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In Memoriam de JLT
«Perspicaz como é, e delirando talvez por cair em graça aos vindouros,
mediante uma façanha diversa da dom-juansextite crónica da sua família, V.M.
haverá predito a urgência de apropinquar à sua real pessoa uma tentativazinha
de regicídio, já não digo das grandes, mas atinente enfim às suas posses.
Porque às transformações deste tempo, nem escapam reis nem patriarcas; e se é
certo que uns e outros estejam dispensados de fazer as grandes guerras e de
pregar as grandes cruzadas, não pelo duvidoso tenho a instância de cada qual
aproveitar a ocasião de se fazer temido, e sobrelevar ao vulgacho, por uma
altiva bravura ante os perigos, ainda que sejam apócrifos, como os do tio de
V.M.
Pintar o gosto que todos teríamos, vendo V.M. emparceirar na escala do
martírio, com outros seus colegas, grous coroados, graças à ferocidade de um sicário,
é coisa que não pode o colorido exangue desta pena, afeita a cronicar discursos
arroianos, e a abrir epitáfio às artes fuschinizadas por esses saguões, jardins
públicos e paços concelhios. Mas calcularia V. Mercê o arco de tal júbilo, meu
senhor, abiscoitando uma ovaçãozinha galopinada cá pelo rapaz, e então medindo
a toda a grandeza histórica, a vergonha de que libertava a monarquia, caso uma
inofensiva bomba de dinamite viesse a rebentar aos pés mais que tudo Rafaéis –
Gabriéis – d’Assis - Gonzagas, etc., de V.M.!
Sobrevenho portanto, meu rei e padre, com patrióticas instâncias, a que
V.M. se deixe chumbar seja por que buraco for. Ah, senhor meu, que rica coisa é
um monarca que procura dar lustre ao seu reinado, vindo à estacada caçar
lauréis e palmas, sem outra defesa contra as jogatas da turba, além de uma
inofensiva camisola de flanela! No tocante a armamentos, é singular que
enquanto as máquinas de guerra vão complicando a ferocidade das nações, e enfreando
a ciência ao serviço da hecatombe, esteja a armadura dos guerreiros reduzida às
formas simples da camisola Jaeger, dos suspensórios Pivet, e das meias de
borracha contra as varizes das pernas. Denuncia isto que a coragem do homem tem
crescido, pois que ele dispensa o aço de lhe proteger o cavername, e que V. M.
evitando dar motivo de zanga aos seus vassalos, pelo receio pessoal de uma
agressão, baixa por este facto escandalosamente do nível épico aonde os reis
devem mostrar-se, como em obeliscos de glória, para as ovações triunfais da
posteridade. E isto me pesa, senhor, que possuindo V. Mercê todos os atributos de
um grande e ilustre rei, só de bravura esteja mal servido, a ponto de sujar as
ceroulas mal lhe dizem que foi um camarada seu espingardeado. Está pois V. M.
um monarca asseado! Pode limpar as ceroulas à parede!» In Fialho de Almeida,
Carta a D. Luís sobre as Vantagens de ser Assassinado, Assírio & Alvim, Colecção
Gato Maltês 72, 2010, ISBN 978-972-37-1441-8
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