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«Francisco Sanches, nascido em 1550 ou 1551, iniciou os seus estudos em
Braga. Por volta de 1562 acompanhou seus pais para Bordéus e ai se matriculou
no Colégio de Guyenne e mais tarde formou-se em Medicina na Universidade de
Mompilher. A sua vida foi principalmente dedicada ao ensino na Universidade de
Tolosa onde exerceu o magistério na Faculdade de Artes (1585-1610) e, depois do
concurso, professor da faculdade de medicina da mesma Universidade desde 1610
até 1623, data do seu falecimento. Na Universidade de Tolosa conserva-se um
quadro com o seu retrato, colocado por colegas, seus contemporâneos, com o
letreiro:
- ‘Franciscus Sanches Lusitanus’.
O livro que o celebrizou foi principalmente o ‘Quod Nihil Scitur’ (Que Nada
se Sabe) e por isso a ele nos vamos referir pois a sua interpretação não é
unânime: antes era considerado apenas como um grande céptico mas actualmente
prefere-se ver nele o precursor do novo método de investigar as ciências.
Comecemos por situá-lo na sua
época.
No Renascimento, juntamente com uma ampla oposição à filosofia da
Escola que perdera o ímpeto criador do século XIII e se esgotava em dialécticas
abstractas de análise sem interesse, renovou-se o estudo de novas correntes da
filosofia antiga. O ‘Platonismo’ começou a ser cultivado e, com ele, o ‘Estoicismo’
e o ‘Epicurismo’.
E no final do período, como fruto destas correntes bastante dispersas, despontou
também, como fruto de certo cansaço criador, o antigo cepticismo e a dúvida.
Neste período ‘renascentino’, na busca de um novo sentido especulativo, não
apareceu nenhum grande filósofo que o encarnasse.
Por isso, as novas correntes, mais do que em algum génio, devemos
procurá-las sobretudo nas tendências inovadoras que pairavam no ambiente. Os
autores que cultivavam essas tendências tinham consciência de criar um mundo
novo pela maneira de encarar, através de um novo método ansiosamente procurado,
o ‘Indivíduo’ e a ‘Natureza’. Daí a sua reacção generalizada contra a lógica e a
dialéctica das Escolas e daí também a sua crítica contra a física e a
antropologia aristotélicas e a cosmologia ptolomaica.
Esta mudança de perspectivas do pensamento metafísico e abstracto para
o pensamento movido pelo interesse do concreto e da Natureza, e o proliferar de
vários sistemas, uns arcaizantes e outros incoerentes, trouxe ao ânimo de
Francisco Sanches, que em 1576 começava a lançar-se na tarefa filosófica de
buscar a verdade e o método de saber interpretar a Natureza, um profundo
desencanto; e esta base psicológica e cultural aproximou-o do cepticismo.
Francisco Sanches
- ‘manuseava os escritos dos antigos, escreveu ele no Quod Nihil Scitur’, sondava o pensamento dos contemporâneos. Respondiam todos a mesma coisa, nada que me satisfizesse. Confesso que alguns ainda me apresentavam como que uns esboços de verdade. Não encontrei, contudo, ninguém que me declarasse, com sinceridade e sem tergiversações o que devia pensar acerca das coisas’. E quê? Cada qual trata de construir para si uma ciência com ideias próprias ou alheias; desta deduz outras e assim sucessivamente, a tal ponto que, por falta de análise profunda das coisas, constroem um labirinto de palavras sem qualquer fundamento de verdade. Nele aturdido nada ficarás a saber acerca da natureza das coisas’.
E a seguir enumera as escolas cujas soluções lhe parecem ineficazes e
contraditórias em busca da verdade:
- Daqui os Átomos de Demócrito, as Ideias de Platão, os Números de Pitágoras, os Universais e o Intelecto agente e o possível de Aristóteles. Com tudo isto apresentando-se como pioneiros das coisas ignoradas ou ocultas da natureza, vão arrebanhando a gente inculta.
Esta desilusão, como ele confessa, era no entanto fruto de uma busca
incessante, de uma sede interior, não satisfeita, que se condensava sobre o
problema da busca da verdade e da certeza sobretudo na investigação da Natureza».
Lúcio Craveiro da Silva, Estudos de Cultura Portuguesa, Universidade do Minho,
Centro de Estudos Humanísticos, Colecção Hepérides, Filosofia 2, Braga, 2002,
ISBN 972-8063-14-8.
Cortesia da U. do Minho/JDACT