quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

No 31. Poesia. «A mulher que eu amo tem a pele morena. É, bonita é pequena e me ama também; teriam sido capazes de constituir cultura por tudo que a vida ensina e mais do que livro dura…»

Cortesia de wikipedia

A Mulher que Eu Amo

«A mulher que eu amo

Tem a pele morena

É, bonita é pequena

E me ama também.

A mulher que eu amo tem tudo que eu quero

E até mais do que espero encontrar em alguém

A mulher que eu amo tem um lindo sorriso

É tudo que eu preciso pra minha alegria

A mulher que eu amo tem nos olhos a calma

Ilumina minha alma, é o sol do meu dia

Tem a luz das estrelas e a beleza da flor

Ela é minha vida, ela é o meu amor.

A mulher que eu amo é o ar que eu respiro

E nela eu me inspiro p’ra falar de amor

Quando vem p’ra mim é suave como a brisa

E o chão que ela pisa se enche de flor.

A mulher que eu amo enfeita minha vida

Meu sonhos realiza, me faz tanto bem

Seu amor é pra mim o que há de mais lindo

Se ela está sorrindo eu sorrio também.

Tudo nela é bonito, tudo nela é verdade

E com ela eu acredito na felicidade.

Tudo nela é bonito, tudo nela é verdade

E com ela eu acredito na felicidade»

In PaulinhoLevi eLuis Levi, Editora Musical Amigos, Musixmatch.


Queria que…

«Queria que os portugueses

tivessem senso de humor

e não vissem como génio

todo aquele que é doutor

sobretudo se é o próprio

que se afirma como tal

só porque sabendo ler

o que lê entende mal

todos os que são formados

deviam ter que fazer

exame de analfabeto

para provar que sem ler

teriam sido capazes

de constituir cultura

por tudo que a vida ensina

e mais do que livro dura

e tem certeza de sol

mesmo que a noite se instale

visto que ser-se o que se é

muito mais que saber vale

até para aproveitar-se

das dúvidas da razão

que a si própria se devia

olhar pura opinião

(…)

se a nação analfabeta

derrubou filosofia

e no jeito aristotélico

o que certo parecia

deixem-na ser o que seja

em todo o tempo futuro

talvez encontre sozinha

o mais além que procuro».

Poema de Agostinho da Silva, in Poemas

Poesia, Agostinho da Silva, Cultura, Filosofia, Roberto Carlos, Paulinho Levi, Luis Levi, Amor,

No 31. A Solidão dos Números Primos. Paolo Giordano. «A erva do prado ainda estava húmida da cacimba da noite. Michela saltitou atrás dele, sujando as suas botinhas de camurça branca…»

jdact

O Princípio de Arquimedes (1984)

«(…) Vai pegar na bola e não a dá a ninguém, exactamente como faz na escola, pensava Mattia. Olhou para a gémea, que tinha olhos iguais aos seus, nariz igual ao seu, cor de cabelos igual à dos seus e um cérebro de deitar fora, e, pela primeira vez sentiu um ódio autêntico. Pegou-lhe pela mão para atravessar a avenida, onde os carros passam a maior velocidade. Foi ao atravessar que lhe veio uma ideia. Largou a mão da irmã, coberta pela pequena luva de lã e achou que não era justo. Depois, enquanto ladeavam o parque, mudou de ideia outra vez e convenceu-se de que jamais alguém viria a saber. É só por algumas horas, pensou. Só desta vez. Mudou bruscamente de direcção, puxando Michela por um braço, e entrou no parque. A erva do prado ainda estava húmida da cacimba da noite. Michela saltitou atrás dele, sujando as suas botinhas de camurça branca, novinhas em folha, na lama.

No parque não se via ninguém. Com aquele frio a vontade de passear passaria a qualquer pessoa. Os dois gémeos chegaram a uma zona arborizada equipada com três mesas de madeira e um grelhador de carne para piqueniques. No primeiro ano escolar ficaram por ali a almoçar, numa manhã em que as professoras os haviam levado a passear para apanharem folhas secas, com que depois fariam horríveis centros de mesa para oferecer aos avós no Natal. Michi, ouve-me bem, disse Mattia. Estás-me a ouvir? Com Michela era sempre necessário certificar-se de que aquele seu estreito canal de comunicação estava aberto. Mattia esperou por um aceno de cabeça da irmã. Muito bem. Então, eu agora, tenho de me ir embora durante algum tempo, está bem? Mas não demoro muito, é só meia hora, explicou-lhe. Para dizer a verdade nem era preciso, já que para Michela meia hora ou um dia inteiro fazia pouca diferença. A doutora tinha dito que o desenvolvimento da sua percepção espaciotemporal estagnara numa fase pré-consciente e Mattia compreendera muito bem o que queria dizer.

Ficas aqui sentada e esperas por mim, disse à gémea. Michela fitava o irmão com seriedade e não disse nada, pois não sabia responder. Não deu sinal de ter compreendido verdadeiramente mas, por instantes, os seus olhos acenderam-se e Mattia, por toda a vida, pensou naqueles olhos como olhos de medo. Afastou-se alguns passos da irmã, caminhando ao contrário para continuar a olhar para ela e assegurar-se de que não o seguia. Só os caranguejos é que caminham dessa maneira, havia-lhe ralhado a mãe certa vez, e acaba sempre que vão bater nalgum sítio. Estava a quinze metros e Michela já não olhava para ele, compenetrada que estava a tentar arrancar um botão do seu casaco de lã. Mattia voltou-se para a frente e começou a correr, apertando na mão o saco com o presente. Dentro da caixa, mais de duzentos cubinhos de plástico batiam uns contra os outros e pareciam querer dizer-lhe alguma coisa. Olá, Mattia, recebeu-o a mãe de Riccardo Pelotti abrindo a porta. E a tua irmã? Está com um pouco de febre, mentiu Mattia.

Oh, que pena, disse a senhora, que não parecia nada ter pena. Afastou-se para o deixar entrar. Ricky, chegou o teu amigo Mattia. Vem cumprimentá-lo, gritou na direcção do corredor. Riccardo Pelloti surgiu com uma derrapagem no pavimento e a sua expressão antipática. Deteve-se por um segundo a olhar Mattia e procurou vestígios da atrasada. Depois, aliviado, disse olá. Mattia levantou o saco com o presente debaixo do nariz da senhora. Onde ponho isto?, perguntou. O que é?, perguntou Riccardo, desconfiado. É um Lego. Ah. Riccardo pegou no saco e desapareceu de novo pelo corredor». In Paolo Giordano, A Solidão dos Números Primos, 2008, tradução de José Serra, Bertrand Editora, Lisboa, 2013, ISBN 978-972-251-834-5.

