sexta-feira, 31 de agosto de 2012

As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na Cultura. Luís Albuquerque. «Estabelecer um contacto decisivo com possíveis reinos cristãos que se supunha existirem em África; pensava-se na possibilidade de obter aliados para um combate contra os Muçulmanos em geral e, em particular, os do Norte de África»


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A descoberta do mundo pelos Ibéricos
«Devemos, contudo, interrogar-nos acerca dos resultados que os portugueses desejavam obter com estas viagens. É necessário lembrar que:
  • Antes de 1450 tinham explorado a costa da Guiné; haviam feito o reconhecimento de Arguim e aí instalado uma fortaleza;
  • Pouco depois de 1462 tinham descoberto as ilhas de Cabo Verde, onde se instalaram;
  • Antes de 1480 haviam descoberto a costa da Mina, onde ergueram uma fortaleza em 1482, para servir de apoio a uma feitoria comercial.
Perante isto, e após se ter lido a escassa documentação que chegou até nós, conclui-se que os Portugueses deviam ter três objectivos fundamentais:
  • Atingir, por via marítima, os centros produtores do ouro; e, na impossibilidade de os alcançar, penetrar nos mercados onde as transacções deste metal precioso se efectuavam em primeira mão;
  • Adquirir escravos, quer por via da troca com os povos de raça negra que comercializavam a vida humana, quer através das surtidas às aldeias situadas junto à costa, prática que se tornou cada vez menos rendosa ao longo dos anos, pois, em consequência dos ataques já efectuados, essas populações internavam-se no continente;
  • Estabelecer um contacto decisivo com possíveis reinos cristãos que se supunha existirem em África; pensava-se na possibilidade de obter aliados para um combate contra os Muçulmanos em geral e, em particular, os do Norte de África.
É necessário não esquecer que, para este último ponto, se partia da ideia errada de que o reino do fabuloso Preste João chegava até ao Atlântico ocidental, na cartografia da segunda metade do século XV, a África do Sul estava ainda por vezes indicada como tratando-se da ‘Etiópia meridional’.
O cronista Azurara deu particular ênfase ao último aspecto referido, curiosamente o que mais desiludiu os governantes portugueses. Mas o propósito de encontrar cristãos acompanhou os Portugueses até ao raiar do século XVI, como se pode verificar no Diário e não ‘Roteiro’, como se afirma por vezes, da primeira viagem de Vasco da Gama; nesse texto, Álvaro Velho, seu provável autor, acreditava na existência de cristãos em toda a África Oriental e na Índia; a realidade era bem diferente, como sabemos.
Contudo, ainda que os navegadores e mercadores portugueses do século XV não encontrassem o Preste João ou outros cristãos, estabeleciam feitorias fixas na costa, as duas mais importantes: Arguim e Mina e também faziam trocas comerciais em pontos móveis ao longo da linha costeira, consoante as conveniências do momento; existem documentos que fazem referência a funcionários nomeados pela Coroa para vigiar e orientar essas trocas comerciais em lugares variáveis.
A década decorrida entre 1480 e 1490 parece-me decisiva. Penso que foi nesse período de tempo que o rei João II de Portugal congeminou finalmente, e começou a pôr em prática, um plano para chegar à Índia, plano esse que é muitas vezes atribuído, mas, na minha opinião, erradamente, ao infante Henrique.
Com efeito, João II conseguiu que os navegadores fossem ainda mais longe na costa africana; Diogo Cão e Bartolomeu Dias foram encarregados dessa missão, e este último foi mesmo o primeiro português a navegar em embarcação sua no oceano Índico; por outro lado, João II enviou dois emissários por terra, Pêro da Covilhã e Afonso Paiva; este último morreu no Cairo, mas Covilhã conseguiu visitar a Península Indostânica, permaneceu algum tempo em Goa, Ormuz e Arábia e, provavelmente, os principais portos da costa oriental africana até Sofala.
Podemos afirmar que, com o terminar desta década, terminava também a ocupação das ilhas atlânticas, as últimas eram São Tomé e Santo António, denominada mais tarde ilha do Príncipe.
Esta ocupação foi realizada com um duplo objectivo:
  • Agradar a alguns membros da pequena nobreza que reclamavam a posse de terras para se instalarem;
  • Assegurar um fácil apoio aos navegadores que navegavam ao longo da costa africana.
Isto confirma-se com as ilhas de Cabo Verde, depois do descobrimento do caminho marítimo para a Índia; os navios tomavam muitas vezes o rumo de Santiago com o objectivo de se abastecerem de água, apesar das dificuldades existentes na ilha sob este aspecto, e de víveres. Vasco da Gama foi o primeiro a fazê-lo, em 1498, e Sebastião del Cano seguiria o seu exemplo, quando regressava, enfrentando inúmeras dificuldades, da primeira viagem de circum-navegação.
O ano de 1480 é também, por outro motivo, uma data significativa: no ano anterior foi assinado um tratado através do qual a Coroa portuguesa aceitava definitivamente o domínio castelhano-aragonês nas Canárias, permanecendo livre em relação à exploração do continente africano e com direitos exclusivos, tal como constava das disposições papais». In Luís Albuquerque, As Navegações e a sua Projecção na Ciência e na Cultura, Gradiva, Colecção Construir o Passado, 1987.

