Duarte Leite, António Sérgio foram publicados por editoras particulares. Não
era porém só a falta de condições de investigação que a cerceava. Uma ideologia
única era imposta: o Infante Henrique, virgem e sábio, é que lançara e dirigira
a expansão, a expansão era uma cruzada contra Mafamede e sua seita, em prol da
Cristandade. De escravatura era melhor não falar, publicando uma colectânea de
estudos de Frédéric Mauro, não se incluiu o que respeita ao tráfico negreiro, a
documentação atinente não estava acessível, sobretudo a estrangeiros.
Dado este conjunto de condições adversas, e de algumas orientação enviesadas,
principalmente desde que o regime ditatorial se implantou, admire-se o esforço
de tantos que conseguiram prosseguir intensificar o movimento vindo do século XIX,
em parte já do XVIII, de construção erudita, culminando em três grandes obras
colectivas, a História da colonização do
Brasil (1921-1924), bem mais ampla do que o título indica, realizada graças
à colónia portuguesa do Brasil, a História
de Portugal dirigida por Damião Peres, no começo dos anos 30, a História da Expansão Portuguesa no Mundo (1937-1940), com capítulos
fundamentais, lembrem-se os de Veiga Simões e David Lopes. Estes edifícios
alicerçaram-se na publicação de numerosas fontes quatrocentistas e
quinhentistas, revelando obras capitais que uma cultura sobretudo manuscrita
sob esta forma deixara, sem explorar as novas possibilidades da tipografia.
Revelação da Crónica dos Feitos
da Guiné de Zurata, dos Roteiros do vice-rei da Índia João de Castro, da
Relação da Viagem de Vasco da Gama por Álvaro Velho, do Corpo Diplomático, das Lendas da Índia de Gaspar Correia, do Esmeraldo de Duarte Pacheco, para darmos
apenas alguns exemplos». In Vitorino Magalhães Godinho, A Expansão
Quatrocentista Portuguesa, 1962, Publicações Dom Quixote, 2008, ISBN 978-972-20-3510-1.
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