Cortesia de BertrandE/JDACT

JDACT, Paolo Giordano, Literatura, Escrita, Saber,

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Alice Hoffman. As Mulheres do Deserto. «Quanto mais os romanos nos prendiam por crimes contra a sua lei, mais lutávamos entre nós mesmos, incapazes de nos decidir sobre uma única linha de acção»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Quando os romanos atacaram o terceiro muro, o nosso povo foi forçado a fugir daquela parte do Templo. Em seguida, a legião derrubou o segundo muro. Ainda não foi o bastante. O grande Tito, líder militar de toda a Judeia, passou a construir quatro rampas de cerco. Nosso povo as destruiu com fogo e pedras, mas o ataque dos romanos aos muros do Templo havia enfraquecido as nossas defesas. Não muito tempo depois conseguiram abrir uma brecha. Os soldados entraram no labirinto de muros que cercavam o nosso local mais sagrado, correndo como ratos, os escudos erguidos para o alto, as túnicas brancas abrasando-se com o sangue. O Templo sagrado estava sendo destruído pelas suas mãos. Depois que isso acontecesse, a cidade também, obrigada a acompanhá-lo, tombaria de joelhos como um prisioneiro comum, pois sem o Templo não haveria lev ha-olam, o mundo perderia o centro, não restando nada por que lutar. O anseio por Jerusalém era um fogo que não se extinguia. Existia uma faísca dentro do mais sagrado dos lugares santos que fazia as pessoas quererem possuí-lo, e o que mais desejam muitas vezes os próprios homens destroem. À noite, os muros que tinham sido feitos para durar uma eternidade gemeram e oscilaram.

Quanto mais os romanos nos prendiam por crimes contra a sua lei, mais lutávamos entre nós mesmos, incapazes de nos decidir sobre uma única linha de acção. Talvez por saber que não conseguiríamos triunfar sobre o seu poderio, voltávamo-nos uns contra os outros, divididos por ciúme, desunidos pela traição, a nossa vida tornou-se um emaranhado sombrio de medo. As vítimas muitas vezes atacam umas às outras, como galinhas num galinheiro, trocando bicadas frenéticas. Nós fizemos o mesmo que elas. Não só o nosso povo foi sitiado pelos romanos, mas as pessoas entraram em guerra umas contra as outras. Os sacerdotes foram condescendentes, pendendo para o lado de Roma, e os que lhes faziam oposição eram declarados ladrões e bandidos, meu pai e seus amigos entre os opositores. Os impostos eram tão altos que os pobres não podiam mais alimentar os filhos, enquanto os que se aliaram a Roma prosperavam e enriqueciam. As pessoas testemunhavam contra os próprios vizinhos, roubavam umas das outras e fechavam a porta aos necessitados. Quanto mais desconfiávamos uns dos outros, mais éramos derrotados, divididos em grupos hostis, quando na verdade éramos um corpo só na crença em Adonai, éramos os filhos e as filhas do reino de Israel.

Durante os meses que antecederam a destruição do Templo, instalou-se o caos enquanto enfrentávamos os nossos inimigos. Fizemos todo o esforço para vencer aquela guerra, mas, assim como Deus criou a vida, também gerou a destruição. Durante o furioso mês vermelho de Av, corpos inchados lotavam o kidron, a ravina profunda que separava a cidade do cintilante Monte das Oliveiras. O sangue de homens e animais formava lagos escuros nos nossos lugares mais sagrados. O calor era estranho e implacável, como se a maldade da terra se refletisse contra nós, um espelho dos nossos pecados. Dentro dos salões mais secretos do Templo, o ouro era fundido e partilhado; desaparecia, roubado do mais santo dos lugares, para nunca mais ser visto.

Nem uma única brisa soprava. A temperatura subira com a desordem, do chão para cima, e os tijolos que pavimentavam as estradas romanas eram tão quentes que queimavam os pés das pessoas, enquanto os desesperados buscavam um paraíso seguro, um estábulo, uma câmara abandonada, até mesmo um espaço de pedra fria no interior do forno de um padeiro. Os soldados da décima legião, que seguiam a insígnia do javali, plantaram as suas bandeiras sobre as ruínas do Templo, com pleno conhecimento de que isso era uma afronta para nós, pois atiravam na nossa cara um animal que considerávamos impuro. Os soldados eram como os próprios javalis, irresponsáveis, cruéis. Corriam por todo o lado, matando galos brancos do lado de fora das sinagogas, tratando lugares que serviam como bet kenesset e bet tefilliah, casas tanto de reunião como de oração, como um insulto e uma maldição». In Alice Hoffman, As Mulheres do Deserto, Editora Planeta, 2011, 2013, ISBN 978-854-220-122-2.

Cortesia de EPlaneta/JDACT

JDACT, Alice Hoffman, Literatura, Deserto,

O Tempo Morto É Um Bom Lugar. Manuel Jorge Marmelo. «Lavam-se, despem-se, fornicam, dormem, discutem e insultam-se em directo, e fazem absoluta questão de, a cada passo, fazer alarde de uma profunda…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Negro

«O tecto há-de ter sido branco. Agora tem manchas de humidade que parecem uma varicela negra e rachaduras irregulares como veias e artérias de um obscuro sangue. A cor varia consoante a luz que entra pela pequena janela com grades: é uma espécie de branco. Talvez um dos sessenta e sete tons de branco que os esquimós identificam com sessenta e sete palavras diferentes. Eu chamo-lhe branco de tecto de prisão. Passo a maior parte do tempo deitado no catre, de barriga para o ar e com os dedos entrelaçados sobre o peito, indiferente a quase tudo o que sucede no estabelecimento prisional e também ao que acontece do lado de fora dos muros e das paredes da penitenciária. Fixo o olhar no branco do tecto da cela e, aos poucos, convenço-me de que tenho diante de mim um vasto e inóspito deserto de gelo, branco, branco, branco, como um espaço morto dentro de um tempo morto: uma estepe gelada e sem vida. Assemelha-se àquilo que tenho dentro: desolação e desistência.

Talvez por isso me aborreça quase tudo, desde logo a possibilidade de, um dia, me libertarem. Penso nisso e parece-me uma ameaça: a liberdade que é oferecida a quem está lá fora deixou de me interessar e nem sequer é liberdade. O exterior do estabelecimento prisional está cheio de cercas, gaiolas e grades invisíveis, mentais, mais concretas e constrangedoras do que as barras de aço que há na janelota da cela. Por estar colocada num ponto tão alto da parede, junto ao tecto, a janela é de acesso relativamente difícil. Ser-me-ia necessário trepar para cima de uma cadeira se por acaso quisesse ver o que existe do lado de fora da cadeia. Graças às peripécias que me permitiram aceder de pleno direito à tranquilidade do sistema prisional, aprendi, porém, a absoluta conveniência da imobilidade e a enrolar-me numa bola, como qualquer bicho de pêlo, até que a borrasca passe. É por isso que agora fico tanto tempo deitado de barriga para o ar, sem nenhuma curiosidade de saber o que acontece para lá das grades, dos muros e das cercas de arame farpado. Contento-me com o vasto deserto branco do tecto da cela e já não me mobiliza nenhum esforço, nenhuma azáfama. Mas não fui sempre assim. Estava desempregado há mais num dos melhores semanários do país. Farto de marrar contra portas fechadas, acabei por responder a um anúncio classificado para ser ghostwriter de uma celebridade da televisão que pretendia publicar a sua autobiografia. Foi a melhor coisa que podia ter feito. Resolvi o problema das contas de uma forma mais ou menos definitiva e, retido na cela deste estabelecimento prisional, disponho agora de tempo livre para escrever tudo o que me apetece, incluindo o livro que me foi encomendado. O anúncio a que respondi era bastante explícito quanto à natureza do trabalho a realizar: procuravam alguém capaz de escrever, em tom bem-humorado, a autobiografia de uma personalidade da chamada Reality TV, algum dos indivíduos, supus, que participaram num programa em que os concorrentes aceitam ficar fechados numa casa durante vários meses, a mandriar e praticar futilidades sob a vigilância permanente de câmaras de filmar. Assisto, uma vez por ano, à grande final do concurso, quando vou cear a casa dos meus pais na noite de Natal, e costumo experimentar, nessa ocasião, um sentimento que mistura espanto, repulsa e vergonha por estar a ver e a ouvir as inanidades que os participantes fazem e dizem perante milhões de espectadores e das próprias famílias. Lavam-se, despem-se, fornicam, dormem, discutem e insultam-se em directo, e fazem absoluta questão de, a cada passo, fazer alarde de uma profunda ignorância, atestando deste modo o fracasso do ensino público ou o talento da produção do programa para escolher os indivíduos mais boçais que aparecem.