Cortesia de Gradiva/JDACT

Transformações da Saudade em Teixeira de Pascoaes. António C. Franco. «A saudade na obra de Teixeira de Pascoaes assume de feito várias formas ou expressões, e prende-se com vários graus e objectos, quase todos eles mal conhecidos, se não mesmo inteiramente desconhecidos. Extremamente complexo, que não pode ser linear e simplistamente tratado»



Tela de deliovargas
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Quem deixa tudo pelo amado, deixa tudo: mas quem deixa pelo amado ao mesmo amado, ainda deixa mais; porque chega a deixar aquele, por quem tem deixado tudo”. In António Vieira, Sermão do Mandato, 1670.

«A saudade é geralmente considerada um dos núcleos fundamentais da obra de Teixeira de Pascoaes. Sabe-se que ela ocupa no poeta um lugar de relevo, mas pouco mais se sabe sobre o que ela possa ser. São muito poucos os que têm pretendido aventurar-se com disponibilidade e interesse nos caminhos da obra de Pascoaes procurando saber o que ela é concretamente.
A saudade é um sentimento invulgar, difícil de identificar e de definir de modo imediato, bem diferente da melancolia, cujo rosto é muito mais facilmente conhecido entre os que se ocupam ou se dedicam à poesia portuguesa, o que faz com que a grande maioria destes tudo o que sabe sobre a saudade na obra de Pascoaes é que ela caracteriza a sua poesia, que por isso designam de ‘saudosista’. Nada mais sabem dizer sobre ela, a não ser dois ou três lugares-comuns, que toda a gente mais ou menos ouviu repetir, e que pouco têm a ver com a obra do poeta.
Para complicar ainda mais as coisas, a saudade assume em Pascoaes um dinamismo transitivo, quase imparável, que vai multiplicando imagens e significados, num desdobramento de metamorfoses accionadas a partir do interior, máscaras que se revelam pedaços duma verdade sempre diferente e renovada, fragas escondendo novas fragas, que desorientam por completo o mais prevenido dos leitores e impossibilitam um rápido e preciso retrato da saudade.

O trabalho de fotografar a saudade, cujo rosto está velado por inúmeros véus, é muito mais complicado do que se pensa e estamos sempre, para além da dificuldade de a encontrar nos tantas vezes inacessíveis versos de Pascoaes, ameaçados por uma imagem negativa inesperada, surpresa a negro, que anula por completo a entrevista nas névoas dos seus versos e cuja recuperação se torna depois um paciente trabalho de localização e revelação cheio de surpresas, por entre superfícies cobertas de neblina e sem qualquer sinalização.
A saudade na obra de Teixeira de Pascoaes assume de feito várias formas ou expressões, e prende-se com vários graus e objectos, quase todos eles mal conhecidos, se não mesmo inteiramente desconhecidos. Os passeios cinegéticos em torno da saudade na orografia acidentada da obra de Pascoaes estão muito pouco desenvolvidos e as espécies conhecidas são raras e representam uma pequeníssima percentagem da fauna e da flora de conjunto.
A situação é tão difícil que são deveras muito poucos aqueles que têm já não uma ideia segura do que seja a saudade em Pascoaes, mas tão só que se trata na obra dele dum sentimento antitético, extremamente complexo, que não pode ser linear e simplistamente tratado.
Tenho para mim, dada a situação, que é necessário saber mais alguma coisa sobre a saudade na obra do poeta, abandonando se possível as ideias feitas e os lugares-comuns que até agora têm predominado sempre que dela se fala, e desenvolvendo o prazer da excursão pedestre, numa autêntica viagem de ‘reconhecimento’, pela riquíssima oridrografia de Pascoaes.


