sábado, 4 de agosto de 2012

Herculano Desconhecido. 1851-1853. António José Saraiva. «O municipalismo seria a única maneira de garantir a genuinidade do sufrágio, de suprimir as oligarquias e de realizar do governo do país pelo país. É evidente que semelhante sistema só seria viável sobre uma dada base económica»


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«Foi Herculano quem pela primeira vez notou paralelismo entre o império francês e a Regeneração portuguesa. Herculano atendia exclusivamente ao aspecto político da reacção: o reforço do Executivo, que restaurava de facto a monarquia absoluta; e o restabelecimento da influência do clero.
Para combater a reacção, que assim denunciava e caracterizava, propunha Herculano uma ampla reforma política, que tinha por base, ou então estava organicamente articulada com um programa económico.
Tinha por objectivo político esta reforma a descentralização política e administrativa, isto é a transferência do maior número possível de poderes para os municípios, e a autonomia tão larga quanto possível destes em relação ao poder central que dentro deste sistema, não seria mais do que o órgão coordenador da federação dos municípios.
À estrutura política dos municípios, Herculano deixa-o entrever mais de uma vez, seria a democracia directa. A assembleia dos cidadãos municipais seria o órgão soberano e legislador, como hoje em certos cantões suíços, elegeria o órgão executivo municipal dos concelhos. Herculano tinha em mente, como facilmente se vê, a estrutura dos concelhos medievais, tal como a descreve detalhadamente no 4º volume da sua História de Portugal.
A administração municipal assim concebida era para Herculano a mais eficaz defesa contra os abusos do poder central, quer este se apoiasse na força armada, quer na mistificação eleitoral. O eleitor vulgar pode facilmente ser iludido ou corrompido nas eleições gerais em escala nacional, disputadas em torno de programas e de pessoas que ele não conhece e pelos quais apenas se interessa longinquamente. Pelo contrário, em votações dentro da área restrita do concelho, o eleitor estaria directamente interessado e-daria voto sobre pessoas e questões que conhecia de perto. O municipalismo seria a única maneira de garantir a genuinidade do sufrágio, de suprimir as oligarquias e de realizar do governo do país pelo país.
É evidente que semelhante sistema só seria viável sobre uma dada base económica. Lopes de Mendonça, na polémica com Herculano objectou acertadamente que este municipalismo está em contradição com a existência de uma classe trabalhadora dispersa mas unida nos seus interesses, e que a centralização política, com a correspondente existência dos grandes partidos, serie, pelo contrário, favorável à unidade da classe trabalhadora.
Herculano não estava preparado para responder a esta objecção porque tinha em mente uma estrutura económica tradicional em que não existia o proletariado fabril, nem as contradições económicas inerentes ao capitalismo industrial. Tal economia corresponderia de algum modo às condições da época em Portugal; mas Herculano pressupunha-a e desejava-a permanente.


É neste ponto que podemos observar a outra face desta campanha de Herculano. Ele combatia a reacção provocada em França pele ameaça socialista, mas também combatia o Socialismo que a provocara. Tendo lido alguns teóricos do Socialismo pré-marxista, nomeadamente Sismondi e Proudhon, Herculano não ignorava as novas condições criadas pelo desenvolvimento da grande indústria e relacionava a concentração industrial com a ruína da pequena propriedade e a proletarização em messa. Felizmente, segundo ele, Portugal estava ainda longe de atingir esta fase; a média e a pequena propriedade continuavam a dominar aqui, E para prevenir os males de concentração e da proletarização experimentados em países .menos afortunados tornava-se urgente evitar a concentração da propriedade e facilitar o acesso do trabalhador rural à propriedade da , terra. O plano de Herculano para resolver, ou antes, prevenir a questão social em Portugal consistia em converter na mais larga medida possível o trabalhador em pequeno proprietário». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.

Cortesia de Edições SEN/JDACT