Os honorários do trabalho podiam ser negociados e tinha de me comprometer a ter o livro pronto num prazo de seis meses, para estar à venda quando começasse a ser emitido um novo programa da televisão no qual o autobiografado famoso deveria também participar, ampliando a sua celebridade. Ultrapassada a barreira psicológica que me permitiria escrever a autobiografia de outra pessoa, a qual, ainda por cima, era alguém capaz de exibir a sua intimidade postiça durante meses, ocorreu-me que este podia bem ser o impulso que me faltava para iniciar uma carreira como escritor. Tendo em conta o ponto a que o jornalismo chegou e a idade que tenho, pareceu-me evidente que ia precisar de arranjar outra profissão qualquer, ainda que não esteja minimamente habilitado para fazer mais nada. Abandonei precocemente o curso de Direito, no qual me inscrevi por insistência do meu pai, resumindo-se as minhas aptidões, por isso, a escrever notícias e a perder dinheiro a jogar póquer em casinos clandestinos». In Manuel Jorge Marmelo, O Tempo Morto É Um Bom Lugar, 2014, Quetzal Editores, 2014, ISBN 978-989-722-173-6.

Cortesia de QuetzalE/JDACT

JDACT, Manuel Jorge Marmelo, Literatura, 

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

O Fiel Jardineiro. John Le Carré. «O quê, caro amigo?! Repita lá isso. Assassinada. Método desconhecido ou a polícia não quer dizê-lo. O condutor do jipe onde ela ia ficou sem cabeça»

jdact e cortesia de wikipedia

«(…) Continuava a guiar-se pelas suas notas ou pelo menos fingia. Tinha ainda a cara entre as mãos e parecia decidido a assim permanecer, como se depreendia da rigidez obstinada dos ombros. Diga lá outra vez, ordenou Woodrow, após uma pausa. A Tessa estava acompanhada pelo Arnold Blulim. Instalaram-se juntos na Pousada Oasis, passaram lá a noite de sexta-feira e partiram na manhã seguinte, às cinco e meia, no jipe do Noah, repetiu Mildren pacientemente. O corpo de Blulim não estava no todo-o-terreno e não há nenhum vestígio dele. Pelo menos até agora. A polícia de Lodwar e a brigada móvel estão no terreno mas o comando da Polícia em Nairóbi quer saber se pagamos ou não um helicóptero. Onde estão os corpos, neste momento?, perguntou Woodrow como bom filho de militar, seco e prático. Não se sabe. A Polícia queria que o Oasis ficasse com eles mas o Woffigang recusou. Disse que o pessoal sairia imediatamente porta fora e os clientes também. Houve uma hesitação. Ela registou-se na Pousada sob o nome de Tessa Abbott. Abbott?

É o seu nome de solteira. Tessa Abbott, com uma Caixa Postal em Nairobi. É a nossa. Como não tínhamos nenhum Abbott, procurei-o no nosso computador e apareceu Quayle, Tessa, nome de solteira Abbott. Acho que é o nome que ela usa no seu trabalho de ajuda humanitária. Mildren estudava a última página das suas notas. Tentei alertar o Alto Comissario, mas ele anda a visitar os ministérios e estamos em hora de ponta, disse ele. Com isto queria dizer: isto é o Nairóbi moderno do Presidente Moi, em que numa chamada local pode passar-se meia hora a ouvir: desculpe, todas as linhas estão ocupadas, volte a ligar por favor, repetido vezes sem fim por uma simpática voz feminina de meia-idade. Woodrow já tinha chegado à porta. E não contou a ninguém? Nem um pio. E à polícia contou? Eles dizem que não. Mas não põem as mãos no fogo pelo pessoal de Lodwar. Nem por eles próprios, creio eu.

E quanto a si, Justin também não sabe de nada? Exacto. Onde está ele? Calculo que no seu gabinete. Não o deixe sair de lá. Ele hoje chegou cedo. É o costume, quando a Tessa viaja pelo mato. Acha que cancele a reunião? Espere. Consciente agora, se é que alguma vez duvidara, de que estava a braços com um mega-escândalo, além de uma tragédia, Woodrow esgueirou-se por umas escadas das traseiras marcadas Só para Pessoal Autorizado e subiu uma passagem lúgubre que levava até uma porta de aço com uma campainha e um olho-de-boi. Uma câmara de televisão seguiu-o enquanto ele tocava a campainha. A porta foi aberta por uma ruiva magra que usava jeans e uma blusa solta às flores. Sheila, o número dois deles, que fala Swahili, pensou ele automaticamente. O Tim está?, perguntou. Sheila premiu um besouro e falou para uma caixa. É o Sandy e está com pressa.

Só um minuto, gritou uma voz de homem. Esperaram. A costa está completamente livre, agora, disse a mesma voz bem disposta enquanto se abria outra porta. Sheila recuou e Woodrow seguiu-a para dentro da sala. Tim Donohue, Chefe do MI 5 local, um metro e noventa, estava de pé diante da sua secretária. Devia ter estado a arrumá-la, porque não havia um único papel à vista. Donoluie tinha ainda mais mau parecer do que o costume. Gloria, a mulher de Woodrow, dizia sempre que ele devia estar à morte. Faces encovadas e sem cor, bolsas de pele enrugada sob os olhos amarelados e descaídos. O bigode desgrenhado e puxado para baixo numa expressão cómica de desespero. Olá, Sandy. Que é que podemos fazer por si?, gritou ele, espreitando Woodrow por cima dos bifocais com o seu sorriso de caveira. Este é perspicaz demais, lembrou-se Woodrow. Faz um voo planado sobre o nosso território e intercepta os sinais ainda antes de serem executados. Tessa Quayle parece ter sido assassinada algures perto do Lago Turkana, disse ele, com um desejo vingativo de chocar. Há lá um sítio chamado Pousada Oasis. Preciso de falar pela rádio com o proprietário. São treinados para isto, pensou. Regra número um: nunca demonstrar os seus sentimentos, se eles existirem. A cara sardenta de Sheila estava imóvel, pensativa. Tim Donohue mantinha o seu sorriso parvo, de qualquer modo aquele sorriso nunca tivera nenhum significado.