É preciso tentar um retrato mais fiel, que seja capaz de levantar de vez a injustiça que é catalogar uma obra a partir do que ela não diz, e seja ainda capaz de surpreender a saudade como criação metamórfica de sentidos, garantindo a partir daí a possibilidade de caminhar no sentido da poderosa propulsão vulcânica que se sente pulsar nela.
Diga-se que esta possibilidade vulcanológica, atingindo no coração da saudade as substâncias em fusão, nos interessa muito mais que a simples questão de repor justiça, pois consideramos como prioritária na leitura duma obra poética não a razão histórica ou o juízo de valor, mas antes a ‘razão poética’ e a hermenêutica, como formas da filia ou da compreensão que não excluem o conhecimento.
O que eu pretendo é compreender mais alguma coisa da saudade em Teixeira de Pascoaes, sem ter evidentemente a pretensão de tudo dizer ou de tudo compreender. É sempre impossível, a propósito seja do que for, dizer tudo, mesmo que não tenhamos consciência daquilo que nos falta dizer e que outros virão ainda a adiantar.
Aceite-se a leitura como um passeio solitário por um dos atalhos mais falados da obra de Pascoaes, mas cujo percurso continua por sinalizar, e por alguém que habituado ao montanhismo perigoso que ele exige não deixa de a cada passo se surpreender com a novidade ou o risco dos lugares revisitados, e portanto com a sua própria inexperiência e ignorância». In António Cândido Franco, Transformações da Saudade em Teixeira de Pascoaes, Edições do Tâmega, Amarante, 1994, ISBN 972-9470-12-X.

Cortesia Edições do Tâmega/JDACT

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Geometria em Portugal no início do século XVIII. A Náutica e a Ciência em Portugal. Luís Albuquerque. «… Verney queria dizer, sem dúvida, que o estudo da física exigia a utilização da matemática, e em especial da geometria, para que pudesse ser ultrapassada a fronteira limitadora da física escolástica que se ensinava então nas escolas portuguesas»



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«Uma história contada por Luís António Verney no seu célebre Verdadeiro Método de Estudar deixa ao leitor a ideia de que os estudos de geometria tinham na sua época caído na mais triste decadência. A anedota, que Verney nos transmite, ter-se-ia passado em qualquer acto de conclusões magnas feito na Universidade de Coimbra; eis como o Barbadinho relata o incidente:
  • ‘E já assisti a umas conclusões de Matemática em que, vendo-se o defendente obrigado a mostrar o que dizia com uma figura, gritou o arguente; - que bicharoco é esse? Tire para lá isso. O auditório aplaudiu muito este dito; mas eu tive compaixão de uns e outros. Tal é a ignorância destes países!’
No passo imediatamente anterior afirma, e veremos que sem dúvida com exagero polémico, que no país existia uma total incompreensão pela matemática. Diz assim:
  • ‘Sei que a maior parte dos professores deste reino [...] quando ouvem falar em Matemático, logo lhe perguntam se há-de chover ou fazer bom tempo, confundindo loucamente as conjecturas de alguns maus físicos e piores astrólogos com a verdadeira Matemática.’
NOTA: A despeito do evidente excesso desta afirmação, Verney pode ter uma justificação. Com efeito, durante o século XVII não foi invulgar que autores de obras sobre astrologia se declarassem matemáticos; assim o fizeram, por exemplo, António de Naiera, que se diz ‘matemático natural de Lisboa’ na sua Navigacion Especulativa y Pratica, de 1628 (mas escreveu pelo menos duas obras de astrologia), e Gaspar Cardoso Sequeira, que no seu Prognostico Lunário para o Ano de 1605, Lisboa, 1601 (mas reeditado em 1614), se declara ‘matemático’ natural de Murça.

