Sobre a busca das Índias
«Depois do infante Henrique ter mandado construir a Vila do Infante, em
Sagres, numa região que lhe foi concedida em 1443 pelo infante Pedro, Gomes
Eanes de Zurara revelou em 1453 ter ouvido ‘dizer que, sendo esta vila
começada, os genoveses davam por ela grande preço; os quais, como sabeis, são
homens que não empregam seus dinheiros sem certa esperança de ganho’. Mas não
foram apenas os homens de Génova que por ali passavam a estar atentos às acções
do infante na estratégica região do Barlavento algarvio, pois também os
venezianos o estavam, como se revela pelo facto de ali terem um cônsul.
Este dado surpreendente foi registado em 1454 pelo veneziano Alvise de
Ca da Mosto, Luís de Cadamosto na sua forma aportuguesada, da seguinte forma, que
traduzimos do italiano:
- Encontrando-me, pelo tempo contrário, com as ditas galés no Cabo de S. Vicente, assim chamado, deu-se o caso de não muito longe dele estar o referido senhor infante Henrique, numa povoação vizinha chamada Raposeira. O qual senhor como houvesse notícia de mim enviou as galés um seu secretário, chamado Antão Gonçalves, e com ele um Patrizio di Conti, que se dizia veneziano, e cônsul da nossa nação no dito reino de Portugal, como mostrou ser verdade por uma sua carta da nossa Senhoria, com o selo pendente. O qual Patricio também trazia provisões do referido infante.
Cadamosto revelou-se espantado por ter encontrado naquele local ermo
esse outro veneziano que dava pelo nome de Patrizio di Conti e servia então de
consultor do infante. Esse homem obtivera necessariamente em Veneza informações
geográficas sobre o Oriente tal como os venezianos o conheciam, nomeadamente as
que haviam sido transmitidas em data recente por uma personalidade que seria por
certo seu familiar chamado Nicolò di Conti (1385-1469). Este famoso veneziano
partira em 1414 para a Ásia, onde andou vinte e cinco anos até regressar a Veneza
em 1439, tendo-se de seguida encontrado com o florentino Poggio Bracciolini
(1380-1459), secretário do papa e humanista de renome, que cerca de 1448 escreveu
um texto tendo por base as histórias que lhe contara das suas viagens pelas Índias.
É ainda de recordar neste contexto que foi igualmente cerca de 1448 que Poggio
Bracciolini escreveu um elogio do infante Henrique, em que enaltecia os seus
empreendimentos descobridores.
As informações transmitidas por Nicolò di Conti foram igualmente
ouvidas por outras personalidades como Toscanelli, tendo também sido
consideradas e registadas na preparação de um mapa-mundo de 1457 chamado
vulgarmente ‘genovês’, mas que será florentino e também é denominado ‘della
mandorla’, o qual se encontra na Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze,
Portolani, 1 . É possível que tenha sido este o mapa que foi mostrado por
Toscanelli aos embaixadores portugueses, entre os quais se encontrava Fernando
Martins, quando em Julho de 1459 foram a Florença tratar com ele de assuntos
geográficos, certamente a pedido do infante Henrique que muito se interessava
por tais questões, nomeadamente as do foro cartográfico.
Leonardo Rombai aponta-nos alguns elementos preciosos sobre este
encontro, referenciando nomeadamente que o mercador florentino Francesco
Castellani emprestou em Julho de 1459 a Toscanelli o seu mapa-mundo:
- Ricordo che insinadì … di luglo[1459] prestai a Andrea di Bochacino per maestro Paolo di maestro Domenico Dal Pozzo Toscanelli el mio mappamundo grande storiato e compito di tucto; portò suo famiglo et debbemelo restituire salvo aoperato l’arà per parechi dì e mostro a certi ambasciatori del re di Portogallo.
Estes embaixadores do rei de Portugal que então tinham chegado a Florença
vinham saudar o cardeal Jaime de Portugal, em cujo séquito se encontrava Fernando
Martins,
que está registado no testamento do mesmo cardeal Jaime, que ali veio a
falecer a 27 de Agosto de 1459». In José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo,
Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do
Conde, ISBN 978-989-554-912-2.
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