O quê, caro amigo?! Repita lá isso. Assassinada. Método desconhecido ou a polícia não quer dizê-lo. O condutor do jipe onde ela ia ficou sem cabeça. A história é essa. Morta e roubada? Assassinada. Só. Perto do Lago Turkana? Sim. Que raio tinha ido ela lá fazer? Não faço ideia. Ao que dizem, ia visitar as escavações Leakey. O Justin já sabe? Ainda não. Estará envolvido alguém nosso conhecido? É uma das coisas que ando a investigar. Donohue conduziu-o a uma cabine à prova de som que Woodrow nunca vira antes. Havia telefones de cores variadas com cavidades para introduzir fichas de código. Uma máquina de fax pousada sobre uma coisa que parecia um barril de petróleo. Um aparelho de rádio formado por caixas de metal verde. Um livro de endereços escrito à mão pousado em cima. É então assim que os nossos espiões cochicham uns com os outros dentro das nossas embaixadas, pensou ele. Nas mais altas esferas ou no submundo do crime? Nunca o soubera. Donohue sentou-se em frente do rádio, procurou na lista de endereços, depois manuseou os controles com os dedos brancos e tremelicantes enquanto entoava ZN13 85, ZN13 85 chamando TKA 6N, como o herói num filme de guerra. TKA 6O, está-me a ouvir, por favor? Escuto. Oasis, está-me a ouvir, Oasis? Uma explosão de electricidade estática, seguida por uma voz autoritária: Aqui Oasis. Ouço perfeitamente. Quem é você? Escuto, com um sotaque germânico de baixa extracção. Alô Oasis, aqui a Alta Comissão Britânica em Nairóbi, vou-lhe passar Sandy Woodrow. Escuto. Woodrow apoiou as mãos na secretária de Donohue, para se aproximar do microfone: aqui Woodrow, Chefe de Chancelaria. Estou a falar com Wolfgang? Escuto. Chancelaria, como a do Hitler? Secção política. Escuto. Okay senhor Chanceler, eu sou o Wolfgang. Que deseja saber? Escuto. Quero que me dê, por favor, pelas suas próprias palavras a descrição da mulher que passou a noite no seu hotel sob o nome de miss Tessa Abbott. É assim, não é? Foi o nome que ela escreveu? Escuto. Claro: Tessa. Como era ela, fisicamente? Escuto. Cabelo escuro, sem maquilhagem, alta, vinte e muitos e não era inglesa. Cá para mim, não era. Alemã do Sul, austríaca ou italiana. Eu sou hoteleiro, reparo nas pessoas. E ela era linda! Também sou homem. Aquele modo de andar, sexy como um animal... E o que ela trazia vestido... dava ideia que se podia tirar aquilo tudo só com um sopro, Parece-lhe a sua Abbott ou outra pessoa qualquer? Escuto». In John Le Carré, O Fiel Jardineiro, 2001, Editora Dom Quixote, 2001, ISBN 978-972-203-048-9.

Cortesia de EDQuixote/JDACT

JDACT, John Le Carré, Literatura,

A Igreja de S Francisco e o Paço Real de Évora. Francisco Bilou. «… abóbadas das cabeceiras das igrejas de São Francisco de Évora e de Nossa Senhora da Conceição de Beja (1459-1473)…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A obra e os protagonistas 500 anos depois

«Já muito se escreveu sobre a obra tardo-gótica de São Francisco de Évora, seja no enquadramento da reforma arquitectónica do corpo do mosteiro, seja no detalhe do seu programa decorativo. Sem dúvida que a qualidade da obra, no seu conjunto, bem como as várias peças documentais que a acompanham, têm favorecido a recorrência do tema, muito enriquecido ao longo do tempo pelo contributo de reputados historiadores nacionais. Pese embora esta evidência, o certo é que algumas dúvidas, imprecisões e omissões têm acompanhado a historiografia do monumento, quer ao nível da análise dos seus elementos arquitectónicos e artísticos e correspondentes enquadramentos temporais, quer da interpretação documental que sustenta os factos e as figuras que lhe deram origem. Foi, precisamente, para responder a esta constatação que nos atrevemos a insistir na análise detalhada da empreitada tardo-gótica, sobretudo a manuelina, tentando reconstituir-lhe um ordenamento factual e cronológico plausível.

Com efeito, relendo o que de substantivo se escreveu até ao momento sobre o assunto, não é óbvia nem consensual a interpretação sobre as diversas intervenções no edifício entre o final do século XV e o início do século seguinte. Desde logo as que andam atribuídas dubitativamente aos investimentos beneméritos de Afonso V e de seu filho, João II, pois se do primeiro dizem as crónicas ter restaurado a arruinada igreja gótica com sua mão poderosa, ao segundo se deve, sem dúvida, se não a traça adoptada por Manuel I, pelo menos uma campanha intermédia de obras, como testemunha a divisa do Príncipe Perfeito na fachada principal da igreja, a par da divisa do Venturoso. O mesmo se pode dizer da interpretação cronológica do ciclo manuelino que, apesar de melhor documentado, ainda assim apresenta zonas de penumbra, quase sempre contornadas com indisfarçável silêncio por muitos dos que se ocuparam do tema. Estão neste caso as datas de arranque e de conclusão do corpo da igreja, alguns passos intermédios da empreitada e, sobretudo, a interpretação de um documento com a duvidosa data de 500, a qual tem servido, invariavelmente, para atrapalhar as propostas de datação da obra.

 