Nessa mesma carta X, de que respigámos os dois passos anteriores, Verney, ao tratar do ensino da física, dedica especial atenção à necessidade de estar instruído em matemática, e em especial na álgebra e na geometria, quem quer que desejasse penetrar nos segredos da física moderna (como ele diz); e aconselha como livros de texto os cinco tomos de matemática de Wolfio (cuja leitura considera não ser fácil) e uma obra do marquês de l’Hospital para o estudo das cónicas. E logo adiante, dirigindo-se ao fingido destinatário das suas cartas:
  • ‘Creio que quando V. P. aqui chegar terá alguma dificuldade nesta minha proposição, talvez porque não está acostumado a ouvir este novo método; mas tenha por certo que não há mais verdade do que isto.’
Verney queria dizer, sem dúvida, que o estudo da física exigia a utilização da matemática, e em especial da geometria, para que pudesse ser ultrapassada a fronteira limitadora da física escolástica que se ensinava então nas escolas portuguesas. Todavia, as suas frases também podem dar a entender que o estudo da geometria estava afastado dessas mesmas escolas e dos poucos textos didácticos portugueses que nos ficaram do período de 1700 a 1746 (data da edição do Verdadeiro Método), ideia que está muito longe da realidade.
De facto, antes da publicação da obra do Barbadinho correram em Portugal vários textos que, no todo ou em parte, se dedicavam a expor as propriedades basilares da geometria. Citarei aqui apenas duas obras que são bastante bem conhecidas:
  • os Elementos de Geometria Plana e Solida, de Manuel de Campos, publicada em Lisboa em 1735;
  • a bem mais justamente conhecida Lógica Racional, Geométrica e Analítica, de Manuel de Azevedo Fortes, que veio à luz dois anos antes do Verdadeiro Método, também em Lisboa.
É bom ter presente, no entanto, que em 1728-1729 já Azevedo Fortes, que foi engenheiro-mor do reino, publicara em Lisboa, e em dois volumes, O Engenheiro Portuguez, e que o primeiro deles compreende a ‘geometria prática sobre o papel e sobre o terreno’, como o título anuncia. Que estas edições não foram casos esporádicos, mas corresponderam antes à necessidade de divulgar alguns conhecimentos gerais de geometria, é bem confirmado pelo facto de uns anos mais tarde, ou seja, em 1754-1756, terem aparecido dois volumes de um tratado designado Compendio dos Elementos de Matemática, que o pe. Inácio Monteiro fez imprimir em Coimbra.
Nada diremos desta última obra, que é posterior à edição do discutido livro do Barbadinho. Aliás, Inácio Monteiro, segundo suponho, cedo se fixou em Itália, onde publicou copiosa obra em latim, retomando em alguns desses volumes temas tratados no Compendio.
O livro de Manuel de Campos, que foi professor da ‘Aula de Esfera’ do Colégio de Santo Antão, e que no ano de 1737 publicaria, também em Lisboa, uma Trigonometria plana e Esferica, foi poucos anos depois votado a um total esquecimento, aliás imerecido, decerto como resultado de a Companhia de Jesus ter caído em desgraça. Mas já a Lógica Racional, de Manuel de Azevedo Fortes, parece ter gozado de larga divulgação durante bastante tempo como obra de consulta, o que, aliás, bem se justifica pelo cuidado na apresentação da segunda parte do texto, única que nos interessa considerar.
Embora todo o tratado de Azevedo Fortes, excluindo a introdução que para ele escreveu, mereça uma análise cuidada como contributo para o estudo das raízes do pensamento iluminista em Portugal, limitar-me-ei a descrever sumariamente as características da segunda parte da obra, ou seja, ‘Da Logica Geometrica’». In Luís Albuquerque, A Náutica e a Ciência em Portugal, Notas sobre as Navegações, A Geometria em Portugal no início do século XVIII, Gradiva, Colecção Construir o Passado, 1989, ISBN 972-662-135-6.

Cortesia de Gradiva/JDACT

Leituras. A Rocha Branca. Fernando de Campos. «Dizem-me que te aproximaste do abismo, olhaste abaixo a rocha branca talhada a pique sobre o mar violeta, da cor das tuas tranças. Pela última vez, esboçaste o teu sorriso de mel, avançaste um pé, o outro... e despenhaste-te!... Marinheiros e pescadores acorrem a tomar-te das ondas o corpo sem alma…»




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«Ondas. Aquelas, no enrolar da alta vaga que se precipita, se quebra sobre si mesma, se desfaz e borbulha e escorre e se espraia em espuma e vem afogar a anterior que já suspira e desmaia na areia, são como as ondas da minha vida, que, além do mais, por vezes também se estoiram contra penedia…
- Como rola a onda dos meus setenta anos, Alcímaco? Tens de me aparar a barba.
- Sim, meu senhor.
- A barba é branca como a espuma das ondas e sem descanso cresce, a empurrar a última e nova pujança… Mais vale intervir e pedir à tua tesoura cumpra o seu dever e a apare… Posídon é infatigável em fazer a barba às ondas do mar... Apara-me as cãs, Alcímaco.
- Sim, meu senhor. Quando vier do cais.
O meu escravo Alcímaco é um belo jovem de vinte anos, cabelo loiro de anéis curtos, como a barba, olhos azuis muito claros, ombros, torso, pernas e braços nus tostados do sol, a pequena túnica cintada cai-lhe como saiote até meio das coxas. Trabalha de boa vontade e é afável.
- Nortada, senhor! – diz Alcímaco. - Não sentes o fumo da fornalha da montanha nas narinas? - Queiram os deuses não recomece ela a cuspir em cima de nós a lava cor de oiro... Qualquer dia, estou em crer, ainda nos alaga e sepulta a todos na sua lama ardente.
- Minha avó torta! Livre-nos o deus Hefesto de tal sorte, senhor.
- Aonde vais de cesta no braço? Às compras?
- Vem lá barco. O porto começa a ferver. Vou pelas novidades, que sempre as há quando atraca barco - e Alcímaco desce diligente a ladeira.
Desde a beira-mar, trepam as casinhas da cidade pelo sopé sueste da montanha de fogo. A minha está quase sobre o cais. A aquecer ao sol o sangue frio dos anos, do terraço vejo a nave aproximar-se vinda de norte, já na doca os moços do porto a esperam para a atracação e se juntam mercadores com suas carroças, seus burricos. Acorre gente a esperar os viajantes, os amigos.
- Cátana! - ouço gritar o arrais.
Os marinheiros atiram os cabos de popa e de proa e os moços apressam-se a amarrá-los aos marcos do paredão. Lança-se a prancha do passadiço e logo desembarcam passageiros, entre eles um grupo de quatro belas mulheres. Túnicas garridas, guirlandas de mirto em flor, cortesãs de Corinto? penso. Para mim saudades de tempos idos… Elas descem açodadas como fugindo das brejeirices dos marinheiros.
Começa a faina de descarregar mercadorias, rolam-se pipas de malvasia, carregam-se aos ombros, sobre as costas, sacos de cereais, passam-se de mão em mão potes com passas de uva e figo, frutos secos, amêndoas, avelãs, fardos de tecidos, algodão, cânhamo, seda, vasos de perfumes... Cruza-se o vozear de ordens, gritos e pregões, já em terra se arma lota de peixe... As cortesãs desaparecem lá adiante a caminho do templo… Com que cansada indiferença olho todo este afã, para mim tão costumado! Só então reparo que um homem se destaca apressado, me acena de longe, mete por uma ruela e vem subindo a tosca escada cavada na rocha, em minha direcção.



