quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Futuro e os seus Inimigos. Uma defesa da Esperança Política. «Neste contexto, a importância que o valor de proximidade adquiriu revela, além de algumas coisas positivas, a perda daquele sentido da distância temporal que ganha o seu crédito nas ideias de espera e de projecto»

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«O espaço amplia-se enquanto o tempo se acelera: eis como poderíamos sintetizar o fenómeno. Ou ainda, o tempo tende a aniquilar o espaço. Nesta óptica, a globalização é um regime espaço-temporal que se caracteriza espacialmente pela substituição de estruturas fixas por flows em perpétuo movimento e temporalmente pela simultaneidade de um presente hegemónico. Como Paul Virilio adverte, o que se globalizou foi o presente, ou seja, o chamado tempo real, a imediatez, a ubiquidade e a instantaneidade.
A nova configuração da economia tem nestes processos uma importância decisiva. Por um lado, há a volatilidade dos mercados financeiros, que vivem num horizonte temporal extremamente curto.
Os agentes económicos esforçam-se por abreviar os prazos de resposta à procura dos clientes reduzindo o ciclo dos produtos ou planificando a sua obsolescência. Ao mesmo tempo, o modo de funcionamento dos mercados financeiros contagiou o das empresas. A lógica dos accionistas antepôs-se à dos gestores, impondo às empresas resultados a curto prazo e obrigando-as a protelar, por exemplo, os investimentos em favor da produtividade ou da qualidade do serviço, que proporcionariam um crescimento futuro. Passámos da gestão de stocks própria da era industrial para a sobrevivência no meio dos fluxos e do just in time.
A urgência está também ligada à sentimentalizarão das sociedades modernas. Entre outras consequências no tempo colectivo, a hegemonia do sentimental tende a legitimar a acção imediata e a desprezar outras alternativas que se inscrevam num registo menos imediato.
Está muito ligado a isso o papel dos meios de comunicação, que se tornaram grandes geradores de imediatez, como também o fenómeno da democracia das sondagens, que dá a primazia à lógica da opinião conjuntural contra a da representação e dos projectos sustentados no tempo.
Tudo isso tem dado origem a efeitos no carácter humano que foram analisados de modo exaustivo por Richard Sennet. A nossa relação com o tempo está desregulada; é isso que se manifesta claramente na enorme dificuldade com que nos projectamos no futuro e na nossa absorção pela urgência do presente. Quando se fala de projecto, está-se a pensar em procedimentos destinados a incrementar o rendimento e a eficácia e não em antevisões do futuro ou em perspectivas. Não conseguimos resistir ao power of deadline; os prazos subverteram os valores e o urgente substituiu o importante; reina a tirania do que é preciso despachar. Não somos capazes de perseguir objectivos de longo prazo ou de elaborar opções e projectos. Neste contexto, a importância que o valor de proximidade adquiriu revela, além de algumas coisas positivas, a perda daquele sentido da distância temporal que ganha o seu crédito nas ideias de espera e de projecto.
Entre os efeitos antropológicos desta imedietez sem perspectivas, devemos salientar a dificuldade de aceitar uma realização diferida do que se espera. Já Tocqueville mencionava os indivíduos que, ‘na medida em que deixaram de situar as suas principais esperanças no longo prazo, tendem a querer realizar sem demora os seus mínimos desejos’. Estamos instalados num modelo de acção que desconhece os objectivos estáveis ou o itinerário de acção linearmente construído.


Deste modo produzimos uma dinâmica social da urgência em que tudo é exigível imediatamente e a espera se torna especialmente irritante. O indivíduo está dominado pelo desejo de satisfação imediata e mostra-se intolerante perante a frustração; exige tudo já, salta de um desejo para outro com impaciência crónica, prefere a intensidade à duração, é incapaz de se inserir no mais insignificante projecto ou em qualquer continuidade e exige do presente o que deveria ser esperado do futuro. Parece, pois, que devemos subscrever o diagnóstico de Walter Benjamin: essa gradual perda de experiência na sociedade moderna que resultaria da incapacidade do sujeito para transformar em experiência genuína a pluralidade das impressões; o seu tempo é o tempo de uma sucessão de sensações não acumulativas, descontínuas e a modo de choque». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.

Cortesia de Teorema/JDACT