A obra inicial nos reinados de Afonso V e João II

Um dos temas onde as dúvidas abundam é, desde logo, o do momento inicial da reforma tardo-gótica da igreja. Se as memórias transmitidas pelos cronistas são omissas ou inconclusivas, já José Custódio Vieira Silva, no mais completo e assertivo estudo feito ao monumento, deu conta de um primeiro investimento estrutural iniciado nos últimos anos da década de setenta do século XV, o qual, prolongando-se pelo reinado de João II, acabou por ficar circunscrito à reconstrução da capela-mor e dos braços do transepto. Em abono desta análise, refira-se a pertinente comparação feita por este historiador às abóbadas das cabeceiras das igrejas de São Francisco de Évora e de Nossa Senhora da Conceição de Beja (1459-1473) com o propósito de as relacionar estilística e cronologicamente. Só faltou à solidez da sua argumentação o necessário suporte documental. Vejamo-lo agora: na chancelaria de Afonso V encontra-se o registo de uma decisão régia pela qual Afonso Anes Guimarães fica obrigado ao pagamento de mjl reais brancos para as obras e coro de sam francisquo da nossa cidade d’evora. Este documento, datado de Agosto de 1466 e direccionado a uma empreitada específica num edifício religioso, parece comprovar que as primeiras obras em São Francisco já decorriam por essa época, tendo como foco provável a zona da capela-mor, o que faz sentido pela lógica sequencial da construção e pela referência ao coro da igreja, estrutura de aparato litúrgico, ainda hoje, comum àquele espaço. Em reforço desta ideia, também se sabe documentalmente que estando o rei Afonso V em Évora, em 1470, fez saber aos juízes, vereadores e procurador da cidade que havia mandado Soeiro Mendes, cavaleiro de sua casa e alcaide-mor de Arguim, transferir a mancebia da proximidade do mosteiro de São Francisco para o monturo dos oleiros num prazo de cinco meses, dando-lhe para isso uma verba de dez mil reaes dos dinheiros das obras desta cidade e que nom cumprindo elle assy no dito tempo o avemos por apenado em dez mil reaes pera as obras do moesteiro de sam francisco daqui. Ou seja, em 1470 as obras continuavam e o rei impunha medidas de requalificação e dignificação da área envolvente ao mosteiro (e ao paço régio), libertando-o da indesejada vizinhança de casas de prostituição que aí se encontravam instaladas pelo menos desde 1456. A urgência na resolução do problema e a garantia financeira acordada com Soeiro Mendes são sintomas do envolvimento pessoal do monarca no projecto da reforma da casa franciscana de Évora. Acresce a estas duas evidências documentais um outro dado pouco ou nada valorizado pela historiografia, a presença da cruz flordelisada numa das chaves da abóbada da cabeceira da igreja, elemento iconográfico associado à dinastia de Avis mas caído em desuso com João II, após 1485». In Francisco Bilou, A Igreja de S Francisco e o Paço Real de Évora, Fernando Mão de Ferro, Edições Colibri, 2014.

Cortesia EColibri/JDACT

JDACT, Francisco Bilou, Religião, Évora, Cultura e Conhecimento,

domingo, 27 de dezembro de 2020

A Fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa. Vitor Serrrão. «Segundo regista uma fonte coetânea, em fim do anno de 1552 em tempo de El-Rey D. João III tem o terreiro do paço de Villa Viçosa…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira.

O Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte

«(…) A inspiração artística do prospecto é tomada seguramente maneirista, dentro dos preceitos civilistas ao italiano e em fidelidade à tratadística serliana, e remete para conhecimento, por parte dos seus responsáveis, de bons exemplos de construção aristocrática, tanto castelhana como transalpina. Apesar de a sua linguagem estilística se conformar à lição de módulos da arquitectura internacional, como aliás esclarecem as informações que nos podem ser fornecidas através da contra-prova arquivística, a cronologia da fachada ainda hoje continua a dividir a opinião dos historiadores de arte. Tem-se defendido uma cronologia temporã. Considerou o historiador de arte Rafael Moreira (e, na sua esteira, vários outros autores) que o duque Teodósio I, tendo sido indigitado como Condestável do Reino em 1535, e ao ter de negociar o casamento de sua irmã dona Isabel com o infante Duarte, irmão de João III, proveu a ampliação do velho Paço a fim de o tornar condigno para as festas que se anunciavam. Era um matrimónio prestigiante para a casa, mesmo descontando os dotes que envolvia em terras e bens, sendo portanto dessa época, segundo tal tese, a obra da imponente fachada que hoje admiramos. Ou seja, existiu um esforço de promoção da Casa de Bragança que levou Teodósio I a erguer um corpo palatino junto às casas velhas (o paço tardogótico do Reguengo), como que exorcizando a pesada memória de seu pai dom Jaime, o que tornaria Vila Viçosa o expoente urbanístico italianizado de um Renascimento de mármore. Estaríamos perante um caso ímpar de arquitectura de patrocínio aristocrático realizada no tempo de João III e de que o Paço calipolense seria o mais evoluído testemunho.

Essa opinião não é, todavia, consensual e pôde ser fundamentadamente contestada em estudos recentes, com base documental e no estudo analítico e comparatista da obra remanescente. As listas de contabilidade existente e o estudo formal da fachada, assim como a memória transcontextual que, a partir das fontes da iconografia, pode ser fixada, apontam para outra realidade. É certo que com as obras realizadas na sequência das festas de 1537 a fachada que lança para o Terreiro estava parcialmente erguida, em gosto ao romano, com dois pisos sobrepostos. Segundo regista uma fonte coetânea, em fim do anno de 1552 em tempo de El-Rey D. João III tem o terreiro do paço de Villa Viçosa de longo 66 braças e d’ancho 55. Por outro lado, o autor anónimo que descreveu as festas de 1537 refere-se à fachada existente como obra esplendorosa com suas janellas lavradas ao modo antigo romano de bases e capiteis cornigeas e outras obras romanas. Segundo Rafael Moreira, essa campanha seria da responsabilidade de Benedetto Ravena, um engenheiro militar de Carlos V que passa em 1535 por Portugal e trabalhará entretanto na fortaleza de Mazagão.

Ora sabemos pelos róis das Aposentadorias e pelas férias de pedreiros de Março de 1565 quais foram precisamente as obras custeadas pelo duque a seguir a 1537. Após o seu casamento com dona Beatriz de Lencastre, essas obras de Teodósio I foram avaliadas pelos mestres pedreiros Domingos Lourenço e Marcos Pina, e desse rol pode apurar-se com exactidão o tipo de trabalhos que se fez, tanto na fachada como em salas do paço. Pode, assim, reconstituir-se o pré-existente antes das definitivas remodelações dos anos de 1580 sob batuta de Nicolau Frias. De facto, com a governação de Teodósio I fizeram-se as primeiras obras de expansão do corpo palatino para a ala sul, excluindo-se a parte fundamental dessa ala, a torre central com o portal de serventia, e o terceiro piso da ala norte; aliás, este último ainda estava por ultimar à data em que Pier Maria Baldi desenha a fachada do paço, aquando da visita do grão-duque da Toscana Cosme Médicis em 1669. Pode saber-se, pelas contas de 1559 a 1563, que o duque iniciou o corpo do Terreiro com uma ala de dois pisos angulando com o velho paço do Reguengo, prolongando-o mais ou menos até ao lanço que integra a Sala dos Tudescos, e custeando a decoração fresquista dos salões e câmaras interiores» In Vitor Serrão, A Fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa, Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira, O Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte, ARTIS-IHA-FLUL-Instituto de História da Arte. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Callipole, Revista de Cultura n.º 22, 2015.

Cortesia de Callipole/RCultura/JDACT

JDACT, Vitor Serrrão, Cultura e Conhecimento, Vila Viçosa, Alentejo,

sábado, 26 de dezembro de 2020

A Fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa. Vitor Serrrão. «Entre as suas jóias de referência, a cidade dos mármores possui um Paço que é não só o maior e o mais importante monumento português de arquitectura civil do século XVI…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira.

O Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte

«A candidatura de Vila Viçosa a Património da Humanidade junto das instâncias da UNESCO tem, entre as suas evidenciadas mais-valias patrimoniais, a força acrescida de incluír como peça mais aprimorada o conjunto monumental do Paço dos Duques de Bragança. Entre as suas jóias de referência, a cidade dos mármores possui um Paço que é não só o maior e o mais importante monumento português de arquitectura civil do século XVI, como um dos mais expressivos testemunhos da época maneirista, e desse gosto estilístico, a nível da Península. Essa é razão de sobra para que um processo de revalorização da cidade alentejana, como é a candidatura em curso, seja encarado com boas expectativas.  A fachada do Terreiro é de majestoso poder cenográfico, ainda que nem sempre tal tenha sido reconhecido pela historiografia que dela se ocupou. Não só a sua cenografia é grandiloquente, como o prospecto arquitectónico tem vincada erudição, mas tal nem sempre significou que sobre o edifício se lançasse o olhar analítico que merecia e impunha. O Paço Ducal, centro importante de vida literária e cultural que a fez cenário da famosa corte na aldeia de Rodrigues Lobo, é também mal conhecido no que diz respeito à génese das suas obras de construção, sendo a arquitectura da grande fachada que lança para o terreiro frequentemente considerada de época mais antiga: foi vista como tendo filiação renascentista, fruto das iniciativas do quinto titular da casa, o duque Teodósio I (1532-1563), e sequaz das linguagens classicistas do primeiro Renascimento italiano. Veremos que a tese não tem fundamentação histórico-artística.

É necessário perceber-se, antes de mais, o que foi construído no Paço de Vila Viçosa durante a segunda metade do século XVI, bem como o espírito que presidiu, ao mesmo tempo, às decorações intestinas das casas novas. A documentação abunda, e a leitura das formas artísticas permite que saibamos melhor o que persistiu das campanhas primevas iniciadas no tempo do 4º duque Jaime, e o que efectivamente lhe foi acrescentado, em monumentalidade e extensão, no tempo do sexto duque João I (1563-1583), fase em que os corpos do terreiro ducal foram concebidos e começaram a ser erigidos segundo o prospecto que remanesceu até aos nossos dias. Essa campanha maneirista concluiu a empresa ducal da fachada no tempo do sétimo duque Teodósio II (1583-1630).

Apura-se, pelo que ainda felizmente chegou aos nossos dias em termos de documentação arquivística, que coube ao arquitecto lisboeta Nicolau Frias um papel decisivo nessa concretização do plano de engrandecimento da Casa Ducal, à medida desejada dos seus interesses e estratégias políticas. Este arquitecto, ao mesmo tempo empregue por Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora (1578-1602), na direcção das obras mais importantes da sua arquidiocese, vai ser essencial na definição dos valores que a fachada do Terreiro vai assumir, à entrada do último quartel do século XVI, num discurso nobiliárquico de forte aparato, apto a encantar os embaixadores e demais visitantes estrangeiros, pródigos em elogios à magnificência palacial apresentada pela sede da Casa de Bragança.

No término da construção ducal, em empreitadas teodosinas realizadas entre o final do século XVI e a passagem para o século XVII, destacar-se-á de seguida outro artista, Pero Vaz Pereira, educado na cidade de Roma, que será mesmo designado arquitecto e escultor do duque Teodósio II e que nesse âmbito ultimará o projecto da fachada de Nicolau Frias.

A monumental fachada palatina: estado da questão

O Paço Ducal de Vila Viçosa, emblemática sede da Casa de Bragança, estima-se, como se disse, entre os mais notáveis empreendimentos da arquitectura senhorial do pleno século XVI da Península Ibérica. A esplêndida massa da sua fachada dispõe-se em triplo andar com vinte e três tramos forrados de mármore, num longo e grandiloquente prospecto arquitectónico, único no seu tempo se se exceptuar o destruído Paço Real na Ribeira de Lisboa». In Vitor Serrão, A Fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa, Os arquitectos Nicolau Frias e Pero Vaz Pereira, O Paço de Vila Viçosa, a Corte na Aldeia. Um problema de arte, ARTIS-IHA-FLUL-Instituto de História da Arte. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Callipole, Revista de Cultura n.º 22, 2015.

Cortesia de Callipole/RCultura/JDACT

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Alice Hoffman. As Mulheres do Deserto. «Disseram que trazia os olhos abertos, a marca de um rebanho à parte. O que era de esperar de uma criança nascida de uma mulher morta, pois fui tocada por Mal’ach ha-Mavet, o Anjo da Morte…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Quanto a mim, não esperava nada além de desastre. Conhecera o seu abraço antes mesmo de respirar ou enxergar. Era a segunda criança na família, um ano mais nova que o meu irmão Amram, mas radicalmente o oposto dele, amaldiçoada pelo fardo do meu primeiro alento. Minha mãe morreu pouco antes de eu nascer. Naquele momento, o mapa da minha vida manifestou-se sobre a minha pele como uma explosão de marcas vermelhas, pintas que, quando seguidas de uma para outra, me conduziram ao meu destino. Lembro-me do instante em que entrei no mundo, a grande calma que foi subitamente interrompida, o calor da minha pulsação sob a pele. O ventre da minha mãe foi aberto com uma faca afiada e fui tirada de lá. Estou convencida de que ouvi o rugido de dor do meu pai enlutado, o único som a romper o silêncio terrível de alguém que nasce da morte. Eu mesma não chorei, nem me lamuriei. As pessoas notaram isso. As parteiras sussurraram entre si, convencidas de que eu era ou abençoada ou amaldiçoada. Meu silêncio não foi o único aspecto incomum em mim, nem as sardas avermelhadas que surgiram sobre a minha pele uma hora depois do meu nascimento. Foi o meu cabelo, com a sua cor vermelho-escura de sangue, uma cobertura espessa crescente, como se eu já conhecesse este mundo e aqui já tivesse estado antes.

Disseram que trazia os olhos abertos, a marca de um rebanho à parte. O que era de esperar de uma criança nascida de uma mulher morta, pois fui tocada por Mal’ach ha-Mavet, o Anjo da Morte, antes de nascer no mês de Av, no Tisha B’Av, o nono dia, sob o signo do leão. Sempre soube que haveria um leão à minha espera. Sonho com tais criaturas desde que consigo me lembrar. Nos meus sonhos, alimentava um leão com a minha mão. Em troca, ele tomava a minha mão inteira na sua boca e me comia viva. Ao deixar a infância, decidi cobrir a cabeça; mesmo quando estivesse no pátio do meu pai, guardava-me para mim. Nas raras ocasiões em que acompanhei a nossa cozinheira ao mercado, via outras jovens se divertindo e enciumava-me até mesmo da mais comum dentre elas. Elas viviam uma vida plena, ao passo que eu só conseguia pensar em tudo o que não tinha. Elas falavam alegremente de seu futuro como noivas enquanto se encontravam junto ao poço ou se reuniam na rua dos Padeiros, acompanhadas das mães e tias. Sentia vontade de gritar com elas, mas não dizia nada. Como poderia falar da minha inveja quando havia coisas que queria ainda mais do que um marido, um filho ou uma casa própria? Ansiava por uma noite sem sonhos, um mundo sem leões, um ano sem Av, aquele amargo mês vermelho.