- Tísias! Tísias! - chama, alarmado...
O que ele me conta! Não me bastavam mazelas e agravo dos cabelos brancos, chega-me agora, com o barco que vem de Lêucade, a notícia negra da trágica morte da minha imortal e inefável amiga, vinte anos mais nova que eu... Que súbita loucura foi essa a tua, infeliz? Em baixo, na ilha, faziam os marinheiros aguada para a travessia até aqui, subiste a falésia a visitar o templo do teu músico Apolo. Era-te demasiado grande e eternamente jovem a alma para te sentires encarcerada nos teus cinquenta anos? Quiseste imitar a formosa Cálice, desgostosa de não ser correspondida no seu amor?... Dizem-me que te aproximaste do abismo, olhaste abaixo a rocha branca talhada a pique sobre o mar violeta, da cor das tuas tranças. Pela última vez, julgo, esboçaste o teu sorriso de mel, avançaste um pé, o outro... e despenhaste-te!... Marinheiros e pescadores acorrem a tomar-te das ondas o corpo sem alma, procedem à cremação e enviam-te as cinzas para a tua Mitilene...
Meus pobres olhos! Nem já têm lágrimas para te chorarem!... Amargurado, venho sentar-me à porta de casa. Pesam-me os anos e tento ganhar forças para ir recolher a vida na Hímera onde nasci. Olho o mar, a montanha coroada de neve e o penacho de fumo do Etna… Águas que não param, fumo que se esvai, ondas que se desfazem na areia... Assim nos é o ser... Coisas, estas, que, pelos tempos adiante, os poetas hão-de repetir… E o teu vulto surge-me leve e diáfano! O teu sorriso vem até mim e ouço a tua voz, o teu canto, e dou em recordar... as longas conversas que tínhamos em Siracusa, quando para cá vieste residir, exilada, e aí nos encontrámos pela primeira vez, e o que de ti me contavas e tudo o que, depois de regressares a Mitilene, eu ia conhecendo de ti...
- Queres saber porque me exilaram? - Respondeste um dia à minha curiosidade. - Isso é o mesmo que perguntar como surge um tirano. Um tirano surge depois de a comunidade, através dos que a regem, ingénua investir no poder um cidadão pelas suas qualidades…
Mais de dois séculos andados sobre os poemas homéricos e a destruição de Tróia! Em Babilónia reinava Nabucodonosor, vinha-nos de Israel o pranto das jeremiadas, os minazes vaticínios das ezequieladas, lutava o faraó Psamético contra os Assírios, fundava Ciro o império persa... E tu, doce Safo, dulcíssima Psafo, como se diz em teu dialecto eólico, cantavas imortais hinos de amor!» In Fernando Campos, A Rocha Branca, Alfaguara, Editora Objectiva, Lisboa, 2011, ISBN 978-989-672-111-4.

Cortesia de Alfaguara/JDACT

A Tertúlia Ocidental. António José Saraiva. «Este e os seus amigos foram o núcleo de uma sociedade secreta que se chamou “O Raio” e que se organizou para combater as antigas praxes académicas que, tinham sobrevivido ao Romantismo e à revolução liberal»



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Pré-história de Antero
«Este e os seus amigos foram o núcleo de uma sociedade secreta que se chamou “O Raio” e que se organizou para combater as antigas praxes académicas que, tinham sobrevivido ao Romantismo e à revolução liberal. É um aspecto pouco conhecido, e compreende-se, esta participação de Antero em organizações clandestinas. Foi a sociedade secreta “O Raio” que na inauguração do ano académico de 1862 conseguiu impedir de falar o reitor, Sousa Pinto, fazendo sair em massa da sala os estudantes no momento em que ele se levantava para proferir a oração inaugural. Antero redigiu um ‘manifesto dos estudantes de Coimbra à opinião ilustrada do país’, explicando este acto, manifesto que foi assinado quase instantaneamente por 314 estudantes, entre os quais os seus mais íntimos amigos, já mencionados. O reitor teve de demitir-se.
Por acção subterrânea da sociedade “O Raio”, já antes, em 1862, Antero tinha sido encarregado de saudar em nome da Academia o príncipe Humberto de Sabóia, herdeiro de Victor Manuel, de passagem por Coimbra. Victor Manuel encabeçava a luta contra os Estados Pontifícios e contra o poder temporal do Papa. Nessa ocasião Antero declarou:
  • ‘A mocidade liberal portuguesa saúda, em nome da liberdade do mundo católico [sic], o filho do amigo de Garibaldi, o filho de Victor Manuel’.
Garibaldi era nesta época o herói romântico por excelência. Antero falava também de ‘um fantasma do passado’, apontando a dedo o reitor, que assistia.
O primeiro grande livro de poesia editado por Antero é “Odes Modernas”, em 1864, que é dedicado a Germano Vieira Meireles, nesta época o seu ‘alter ego’:
  • Escrevo o teu nome na primeira página deste livro como no soco da estátua da Vénus antiga gravou o escultor, enlaçados, o seu nome com o da formosura estranha que lhe servira de modelo. [...] É ‘nosso’ este livro. A mão do copista que mais vale? Se são estas páginas fragmentos do grande e belo poema da nossa comum mocidade?’
Este livro provocará poucos meses depois as alfinetadas críticas de A. F. Castilho. Anos mais tarde o próprio autor julgará esta uma poesia ‘declamatória e abstracta, por vezes indistinta [...] Acima de tudo, como dizem os Franceses, poesia de combate. O panfletário divisa-se nestes versos, detrás do poeta’.
Em 1865 o papa Pio IX emite uma encíclica promulgando o que depois se ficou chamando “Syllabus”, ou lista dos erros condenados pela Igreja. Esses ‘erros’ abrangiam o Liberalismo, o Socialismo, a independência do poder civil, a liberdade de opinião, etc. Contra esta publicação protestaram os jornais, não só em nome da liberdade de opinião, mas também em nome do poder civil. Esta encíclica deu lugar a um panfleto intitulado “Defesa da Carta Encíclica de S. Santidade Pio IX”. Neste estranho escrito contra o que Antero chama ‘a opinião liberal’, ‘monstro moderno’, ataca-se tanto o Papa como a ‘opinião liberal’, a sociedade laica e a sua legitimidade e, de maneira geral, as ‘conquistas’ da Revolução Francesa. Foi o primeiro folheto publicado por Antero, e mostra-o dividido entre duas opiniões opostas.
  • É um protesto contra a falta de lógica com que as folhas liberais atacavam o Syllabus, declarando-se ao mesmo tempo fiéis católicos.
1865 é uma das grandes ocasiões de Antero. António Feliciano de Castilho, o velho mestre, prefaciara o “Poema da Mocidade” de Pinheiro Chagas, em estilo romântico tradicional, contrapondo-o aos novos estilos de Antero de Quental, em “Odes Modernas”, de Teófilo Braga, em “Visão dos Tempos”, e de Vieira de Castro, hoje esquecido. Antero respondeu com um panfleto, “Bom Senso e Bom Gosto”, que teve um sucesso instantâneo e memorável. Teófilo Braga seguiu-se-1he, fazendo editar por intermédio de José Fontana (empregado da Bertrand) o já referido folheto intitulado “Teocracias Literárias”.
Seguiram-se dezenas de outros folhetos, quer de escritores veteranos, quer de jovens estreantes. Um deles foi o do jornalista Ramalho Ortigão e que ocasionou um duelo à espada entre ele e Antero, no qual Ramalho, um bom desportista, ficou vencido, para surpresa geral». In Tertúlia Ocidental. Estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz e Outros, António José Saraiva, Herdeiros de António José Saraiva e Gradiva Publicações, 1996, ISBN 972-662-475-4.