Deixamos a cidade quando o segundo Templo foi posto em ruínas, aventurando-nos pelo Vale dos Espinhos. Durante meses os romanos haviam profanado o Templo, crucificando o nosso povo dentro dos seus muros sagrados, arrancando o ouro dos umbrais de entrada e dos pórticos. Era para lá que os judeus de toda a criação viajavam a fim de oferecer sacrifícios perante o local mais sagrado, com milhares chegando à época da Festa dos Pães Ázimos, ansiosos por vislumbrar as paredes de ouro do lugar de morada da palavra de Deus». In Alice Hoffman, As Mulheres do Deserto, Editora Planeta, 2011, 2013, ISBN 978-854-220-122-2.

Cortesia de EPlaneta/JDACT

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

As Mulheres do Deserto. Alice Hoffman. «A minha pele estava queimada, as minhas mãos, esfoladas. Entreguei-me ao deserto, curvando-me à sua voz poderosa»

Cortesia de wikipedia e jdact

Verão, 70 d. C.

«Viemos como pombos através do deserto. Num tempo em que não existia nada além da morte, éramos gratos por qualquer coisa, e muito gratos por tudo quando acordávamos para mais um dia».

«Caminhamos por tanto tempo que me esqueci do que era viver entre quatro paredes ou dormir toda uma noite. Nessa época, perdi tudo o que poderia ter possuído caso Jerusalém não tivesse caído: um marido, uma família, um futuro para chamar de meu. A minha infância desapareceu no deserto. A pessoa que fora um dia deixou de existir quando me vesti de branco e a poeira subiu em nuvens. Éramos nómadas, deixando para trás camas e pertences, tapetes e vasos de bronze. O nosso lar então era a casa do deserto, preta à noite, brutalmente branca ao meio-dia.

Dizem que a beleza mais verdadeira encontra-se na terra mais árida e que Deus pode ser encontrado lá por quem tem os olhos abertos. Mas os meus olhos estavam fechados contra os ventos da mudança, que podem cegar uma pessoa num instante. A própria respiração era um milagre quando as tempestades vinham rodopiando por toda a terra. A voz que surge do silêncio é algo que ninguém é capaz de imaginar até que seja ouvida. Ela ruge quando fala, mente para convencê-lo, rouba-lhe o pouco que tenha e o deixa sem uma única palavra de conforto. O conforto não pode existir em tal lugar. Só o que é brutal sobrevive. O que é astúcia subsiste até de manhã.

A minha pele estava queimada, as minhas mãos, esfoladas. Entreguei-me ao deserto, curvando-me à sua voz poderosa. Por onde quer que andasse, o meu destino andava comigo, costurado aos meus pés com linha vermelha. Tudo o que nunca será já foi escrito muito antes que aconteça. Não há nada que possamos fazer para impedi-lo. Não poderia seguir noutra direcção. As estradas de Jerusalém levavam apenas a três lugares: a Roma, ao mar ou ao deserto. Meu povo tornara-se errante, como fora no início dos tempos, novamente expulso. Segui meu pai para fora da cidade porque não tinha escolha. Nenhum de nós tinha, verdade seja dita.

Não sei como tudo começou, mas sei como terminou. Ocorreu no mês de Av, cujo signo é Arieh, o leão. É um mês que para o nosso povo significa a destruição, um período em que as pedras do deserto tornam-se tão quentes que não se pode tocá-las sem queimar os dedos, em que a fruta murcha nas árvores antes de amadurecer e as sementes chacoalham no seu interior, em que o céu torna-se branco e a chuva não cai. O primeiro Templo foi destruído nesse mês. As ferramentas significavam armas e não puderam ser usadas na construção do mais sagrado dos lugares santos; por isso, o grande guerreiro, o rei David, foi proibido de construir o Templo, porque conhecera os males da guerra. Em vez disso, a honra recaiu sobre seu filho, o rei Salomão, que invocou o shamir, um verme capaz de atravessar a pedra, e assim criou glória a Deus sem o uso de ferramentas de metal.

O Templo foi construído como Deus decretara que deveria ser, livre de derramamento de sangue e da guerra. Seus nove portões foram recobertos com ouro e prata. Lá, no mais sagrado dos lugares, ficou a Arca que guardava a aliança do nosso povo com Deus, um baú feito com a melhor madeira de acácia, decorado com dois querubins dourados. Mas, apesar da grandiosidade, o primeiro Templo foi destruído, o nosso povo, e Livros para a Babilónia. Entretanto, retornaria após setenta anos para reconstruí-lo no mesmo local em que Abraão se dispusera a oferecer o filho Isaac em sacrifício ao Todo-Poderoso, em que o mundo fora originalmente criado.

O segundo Templo resistiu por centenas de anos como a morada da palavra de Deus, o centro da criação no centro de Jerusalém, embora a Arca em si tivesse desaparecido, talvez na Babilónia. Mas então o tempo de derramamento de sangue impôs-se a nós uma vez mais. Os romanos quiseram tudo o que tínhamos. Chegaram até nós depois de invadirem inúmeras terras com as suas legiões imensas, pretendendo não apenas conquistar, mas humilhar, reivindicar não só a nossa terra e o nosso ouro, mas a nossa humanidade». In Alice Hoffman, As Mulheres do Deserto, Editora Planeta, 2011, 2013, ISBN 978-854-220-122-2.

Cortesia de EPlaneta/JDACT

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segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Steve Berry. O Legado dos Templários. «Ia começar a dirigir-se para lá quando dois homens se aproximaram. Um deles encostou-lhe uma coisa dura às costas. Não resista, Sr. Malone…»

 

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Abbaye des Fontaines. Pirinéus Franceses.

Roskilde

«(…) Esticou o braço e apertou a mão do auxiliar. Dobrada na palma da mão ia uma nota de mil coroas. Viu que Gregos apreciou a oferta e a guardou discretamente no bolso, pois as gratificações não eram bem vistas pela casa leiloeira. Só mais uma coisa, disse Malone. Quem era o licitador endinheirado ao telefone? Como muito bem sabe, Cotton, essa informação é confidencial. Como muito bem sabe, detesto regras. É alguém que eu conheça? É o proprietário do edifício que aluga em Copenhaga. Por pouco não sorria. Henrik Thorvaldsen. Devia ter adivinhado. O leilão ia recomeçar. À medida que os presentes retomavam os seus lugares, Malone dirigiu-se para a entrada e viu Peter Hansen sentar-se. Lá fora, a noite dinamarquesa começava a arrefecer e, apesar de serem quase oito horas, o céu guardava ainda alguma luz e cor do lento entardecer. A alguns quarteirões de distância erguia-se a catedral de tijolos vermelhos, a Domkirke, onde a família real dinamarquesa era sepultada desde o século XIII.

O que estaria Stephanie a fazer ali?

Ia começar a dirigir-se para lá quando dois homens se aproximaram. Um deles encostou-lhe uma coisa dura às costas. Não resista, Sr. Malone, ou disparo, murmurou-lhe uma voz ao ouvido. Ele olhou para a esquerda e para a direita. Os dois homens que vira a conversar com Stephanie flanqueavam-no agora e nas suas caras espelhava-se o mesmo olhar ansioso que observara há algumas horas no rosto do homem da faca. Stephanie entrou na Domkirke. O homem da leiloeira dissera que a catedral era fácil de encontrar e não mentira. O monstruoso edifício, demasiado grande para a cidade em seu redor, dominava o céu do fim do dia. No interior da grandiosa igreja descobriu uma miríade de extensões, capelas e pórticos cobertos por um tecto alto e abobadado e janelas de vitrais que banhavam as antigas paredes com uma luz celestial. Apercebeu-se de que a catedral já não era católica, devia ser luterana, pela decoração, e a sua arquitectura revelava uma influência claramente francesa.