Cortesia de Gradiva/JDACT

Passeio Aleatório. Pela Ciência do Dia-a-Dia. Nuno Crato. «O exercício do cálculo mental e a memorização, nomeadamente da tabuada, ajudam a desenvolver regiões do próprio cérebro e capacitam os jovens para outras actividades. Há uma janela de oportunidade para essa aprendizagem…»



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A Tabuada e a Máquina de Calcular
«Num conto magnífico incluído na colecção ‘Nove Amanhãs’, Isaac Asimov (1920-1992) imagina uma civilização do futuro que se tinha esquecido da tabuada e dos algoritmos das quatro operações. Apenas as máquinas conseguiam fazer contas. Os seres humanos tinham de as usar para todos os cálculos, mesmo os mais elementares.
Ninguém se interrogava sobre o que as calculadoras faziam. Mas a certa altura aparece um jovem técnico que começa a ficar curioso. Repara em certas regularidades e constrói uma tabuada. Pouco a pouco, percebe o mecanismo das operações e começa a fazer contas. Afirma com toda a confiança:
  • Três vezes sete, vinte e um... quatro vezes oito, trinta e dois...
Os amigos duvidam e vão verificar os resultados com a máquina. Dá certo! Dá sempre certo! ‘Soma agora 23 com 48! Dá 71! E não é que dá mesmo!?...’
A história foi escrita em 1958 e parece premonitória.
De facto, há hoje muitos jovens estudantes que sacam das máquinas para resolver as operações mais elementares. Habituaram-se a isso quando estavam na escola e já não o sabem fazer de outra maneira. Ora fazer contas mentalmente é muito útil no dia-a-dia. Serve para comparar preços no supermercado, fazer trocos, medir o tempo, deitar contas à vida...
Mas há mais. O exercício do cálculo mental e a memorização, nomeadamente da tabuada, ajudam a desenvolver regiões do próprio cérebro e capacitam os jovens para outras actividades. Há uma janela de oportunidade para essa aprendizagem. Privá-los desse treino em tenra idade é limitá-los no seu desenvolvimento intelectual futuro.
É o que se está a passar com muitos jovens. E a culpa não é deles. Com o pretexto da "aprendizagem significativa” atacaram-se os "vícios da memorização”, mas errou-se o alvo. Leia-se o programa de Matemática do 1.º ciclo aprovado em 1990. Diz-se aí que a "máquina de calcular não pode deixar de ter lugar no 1.º Ciclo" (jovens dos 6 aos 10 anos). Fala-se nos "cálculos obtidos, utilizando algoritmos ou a máquina de calcular" e depois diz-se que na sala de aula "o professor permitirá que cada criança utilize, com liberdade, o que lhe for mais conveniente”. Ou seja, diz-se que o professor não pode impedir uma criança de 6 a 1.0 anos de usar a calculadora sempre que ela o queira fazer.
Felizmente, a maioria dos professores tem mais bom senso que os teóricos da pedagogia romântica e percebe bem esta verdade simples: permitir ao aluno o uso da máquina de calcular sempre que o queira é caminho certo para o impedir de desenvolver o cálculo mental.
Dito tudo isto, é preciso acrescentar que a calculadora devia ser mais usada no ensino secundário. Sobretudo, mais bem usada. Nessa altura começam a aparecer frequentemente contas muito difíceis, impossíveis de resolver manualmente. É preciso conhecer melhor a máquina de calcular para poder enfrentar esses novos desafios. Mas há muitos alunos que chegam à universidade sem saber calcular exponenciais, logaritmos ou tangentes, pois nunca perceberam as correspondentes funções das suas máquinas. É triste, mas por vezes parece que andamos a fazer as coisas ao contrário». In Nuno Crato, Passeio Aleatório, pela Ciência do Dia-a-Dia, Gradiva, Ciência Aberta, 2009, ISBN 978-989-616-216-0.

Cortesia de Gradiva/JDACT

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Leituras. Fala Yael. Castelo de Vide. Os Judeus e a Inquisição. Yael Bar Tolmei (Ana Bela Santos). «Para os cristãos posso ser Violante, Leonor Catarina ou qualquer outro nome, mas no coração sou Yael Bar Tolmei (Yael, Bar (filha), Tolmei (de Tomé). No dia seguinte ao meu nascimento o meu pai pegou-me e o meu olhar dirigiu-se para a janela, como se visse alguma coisa, e perdeu-se na vastidão…»


Aguarela de josemanuelcoelho
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Fala Yael
«Na nossa comunidade sefardita há o costume de comemorar a primeira gravidez. Chamam a esta cerimónia ‘o corte das roupas’ ou como dizem em ladino kortadura de fashadura. Esta cerimónia consiste em fazer a primeira roupa de bebé que será usada, quer seja menino ou menina. A mãe, que desejava um menino, realizou a fashadura durante os primeiros quinze dias do ciclo lunar. O tecido para a fashadura fazia parte do enxoval e era da melhor qualidade, comprado ao nosso vizinho Abraão, mercador tal como seu pai.
Ao quinto mês da minha gestação foram convidados amigos, vizinhos e parentes. Foram confeccionadas diversas iguarias, servidas nas melhores louças e usadas as melhores toalhas. Uma parente, já com filhos e cujos familiares se encontrassem ainda vivos, o que era um bom augúrio para uma vida longa, era honrada com o privilégio de dar o primeiro corte no tecido. Nessa altura, a minha mãe depositava doces brancos de amêndoa, em cima do tecido, simbolizando o seu desejo de um filho cujo futuro fosse cheio de prosperidade e doçura.
Desde sempre que no judaísmo as crianças são consideradas preciosas, depositárias das tradições que ao longo dos milénios nos regem. As crianças são o garante, a chave para a continuação do nosso povo, do povo judeu.
No primeiro shabat, a seguir ao meu nascimento recebi o meu nome hebraico na casa onde nos reuníamos. O meu pai foi chamado para uma aliá à Torah e anunciou-se o Avi Habá. Depois a congregação cantou e de seguida o rabi fez uma leitura e o meu nome foi dado com Bernazal tov Ubisheat, berachá. É uma oração desejando que a filha lhes dê muita alegria e que tenham a possibilidade de a ver casada e com filhos.
Sou Yael.
Para os cristãos posso ser Violante, Leonor Catarina ou qualquer outro nome, mas no coração sou Yael Bar Tolmei (Yael, Bar (filha), Tolmei (de Tomé). No dia seguinte ao meu nascimento o meu pai pegou-me e o meu olhar dirigiu-se para a janela, como se visse alguma coisa, e perdeu-se na vastidão que acabava muito longe, nos Montes Hermínios. O meu pai lembrou-se de Moisés, no Monte Horeb, guardando as cabras de Jetro. Por isso, sou Yael, a cabra do monte.
Sou Yael. Nasci ao anoitecer quando o dia entra na treva. Nasci quando o meu povo anoitecia e entrava na treva da Inquisição (maldita). Sou Yael, a cabra do monte, presa entre o salmodiar em sussurro e as orações vãs em voz alta. Sou um povo inteiro, uno no sofrimento e na angústia, na perseguição e tormento, na ansiedade quando os Visitadores chegam. Os Familiares do Santo Ofício (maldito) andam activos. Será hoje?
A Inquisição (maldita) de Évora é como um lobo de fauces abertas, insaciável, incansável. Será hoje?
Anoitece na Judiaria e os cristãos-novos tornam a casa num silêncio resignado. É um silêncio que gritará através dos séculos, contando a história.
Sou Yael. Castelo de Vide viu-me nascer e talvez me ouça dizer as derradeiras palavras:
  • Shemá Israel, hashem Elohenú, hashem Ehad, a primeira frase que a criança deve pronunciar e também a última, antes da partida para a casa celestial.
Mas, mais que Yael, sou o povo eleito, sou a menina dos olhos de Deus, sou o povo de Israel e a nossa história será contada de geração em geração até ao fim dos tempos.
Por isso, posso dizer como escreveu Kamala Markandaya: ‘Eu existia quando ainda não vivia e existirei mesmo depois de morta’». In Yael Bar Tolmei, Ana Bela Santos, Fala Yael, Castelo de Vide. Os Judeus e a Inquisição, Orfeu, 2009, ISBN 978-2-87530-020-1.

Cortesia de Orfeu/JDACT

Pintura. Marie-Guillemine Benoist. «A sua carreira de êxito continuou no ‘Salão de 1800’, em que apresentou ‘O Retrato de Uma Negra’. Este retrato foi pintado seis anos depois da abolição da escravatura. Tornar-se-á num manifesto a favor da emancipação da mulher e dos indivíduos de raça negra»



(1768-1826)
Paris
Cortesia de wikipedia

«Pintora neoclássica, nascida Marie-Guillemine de Laville-Leroux, estudou com Élisabeth-Louise Vigée-Lebrun e Jacques-Louis David. Representou temas históricos e retratos de família. Recebeu uma encomenda de Napoleão Bonaparte para pintar a sua família. Abordou também questões contemporâneas de seu tempo: retratou uma negra quando se discutia em 1800 a retomada da escravidão na Fraa, abolida em 1794 e restabelecida por Napoleão em 1802.



Cortesia de wikipedia

Expôs pela primeira vez em 1791 no ‘Salão de Paris’, onde apresentou um quadro de assunto mitológico, ‘Psique despedindo-se da sua família’. Da mesma época é a ‘Inocência’ entre o vício e a virtude, também inspirado na mitologia, adaptando o tema de Hércules na encruzilhada.

Em 1793 casa-se com o banqueiro Pierre Vincent Benoist. Nessa época, abandonou os ‘sujeitos’ clássicos pela pintura de ‘género’.
A sua carreira de êxito continuou no ‘Salão de 1800’, em que apresentou ‘O Retrato de Uma Negra’. Este retrato foi pintado seis anos depois da abolição da escravatura. Tornar-se-á num manifesto a favor da emancipação da mulher e dos indivíduos de raça negra. O quadro foi adquirido por Luís XVIII em 1818». In Wikipédia.


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