Estava zangada por não ter conseguido arrematar o livro. Pensou que não custaria mais de trezentas coroas, cerca de cinquenta dólares. Mas, para seu azar, um comprador anónimo pagara oito mil dólares por um inofensivo relato escrito há mais de cem anos. Mais uma vez, alguém estava a par dos seus intentos. Talvez fosse a pessoa que a esperava. Os dois homens que a tinham abordado disseram-lhe que ficaria tudo esclarecido se ela fosse até à catedral e encontrasse a capela de Cristiano IV. Achara tudo aquilo um pouco despropositado, mas não tinha outra escolha. A verdade é que havia muita coisa para fazer e o tempo escasseava.

Seguiu as indicações que lhe tinham sido dadas e contornou o pórtico. Decorria um serviço religioso na nave à sua direita, frente ao altar-mor, ao qual assistiam cerca de cinquenta pessoas. A música do órgão ecoava no interior da igreja com uma vibração metálica. Stephanie encontrou a capela de Cristiano IV e entrou, abrindo um gradeado de ferro forjado. À sua espera estava um homem de cabelo fino e grisalho, rosto enrugado e barbeado, que vestia calças de algodão de cor clara, uma camisa de colarinho desapertado e um blusão de cabedal. À medida que se aproximava, notou que os olhos escuros possuíam um brilho que de imediato considerou frio e suspeito. Talvez ele tenha adivinhado a sua apreensão, pois fitou-a com uma expressão mais afável e sorriu-lhe. Sra. Nelle, que prazer conhecê-la. Como sabe quem eu sou? Conhecia muito bem o trabalho do seu marido. Era um grande estudioso de assuntos que me interessam. Que assuntos? O meu marido era versado em muitas áreas. Rennes-le-Château é o meu principal interesse, assim como o trabalho que desenvolveu sobre o alegado segredo dessa aldeia e da terra que a rodeava. Foi o senhor quem arrematou o livro? O homem levantou os braços como se estivesse a render-se». In Steve Berry, O Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.

Cortesia PdomQuixote/JDACT

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domingo, 20 de dezembro de 2020

O Legado dos Templários. Steve Berry. «Cinquenta mil coroas, gritou o representante do licitador anónimo. Era mais do dobro da última oferta de Hansen»

jdact

Abbaye des Fontaines. Pirinéus Franceses.

Roskilde

«(…) O licitador anónimo respondeu com duas mil e um terceiro interessado juntou-se à contenda. Os gritos continuaram e as ofertas subiram até às nove mil coroas. Os outros pareceram adivinhar que o livro deveria ser valioso e seguiu-se mais um minuto de intensa licitação que terminou com Hansen a oferecer vinte e quatro mil coroas. Equivalia a quase quatro mil dólares. Malone sabia que Stephanie, sendo funcionária pública, deveria auferir qualquer coisa entre setenta e oitenta mil dólares por ano. O marido falecera há anos e deixara-lhe alguns bens, contudo não era rica nem sequer coleccionadora de livros, e Malone questionava-se porque estaria ela disposta a pagar tanto dinheiro por um diário de viagens que ninguém conhecia. Também lhe apareciam bastantes lá na livraria, a grande maioria do século XIX e princípios do século XX, uma época em que as narrativas pessoais de lugares longínquos estavam na moda. Muitas haviam sido escritas numa linguagem demasiado floreada e extravagante e não tinham qualquer interesse. Parecia claramente tratar-se de uma excepção. Cinquenta mil coroas, gritou o representante do licitador anónimo. Era mais do dobro da última oferta de Hansen.

As cabeças dos presentes viraram-se e Malone escondeu-se atrás do pilar quando Stephanie se voltou para ver o homem do telefone. Inclinou um pouco a cabeça para o lado e reparou que Stephanie e Hansen pareciam conferenciar. Depois concentraram a sua atenção no leiloeiro. Fez-se um momento de silêncio enquanto Hansen parecia considerar o seu próximo passo, embora estivesse claramente a seguir as indicações de Stephanie. Ela abanou a cabeça. O livro é vendido ao licitador do telefone por cinquenta mil coroas. O leiloeiro retirou o livro do expositor e anunciou um intervalo de quinze minutos. Malone sabia que os organizadores iam observar o livro e tentar perceber o que o fazia valer oito mil dólares. Os negociantes de Roskilde eram homens astutos e pouco habituados a que os tesouros lhes escapassem dos dedos. Porém, daquela vez tinha acontecido. Deixou-se ficar atrás do pilar enquanto Hansen e Stephanie permaneciam perto dos seus lugares. Havia algumas pessoas conhecidas na sala e Malone esperava que nenhuma delas o chamasse. A maioria dirigia-se para o outro canto onde estavam a servir bebidas. Reparou que dois homens se aproximaram de Stephanie e se apresentaram. Eram ambos corpulentos, de cabelo curto e vestidos com roupas semelhantes. Quando um deles se curvou para lhe apertar a mão, Malone reparou na característica protuberância de uma pistola nas costas dele.

Após uma troca de palavras, os homens retiraram-se. A conversa parecia ter sido amigável e, enquanto Hansen aproveitava a cerveja gratuita, Stephanie aproximou-se de um dos auxiliares, disse-lhe qualquer coisa e depois saiu por uma porta lateral. Malone dirigiu-se de imediato ao mesmo auxiliar, Gregos, um dinamarquês esguio que conhecia bem. Cotton, que bom vê-lo. Sempre à procura de uma pechincha. Gregos sorriu. Difícil encontrá-las aqui. Aquela última peça foi uma surpresa. Pensei que chegasse até perto das quinhentas coroas, mas cinquenta mil? Espantoso. Faz alguma ideia do motivo? Gregos abanou a cabeça. Nenhuma.

Malone apontou para a porta lateral. A mulher com quem estava a falar, e que saiu, sabe para onde ia? O auxiliar fitou-o com um sorriso. Está interessado nela? Não da forma que pensa, mas sim, estou. Malone tornara-se um dos clientes preferidos da casa de leilões desde que, há alguns meses, ajudara a encontrar um vendedor desonesto que oferecera três volumes de Jane Eyre, cerca 1847, que posteriormente se descobriu serem roubados. Quando a Polícia os apreendeu ao novo comprador, a casa leiloeira foi obrigada a devolver cada coroa, mas o vendedor já descontara o cheque que a leiloeira lhe dera. Malone encontrou o homem em Inglaterra e recuperou o dinheiro, fazendo com esse gesto alguns amigos, que para sempre lhe ficariam gratos. Perguntou-me onde ficava a Domkirke, em especial a capela de Cristiano IV. Explicou porquê? Gregos sacudiu a cabeça. Disse apenas que ia até lá». In Steve Berry, O Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.

Cortesia PdomQuixote/JDACT

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